Primeira esposa do Profeta Muhammad, Khadijah bint Khuwaylid estava entre os mercantes mais ricos de Meca, conseguindo figurar nessa posição mesmo sendo uma mulher, algo praticamente impossível na sociedade pré-islâmica1.

Khadijah, nascida no ano 555 d.C., era filha de Khuwaylid ibn Asad, do clã de Asad, que por sua vez também era um mercador. Existem narrações de que o pai de Khadijah possa ter morrido nas “Guerras Sacrílegas” que ocorreram por volta de 585, entretanto, segundo outras fontes o mesmo estaria vivo quando Khadijah se casaria com o Profeta dez anos mais tarde.

Sua mãe era Fatima bint Zaidah, que morreu em 575, sendo membra do clã Amir ibn Luayy dentro da tribo dos Coraixitas, sendo prima em terceiro grau da mãe de Muhammad. Além disso, Khadijah era prima de Waraqah, o hanif, e de sua irmã Qutaylah.

Khadijah era mais velha que Muhammad, já havendo se casado duas vezes com nobres árabes: Abu Halah ibn Zurarah ibn al-Nabbash al-Tamimi, com quem teve dois filhos, Hind e Halah; e Atiq ibn Aid ibn Umar ibn Makhzum, com quem ela teve Hind bint Atiq.

O historiador Ibn Sad (784-845) disse o seguinte sobre os filhos de Khadijah antes de seu casamento com Muhammad:

Khadijah (que Deus esteja satisfeito com ela) gerou para Abu Halah um filho chamado Hind e outro chamado Halah. Então, depois de Abu Halah, Atiq ibn Abid ibn Abdullah ibn Umar ibn Makhzum se casou com ela. Para ele, ela teve uma filha também chamada Hind, que mais tarde se casou com Sayfiyy ibn Umayyah ibn Abid ibn Abdullah ibn Umar ibn Makhzum, seu primo, de quem ela teve um filho chamado Muhammad. Os descendentes deste Muhammad são chamados de Banu al-Fahirah (Clã da Mulher Pura) devido ao status de Khadijah (que Deus esteja satisfeito com ela). Eles tinham remanescentes em Medina, mas posteriormente morreram. Khadijah (que Deus esteja satisfeito com ela) era conhecida como Umm Hind [Mãe de Hind].

Desde a morte do segundo marido, era seu costume contratar homens para negociar em seu nome. Durante esse período, o Profeta passou a ser conhecido em Meca como al-Arnin, que significa “o Confiável” ou “o Honesto”, e isso inicialmente se devia aos relatos daqueles que haviam confiado suas mercadorias a ele em várias ocasiões. Khadijah também tinha ouvido falar muito bem dele de fontes familiares; e um dia ela mandou uma mensagem à Muhammad, pedindo-lhe que levasse algumas de suas mercadorias para a Síria. Seu pagamento seria o dobro do mais alto que ela já pagou a um homem coraixita; além disso, Khadija hofereceu-lhe para a viagem os serviços de um rapaz chamado Maysarah. Ele aceitou o que ela propôs e acompanhado com Maysarah partiu com suas mercadorias para o norte (LINGS, 2006).

Durante essa viagem, Muhammad se depararia com um monge chamado Nestor, que ao ver o mercador mequense sentado embaixo de uma árvore o iria reconhecer imediatamente como sendo um profeta, algo que ficou marcado na mente de Maysarah. Entretanto, apesar dos dizeres incomuns por parte do monge Nestor, isso ainda não era algo surpreendente para Maysarah que sabia que estava na presença de um homem incomum, sendo que esse relato de Nestor confirmaria mais tarde algo que ele veria no caminho para casa: Maysarah observara que o calor estava estranhamente fraco para os padrões do deserto, até que um dia perto do meio-dia ele conseguiu ver brevemente a imagem de dois anjos protegendo Muhammad dos raios solares.

