Pense em um intelectual racionalista, tido como precursor do evolucionismo, crítico de muitas crenças de seu povo, um dos pioneiros na exposição sistemática do conhecimento e do enciclopedismo. Provavelmente, você pensou em um pensador ocidental. Mas muito antes do surgimento de todos os ocidentais com essas características, viveu Abu Uthman Amr ibn Bahr al-Kinani al-Basri, conhecido como o célebre al-Jahiz, que significa “o esbugalhado”, pois assim eram seus olhos. Nascido em Bagdá no ano de 776, viveu até 869, em pleno Califado Abássida. Segundo seus biógrafos, era africano por parte de pai, e árabe por parte de mãe, como muitos de sua época, num mundo islâmico altamente miscigenado.  

Ficou órfão muito cedo, mas conseguiu frequentar as escolas religiosas para aprender Alcorão, retórica, a lógica, a língua árabe clássica e outras ciências. Sua educação era financiada por seus próprios recursos: sem parentes ou patronos para sustentar sua vida intelectual, trabalhou como comerciante de peixes e pães nos mercados.

O esforço era grande: sem tempo para estudar integralmente durante o dia e sem recursos para comprar livros, al-Jahiz precisava alugar o espaço de bibliotecas durante a noite para poder estudar. O jovem de olhos esbugalhados, pescoço fino, lábios grossos, pele morena e baixa estatura, era uma pessoa alegre, bem-humorada, inteligente, espirituosa e adorava boas discussões, o que o levou naturalmente ao amor pelos estudos.


Al-Jahiz perseguiu seus estudos a partir de seu próprio bolso, trabalhando no mercado.

Este amor o levou às ciências naturais e no lugar ideal: pelas próprias características do Califado Abássida da época, referência de educação científica em alto nível não só para muçulmanos, mas também para pessoas de todas as fés. Foi neste cenário que sua carreira de estudioso e intelectual começou a se desenvolver e não demorou para que começasse a lecionar em assembleias do mercado de Merbad, em Basra. Estas assembleias eram verdadeiros centros culturais e intelectuais com diversidade de temas e pensadores. Abdullatif Hamza relata este empolgante cenário em sua biografia sobre Jahiz, “Jahiz, o Mutazilita”:

“As assembleias de Basra eram frequentadas por árabes que vinham do deserto, por oradores, pregadores religiosos e poetas. Membros de várias seitas islâmicas e até mesmo de outras religiões chegavam ali para debater e foi assim que al-Jahiz ouviu as principais ideias e pensamentos dos escritores de sua época.”

Já sobre o ambiente de discussão religiosa e filosófica da magnífica e cosmopolita Bagdá no Iraque, capital do Califado no século X, temos o relato de um viajante muçulmano hispânico vindo de al-Andalus, preservado no Bugyat al-Multamis de al-Dabbi (m. 1202), também de origem hispânica, que dá contas do que acontecia nos centros de debate califais do mundo islâmico medieval:

“…(estavam lá) não somente muçulmanos de todos os ramos ortodoxos e heterodoxos, senão também infiéis zoroastristas, materialistas, ateus, judeus, cristãos, enfim, gente de todo tipo de religião. Cada seita tinha seu representante, encarregado de defender as opiniões que professava, e quando um destes entrava na sala, todos se levantavam respeitosamente, e ninguém voltava a sentar-se antes que ele houvesse ocupado seu lugar. Logo a sala estava repleta de gente, e um dos infiéis tomou a palavra: “Nos reunimos” - disse ele - “para discutir; vocês muçulmanos não nos ataquem com argumento algum tirado de seu livro ou fundamentado na autoridade de seu Profeta; atenhamo-nos, pois, todos à provas fundamentadas na pura razão humana.” Esta condição foi aceita ali de forma unânime.”

Se as assembleias de Basra já legavam aprendizado, fama e melhor condição financeira a al-Jahiz, a situação melhorou quando foi finalmente aprovado na Instituição do Califa, na recém-fundada Bagdá, onde ganhou a admiração da corte por seus escritos.

Foi em Bagdá que escreveu a maioria de suas obras, o Kitāb al-Hayawān, “O Livro dos Animais”, uma volumosa enciclopédia de 7 volumes, na qual descreveu não só espécies, mas também a psicologia comportamental dos animais, bem como a influência do clima e do espaço em seus desenvolvimentos.

Nesta obra, vemos que seu método era o da observação natural, lançando base para o materialismo enquanto método científico e foi, nesta obra, que uma explicação de al-Jahiz passou a ser considerada pioneira da Teoria da Evolução, desenvolvida por Charles Darwin, bem como o conceito de “seleção natural”. Ele escreveu (AL-JAHIZ, 2018):

“Os animais estão em uma luta constante para sobreviver, para encontrar comida, para não serem comidos, para lutar e para se reproduzir. As influências ambientais forçam os organismos a desenvolver novas características para sobreviver e, assim, novas espécies surgem. Aqueles que têm a oportunidade de se reproduzir, transmitem essas características de sucesso para a próxima geração.”


“O Livro dos Animais” (kitab al hayawan): estipulou a Evolução das espécies em quase exatos mil anos antes de Charles Darwin.

Seu principal fundamento é a luta pela sobrevivência através da cadeia alimentar das espécies e os fatores ambientais. Ele argumentou que apenas espécies fortes e poderosas podem sobreviver durante essa luta e, consequentemente, há uma seleção natural e esta luta pela vida ocorre dentro do plano divino, pois Deus permite que alguns corpos supram suas necessidades alimentares com a morte de alguns outros corpos. Em um exemplo prático disso (AL-JAHIZ, 2018), escreveu:

“A ratazana sai de sua toca em busca de comida; primeiro, ela procura sua presa, e depois pega e come pequenas criaturas como pequenos pássaros e animais. Contra os ataques de pássaros e cobras, ela se esconde junto de seus filhotes nos túneis secretos e curvos que abriu no subsolo. Cobras adoram comer ratazanas. Quanto às cobras, elas também tentam se proteger de animais mais fortes, como castores e hienas. A hiena assusta a raposa; a raposa também assusta animais menores que ela. É lei que alguns seres são comida para outros. Todos os animais pequenos comem os menores, e nem todos os animais grandes podem comer os maiores. Os seres humanos são como animais em suas relações uns com os outros. Deus faz da morte de alguns seres a causa da vida de outros.”

Nota-se, ao fim desta passagem, um certo pessimismo e sarcasmo que é parte de sua obra política: al-Jahiz argumentava que o ser humano, por sua tendência à corrupção, também é um predador de sua própria espécie e, portanto, precisa ser governado para uma convivência em sociedade. Este caráter também é notado em sua obra sobre a avareza, da qual falaremos adiante.

Sabe-se que outros autores greco-romanos, como Aristóteles e Lucrécio, também haviam elaborado sobre este conceito. Lucrécio escreveu em sua obra, “Sobre a Natureza das Coisas” (LUCRÉCIO, 2007): “A natureza está em constante transformação e os seres que podem evoluir são aqueles que podem apenas se adaptar e se reproduzir.”


Al-Jahiz foi particularmente influenciado pelos filósofos Clássicos de Grécia e Roma, em particular Lucrécio (94 a.C. – c. 50 a.C.).

Esta teoria levou a uma outra grande contribuição de al-Jahiz: a cadeia alimentar – onde a morte de um organismo é a sobrevivência de outro, que ocorre através de um predador maior ou mais competente do que um menor, desde as plantas até os grandes predadores carnívoros e, finalmente, al-Jahiz identificou até os parasitas e animais que se alimentam dos corpos em decomposição.

Este conceito, embora não seja uma comprovação da Teoria da Evolução, é parte integral de sua teoria e uma realidade observável no mundo orgânico.

Mas há uma diferença entre os antigos helênicos e al-Jahiz: sua obra foi a primeira a tentar fundamentar a ideia da evolução em explicações dadas através da observação, experimentação, além de serem ilustradas e esquematizadas, uma inovação no método científico.

Esta sua inovação surgiu através da filosofia mutazila, da qual era seguidor, e que tinha como base a razão humana como o principal árbitro nas questões teológicas e científicas – caracterizava-se como de racionalismo extremo – seus escritos científicos ganharam fama justamente pelas descrições extremamente fundamentadas nas descobertas naturais.