Ao chegarem de volta em Meca, Muhammad relataria o sucesso de sua viagem para Khadijah, que prestava mais atenção no narrador do que no que ele tinha a narrar. Nessa altura Muhammad tinha 25 anos, enquanto Khadijah já tinha 402. Entretanto, justamente por conta da idade, Khadijah se indagava se um casamento com Muhammad poderia ou não ocorrer.

Assim que ele foi embora, Khadijah consultou uma amiga dela chamada Nufaysah, que se ofereceu para abordar o Profeta em seu nome e, se possível, arranjar um casamento entre eles. Maysarah foi até sua senhora e contou a ela sobre os dois anjos e o que o monge Nestor havia dito, então ela foi até seu primo Waraqah, o hanif e repetiu essas coisas para ele. Então Khadijah disse: “Se isso for verdade, então Muhammad é o profeta de nosso povo. Há muito tempo eu sei que um profeta é esperado, e sua hora chegou.”

Enquanto isso, Nufaysah falava com Muhammad, perguntando ao Profeta o motivo pelo qual não havia se casado, que respondeu que não tinha os meios necessários para que pudesse se casar (LINGS, 2006). Então Nufaysah perguntou se caso ele tivesse a oportunidade de se casar, se ele se casaria, o que resultou em uma resposta positiva por parte do Profeta ao saber que Nufaysah se referia à Khadijah.

Após isso, Nufaysah voltou com a notícia para sua senhora, Khadijah, que chamaria Muhammad para ir conversar com ela, dizendo ao Profeta:

Filho do meu tio, eu te amo por sua afinidade comigo, e por isso você está sempre no centro, não sendo um partidário entre o povo por isto ou por aquilo; e eu te amo por sua confiabilidade, pela beleza de seu caráter e pela veracidade de suas palavras.

Após isso, Khadijah ofereceu sua mão à Muhammad, e ambos concordaram em falar com a família de cada para consumar o casamento. Assim, Muhammad pagaria 20 camelas como dote para Khadijah, consumando o matrimônio dos dois.

Filhos com o Profeta

Muhammad e Khadijah tiveram 6 ou 8 filhos, a depender da narrativa3, sendo eles:

  • Qasim, que morreu pouco após completar três anos;
  • Zaynab;
  • Ruqayyah;
  • Umm Kulthum;
  • Fatima;
  • Abd-Allah, conhecido também como at-Tayyib (“o Bom”) e at-Tahir (“o Puro”), uma vez que nasceu depois de Muhammad ter sido clamado como profeta pelo anjo Gabriel (Jibreel).

Além dos filhos do casal, outras duas crianças viviam na casa de Khadijah: Ali ibn Abi Talib, filho do tio de Muhammad, e Zayd ibn Harithah, um menino da tribo de Udhra, sequestrado e vendido como escravo que foi resgato pelo Profeta.

Zayd foi escravo da casa de Khadijah por vários anos, até que seu pai veio a Meca para levá-lo para casa. Muhammad insistiu que Zayd pudesse escolher onde morar, e acabou por decidir permanecer onde estava com o Profeta e Khadijah, e após isso Muhammad legalmente adotou Zayd como seu próprio filho.

A Primeira Muçulmana

Quando Muhammad recebeu sua primeira revelação, a primeira pessoa a quem ele contou foi sua esposa Khadijah, que desde o primeiro minuto acreditou no relato do Profeta e esteve com ele durante seus momentos de crise, dúvidas e incertezas, se demonstrando fiel ao profeta de Allah até seu último suspiro nessa vida.

Depois de sua experiência na caverna de Hira, Muhammad voltou para sua casa em estado de terror, implorando para Khadijah o cobrisse com um cobertor. Depois de se acalmar, descreveu o encontro para sua esposa, que o confortou com as palavras de que Allah certamente o protegeria de qualquer perigo e nunca permitiria que ninguém o fizesse mal, pois ele era um homem de paz e reconciliação e sempre estendeu a mão de amizade a todos, assim como afirmou quando se casou com Muhammad.