Podemos ver seu método de pesquisa nesta mesma obra, onde ele afirma que o método científico deve partir dos seguintes pontos:

  1. O problema da informação: conhecemos através dos sentidos, daquilo que nos é informado e, finalmente, pela razão. É aqui que al-Jahiz coloca a razão inclusive acima do próprio olho: o olhar, à primeira vista, pode nos enganar – isto é, a informação não é em interpretada pelo sentido da visão. É aí que a razão entra como o árbitro para se chegar à verdade.
  2. A criação e origem do mundo conforme a sabedoria divina: Deus criou o universo e tudo que há nele através de características presentes em forma e matéria. Assim, forma e matéria não são inseparáveis e podem evoluir, conforme os acidentes entre elas se deterioram e se transformar durante o ciclo da vida.

Em sua Teoria de Evolução, al-Jahiz não negou a ação divina, não se caracterizando como um evolucionista ateu ou agnóstico como alguns no mundo islâmico onde vivia. Para ele, seria plenamente possível uma transformação das espécies dentro da própria ordem divina, pois se a matéria é sujeita ao desenvolvimento e à destruição, a forma também é. Um conceito ousado para a época, obtido apenas através de seu método de observação. Na época dos famosos tratados de criptozoologia e de um mundo repleto de superstição, al-Jahiz se colocou contra tais crenças e fez um trabalho naturalista.

O popular conceito de cadeia alimentar que explica como através de uma rede cruzada de interligações, começando com organismos produtores (como as plantas fotossintetizantes) e terminando no ápice de espécies predadoras (como leões, ursos ou orcas), mas que também passa por detritívoros (como minhocas ou baratas), e espécies de decomposição (como fungos ou bactérias), os seres vivos se relacionam entre si para sua subsistência cíclica uns dos outros através de níveis tróficos diferentes também está em seu famoso Kitāb al-Ḥayawān. Contudo,a popularização ocidental do conceito de cadeia alimentar proposto por al-Jahiz é creditada ao zoólogo e ecologista britânico Charles Elton, em uma publicação de 1927. Contemporâneo de Darwin, o cientista William Draper, falava da "teoria da evolução maometana" em 1878, possivelmente remontando-a a al-Jahiz.

Conforme aponta o Dr. Miller, com doutorado pela universidade de Harvard (Miller, 2016): “Muito do Livro dos Animais é dedicado a argumentar contra pessoas que pensavam que pessoas e animais excepcionais eram monstruosos ou assustadores.”

Al-Jahiz percebia nesta investigação detalhada da natureza uma tarefa divina e como parte essencial da própria compreensão do homem em busca de Deus. Conforme ele escreveu em seu Livro dos Animais (AL-JAHIZ, 2018): “Todas as criaturas são igualmente dignas de investigação, pois são igualmente essenciais para o caráter benéfico a criação para os humanos e porque são, em termos de conhecimento, equivalentes para conhecer o Criador. Os seres parasitas e insignificantes não são, portanto, menos dignos de investigação do que outros seres.”

Segundo pesquisas modernas, seu trabalho também foi inspirado em outros cientistas árabes anteriores, também pioneiros em uma zoologia mais científica. Aponta o Dr. Vural (VURAL, 2021).

“O pioneiro deste assunto e sua inspiração foi seu contemporâneo Abdulmalik e o livro escrito por Qurayb al-Asmai sobre zoologia. Tanto quanto sabemos, este trabalho é o primeiro trabalho zoológico na história do pensamento islâmico. Mas foi a obra de Jahiz que ficou bem conhecida pelos pensadores europeus durante o período tardio dos estudiosos muçulmanos, sobre os quais ele exerceu grande influência e se tornou uma fonte de trabalhos no campo da zoologia.”

Outro aspecto importante de sua obra foi a classificação dos animais em tipos e subtipos, que também contribuiu para a ideia de cadeia alimentar e, além disso, al-Jahiz também faz críticas às crendices em animais mitológicos.

É inegável ligar a teoria de al-Jahiz à Teoria da Evolução de Charles Darwin, cuja fundamentação teórica foi construída em 1859, quando Darwin publicou o livro conhecido simplesmente como “A Origem das Espécies” ou a “A Conservação das Espécies Apoiadas na Luta Pela vida." Embora no Ocidente Darwin seja tido como o pai da biologia evolutiva e provavelmente sempre permanecerá assim – pois Lucrécio e outros antigos que a mencionaram não forneceram bases teóricas observáveis e, por esta razão, são ignorados na autoria desta teoria – al-Jahiz forneceu em seu material estudos, análises e fundamentação teórica nos moldes científicos aceitos inclusive na modernidade, mas, infelizmente, o seu legado é ignorado por boa parte dos trabalhos acadêmicos ocidentais. Em torno deste ponto, podemos notar que al-Jahiz observou a luta das espécies pela sobrevivência como parte do processo evolutivo, o que também é um dos pontos principais do evolucionismo de Darwin.

Durante séculos, os mutazilitas foram o pilar do pensamento racionalista no mundo islâmico, apoiando-se principalmente na herança Clássica e na rejeição de “superstições”.

Mas a sua ousadia não ficou restrita ao campo da investigação natural: al-Jahiz desafiou também algumas crenças religiosas e teológicas. Era um crítico das crenças em antigas histórias e lendas sobrenaturais e uma das que mais criticou era o relato que dizia que a pedra da Caaba era branca, mas ficou negra pelos pecados da idolatria do mundo até o tempo do Profeta Muhammad.

Ele dizia, em tom ácido, também marcante em suas obras, que se assim fosse, o Islã teria feito a pedra ficar branca novamente. E aqui temos outra marca única de al-Jahiz: o humor muitas vezes debochado, anedotas para mostrar o ridículo dos pecados humanos como a avareza, a corrupção, a ganância e a credulidade do povo.

Este seu lado mais humorístico pode ser visto em sua obra Kitab al-Bukhala, traduzido ao português como o título de “Os Miseráveis”, formado por contos que demonstram o ridículo da avareza, equivalente à famosa história da velha avarenta de Pedro Malasartes, na literatura ocidental. Uma jocosa ilustração sobre os costumes dos avarentos, segundo seu próprio livro (AL-JAHIZ, 2005): “Abu Said Sadjada conta que os habitantes de Meru, quando calçam seus sapatos, durante seis meses caminham apenas nas pontas de um pé, e depois revezam para outro, de modo que assim pensam ter economizado a metade de tempo de uso, pois tremem de pavor quanto ao gasto da sola.” Esta obra não é apenas espirituosa: também é considerada um importante documento sobre a vida, costumes, economia e vida social de seu período.

Seu pensamento religioso também seguia esta linha coesa de raciocínio: ele defendia que a validade da missão profética de Muhammad era demonstrável racionalmente, através da complexidade linguística do Alcorão, dos valores éticos e morais do Islã e de seus benefícios à saúde física e mental dos seres humanos.

Al-Jahiz também escreveu sobre política, retórica, história e sobre raças. Em sua obra Risalat Fakhr al-Sudan’’, “’A Epístola da Glória dos Pretos”, há um diálogo fictício entre um negro e um branco, onde ele aponta que os negros possuem sua própria cultura e forma de fazer a retórica, além de contar as glórias de outros negros na formação do Islã, como Bilal al-Habashi e Mihjaa' ibn Saleh, primeiro mártir da batalha da emblemática Batalha de Badr. 

Na Epístola da Glória dos Pretos ele escreve:

“Todos concordam que não há pessoas na terra nas quais a magnanimidade seja tão universalmente desenvolvida quanto nos negros. Essas pessoas têm um talento natural para dançar ao ritmo do tamborim, sem a necessidade de aprender. Não existem melhores cantores em qualquer parte do mundo, nem pessoas mais polidas e eloqüentes, nem menos dadas a linguagem insultuosa. Nenhuma outra nação pode superá-los em força corporal e resistência física. Um deles levantará blocos enormes e carregará cargas pesadas que estariam além da força da maioria dos beduínos ou membros de outras raças. São corajosos, enérgicos e generosos, que são as virtudes da nobreza, e também de temperamento bom e com pouca propensão para o mal. Estão sempre alegres, sorridentes e desprovidos de malícia, o que é um sinal da nobreza de caráter.”

Ele também relata as glórias e características culturais típicas do Sudão, descreve seus instrumentos musicais e danças e também faz elogios aos indianos, que considerava de tez semelhante aos negros. Nesta obra, vemos sua admiração pela cultura indiana e o apreço que não só ele, mas que o mundo árabe no geral, nutria pela ciência e cultura do mundo todo, o que explica a multiculturalidade do cenário onde al-Jahiz produziu sua vida intelectual. Nesta obra, ele diz sobre a Índia (AL-JAHIZ, 2006):

“Conforme dito anteriormente, os indianos são grandes astrônomos e matemáticos e possuem sistema numérico próprio. Também são médicos habilidosos e capazes de curar muitas doenças. Domam os tambores e a cítara como ninguém, também criaram o xadrez e outros jogos de estratégia e habilidade [...] Também possuem vários tipos de alfabetos e escritas, capazes de transliterar com satisfação quaisquer idiomas. São versados em literatura e nos deram o Pancharatra.”