De acordo com algumas fontes, foi o primo de Khadijah, Waraqah ibn Nawfal, o hanif, quem confirmou a missão profética de Muhammad logo em seguida após ser informado da Revelação do Anjo.

O apoio de Khadijah foi fundamental para a missão do Profeta, uma vez que foi ela quem o confortou nos momentos mais difíceis, defendendo-o das difamações e injúrias que tanto sofria dos coraixitas. Não somente, mas de fato acreditou na Profecia de Muhammad, encorajando-o em sua missão e no desenvolvimento do Islã.

Indo mais além, Khadijah usou de suas riquezas para ajudar seu marido, principalmente nos momentos em que os coraixitas tentavam de toda maneira boicotar sua Missão, pagando assim pelo resgate dos muçulmanos aprisionados pelos líderes da tribo e também libertando escravos muçulmanos que eram oprimidos pelos seus mestres simplesmente por terem abraçado o Islã.

Em 616, os coraixitas declararam um boicote comercial contra o clã Hashim. Os pagãos atacaram, prenderam e espancaram os muçulmanos, que às vezes ficavam dias sem comer ou beber. Entretanto, apesar de todas as dificuldades e ameaças, Khadijah continuou ajudando a manter a comunidade até que o boicote fosse levantado no final de 619 (ou início de 620).

Porém, o ano de 619 seria um ano obscuro para Muhammad, que perderia sua fiel esposa e também seu tio Abu Talib. Esse ano ficou conhecido como “O Ano da Tristeza”.

Khadijah foi fiel do princípio ao fim com o Profeta, sendo a primeira a confiar em sua mensagem, um verdadeiro exemplo de esposa, amiga, companheira e muçulmana desde o primeiro dia do Islã até o presente. Sem ela a mensagem do Islã jamais poderia se espalhar pelo mundo, uma vez que teria parado ali mesmo na cidade de Meca, até então dominada pelos coraixitas que tanto ofenderam e atacaram Muhammad e a religião islâmica. Após isso, o Profeta teve de enfrentar momentos difíceis em sua vida, porém sempre com Khadijah em sua memória, sofrendo pela sua partida, mas lembrando sempre da mulher que foi e que nunca o deixou desistir de sua Missão.

É narrado que Khadijah tinha cerca de 65 anos na época de sua morte. Ela foi enterrada no cemitério de Jannat al-Mualla em Meca, na atual Arábia Saudita.

NOTAS

[1] O período pré-islâmico era chamado de Jahiliyyah, ou “ignorância”. Após o advento do Islã, as mulheres passaram a ter muitos direitos que até então não possuíam antes da religião islâmica surgir.

[2] Existem teorias de que Khadijah na verdade tinha 28 anos quando se casou com o profeta Muhammad. Algumas narrativas atribuem 30 ou 35 anos de idade à época, entretanto a discussão está centrada em 28 ou 40 anos.

[3] Exemplo das discordâncias entre o número de filhos podem ser encontradas em duas obras populares, principalmente entre estudiosos no Ocidente: Al-Tabari e Ibn Ishaq. O primeiro falava em 8 filhos. Já Ibn Ishaq, autor de uma das primeiras biografias do Profeta falava em 7, enquanto a maioria das fontes falam em 6.

BIBLIOGRAFIA

YAMANI, Ahmed Zaki. The Mother of the Faithful Khadijah bint Khuwaylid. Al-Furqan. 2014.

LINGS, Martin. Muhammad. His life based on the earliest sources. Inner Traditions International. 2006.

AL-JIBOURI, Yasin T. Khadijah, Daughter of Khuwaylid, Wife of Prophet Muhammad. Ahlul Bayt Digital Islamic Library Project. 2017.

WATT, Montgomery W. (2012). “Khadija”. In P. Bearman; et al. (eds.). Encyclopaedia of Islam.

EL-KADI, Ahmed. The Prophet’s (pbuh) marriage to Khadijah. Jannah.