É no fim da citação que vemos o profundo conhecimento que al-Jahiz possuía: a literatura indiana de Pancharatra é bem específica e pouco conhecida mesmo nos dias de hoje. Sua menção às escritas indianas como adaptáveis para transliteração também demonstram conhecimento avançado para a época: apenas no século XIX os acadêmicos ocidentais conseguiram perceber que as variantes das escritas brahmi e devanagari, por serem silabais, são adequadas para padrões fonéticos de outros idiomas. Assim, notamos que seu interesse em outros povos e culturas era bem especializado e amplo, pois suas descrições sobre a Índia, o Sudão, os povos turcos e tantos outros, que são fartamente presentes em suas obras, são sempre anotações científicas minuciosas.


Prolífico escritor, al-Jahiz não se manteve apenas nas Ciências Naturais: ele também escreveu sobre diversos temas como Teologia e Religião Comparada.

Seu pensamento e influência não ficaram apenas no mundo islâmico: sua obra “Sobre os Animais” foi traduzida ainda na Idade Média pelo bispo Michael Scott (1175 - 1232), que no latim ganhou o título “De Animalibus”.

E este é um dado muito importante: o bispo Michael Scott é tido como um dos responsáveis pelo renascimento do conhecimento científico no Ocidente, também é chamado por muitos como “pai da Alquimia”. Scott, antes de qualquer coisa, era um arabista e defensor do renascimento científico.

Arabistas como o próprio Scott e o abade Robert de Chester foram fundamentais para o surgimento da Renascença e pelo desenvolvimento das ciências no Ocidente. Entretanto, sem os árabes, a renascença seria impossível: não foi por acaso que o cientista Jabir ibn Hayyan, conhecido como Geber, foi transformado por Robert de Chester em um ‘Hermes Trismegisto’ de Bagdá. O mundo abássida não era só uma fonte de textos gregos preservados apenas pelos árabes como num pendrive histórico, mas também um ideal de mundo a se buscar e onde o conhecimento clássico era expandido. Quando Scott publica sua versão de ‘Sobre os Animais’, há algo muito além da tradução – foi, na verdade, um importante passo o Ocidente descobrir o método científico através de figuras como al-Jahiz, tão fundamental no desenvolvimento da alquimia laboratorial dos séculos seguintes. A nossa ‘’química’’ moderna perdeu na nomenclatura apenas o ‘’al’’ árabe, mas ela começou como alquimia.

Uma vida repleta de produção, interação e admiração dos poderosos, ainda que muitas vezes a sua língua afiada não os poupasse em suas sátiras. Seu fim foi pitoresco: por volta de seus 96 anos e paralítico, sofrendo de reumatismo, acabou esmagado por uma estante de livros que desabou. Não há informações se foi casado ou se deixou herdeiros.

Seu legado de dedicação à vida intelectual, sua curiosidade e o vasto campo do conhecimento que buscou dominar deixaram um legado importante no Oriente e no Ocidente. Certamente, é mais uma importante figura precursora dos árabes que jamais poderemos esquecer.

BIBLIOGRAFIA

  • SCOT, Michael. O Livro dos Princípios, tradução e ensaios de Rafael Resende Daher, p. 32, Mubarak Editorial, 2020.
  • Miller, Jeannie. al-Jahiz’s Book of Animals: The transcendent value of disgust, Muslim Heritage.
  • AL-JAHIZ, البُخلاء (Al-Bukhala, “A Avareza”); Foulabook, 2005.
  • AL-JAHIZ, فَخْر السُودان على البيضان (Fakhr Al-Sudan Ala Al-Biḍan, “O Orgulho dos Sudaneses sobre os Brancos”), Ed. Kitab Maktub Al-arabia, 2006.
  • L-JAHIZ, كتاب الحيوان (Kitab Al-Hayuan, “O Livro dos Animais”), Ed. Foulabook, 2018.
  • VURAL, Dr. Mehmet. Câhiz Ve Biyolojik Evrimciliğin Doğuşu, Al-Jahiz e o Nascimento do Evolucionismo Biológico, Ed. Kelam.
  • LUCRÉCIO, De Rerum Natura, tomo 1, Liverpool University Press, 2007.