Muhammad bin Qasim al-Thaqafi (695-715), chamado também de Imad ad-Din, foi um grande comandante militar do Califado Omíada durante o reinado de Al-Walid Abd al-Malik (r. 705-715), o sexto califa omíada.Nascido em 695 no Hejaz (Arábia Ocidental) na cidade de Taif, oriundo da tribo de Thaqif, Muhammad viria a ser um dos grandes comandantes e conquistadores dos primeiros séculos da religião islâmica e de toda sua história.

A tribo de Thaqif havia abraçado o Islã por volta do ano 630 AD e posteriormente vieram a atingir cargos militares e administrativos cada vez mais altos no nascente Califado Rashidun, desempenhando um papel importante no comando e na economia dos governos islâmicos durante (e após) as primeiras conquistas muçulmanas, principalmente no Iraque.

Antes mesmo de Muhammad bin Qasim nascer, sua tribo já desempenharia um papel importante nas conquistas islâmicas no subcontinente Indiano, exemplo disso é que o governante thaqif do Bahrein, Uthman ibn Abi al-As despacharia algumas expedições navais contra os portos indianos de Debal, Thane e Bharuch.

Com o surgimento do Califado Omíada em 661, a influência e o prestígio dos Thaqif passaram a ser cada vez mais crescentes, e Muhammad nasceria no seio dos Banu Awf, um dos dois principais ramos dos Thaqif, na família Abu Aqil. Essa família ganharia prestígio principalmente com a ascensão de al-Hajjaj ibn Yusuf, primo do pai de Muhammad, al-Qasim ibn Muhammad ibn al-Hakam.

Al-Hajjaj se tornaria comandante do exército do Califa Omíada Abd al-Malik (r. 685-705), predecessor de al-Walid.

Infelizmente poucas são as informações em fontes árabes sobre a infância e juventude de Bin Qasim, porém historiadores modernos afirmam que o mesmo cresceu inicialmente em Taif e logo após se mudou para Basra e posteriormente para Wasit, capital essa da província do Iraque e fundada por ninguém menos que seu influente parente, al-Hajjaj. Posteriormente em 692, Hajjaj mataria o chefe rival dos Omíadas, Abd Allah ibn al-Zubayr, sendo nomeado como o vice-rei do Iraque e a parte Oriental do Califado, aumentando ainda mais o seu já elevado prestígio e influência.

Por conta disso e sem esquecer de suas origens, al-Hajjaj passou a nomear membros dos Thaqif para cargos importantes no Iraque e suas dependências, sendo que o pai de Muhammad bin Qasim foi nomeado em um cargo em Basra que ficava atrás somente do de governante do local.

Muhammad era um “menino de ouro”, descrito como “o Thaqif mais nobre de seu tempo“. É dito que recebeu um cargo de comando elevado quando tinha somente 17 anos e provou ser um comandante eficiente e um governador sábio e tolerante (KENNEDY, 2007).

Carreira Militar

A primeira missão de Muhammad foi na província de Fars, localizada no Irã moderno, onde foi ordenado a subjugar um grupo de curdos. Bem-sucedido em sua empreitada, foi nomeado governador de Fars, provavelmente sendo o sucessor de seu tio Muhammad ibn Yusuf al-Thaqafi, irmão de al-Hajjaj.

Tempos depois, Muhammad participaria de sua emblemática jornada pelo Sinde, região fronteiriça do Paquistão com a Índia.

Os muçulmanos já haviam tido contato em Sinde antes de bin Qasim, mais especificamente em expedições durante o Califado Rashidun, onde Al-Hakim ibn Jabalah al-Abdi atacaria Makran em 649. Não somente, mas durante o califado do quarto califa do Islã, Ali, sobrinho do Profeta, muitos estiveram sob a influência do Islã. Quase 10 anos depois de ibn Jabalah, Harith ibn Murrah al-Abdi e Sayfi ibn Fasayl al-Shaybani, ambos oficiais do exército de Ali, atacariam novamente Makran em 658.

Durante o período Omíada, Sinde era uma importante região fronteiriça, habitada principalmente por povos nômades. Além disso, nessa época existia um grupo étnico chamado Meds, que praticavam a pirataria na região, atacando os navios do Império Sassânida, que passaram a ter como alvo os navios árabes também. Por conta desse interesse, um navio com mulheres muçulmanas foi capturado pelos Meds que fazia a rota do Sri Lanka até a Arábia, isso durante o governo de al-Hajjaj.

Uma das mulheres, em sua aflição, teria invocado o nome de Hajjaj e, quando soube do ataque, ele decidiu agir. Ele escreveu primeiro a Dahir, o rei, ordenando-lhe que as libertasse, mas o rei respondeu que não tinha controle sobre os piratas que os haviam capturado e não podia ajudar. Hajjaj então enviou duas pequenas expedições, mas em ambos os casos eles foram derrotados e os líderes mortos. Ele então decidiu por uma campanha em larga escala.

Diante dessa situação complicada e que existia medidas drásticas, tomou como seu líder seu jovem parente Muhammad bin Qasim, cuja carreira breve e meteórica deixou uma lembrança duradoura tanto no Sinde quanto nas terras islâmicas centrais. Hajjaj ordenou que ele reunisse um exército na recém-fundada cidade de Shiraz, no sudoeste do Irã; 6.000 soldados profissionais da Síria foram enviados para formar o núcleo do exército e ele enviou todo o equipamento de que precisava. Quando tudo estava pronto, eles partiram para a longa rota terrestre através do sul do Irã e depois para Makran, tomando a cidade de Fannazbur no caminho. Enquanto isso, navios foram enviados com homens, armas e suprimentos (KENNEDY, 2007).

Durante a expedição, Bin Qasim e al-Hajjaj mantiveram contato através de mensageiros especiais entre o Sinde e Basra, informando assim al-Hajjaj que estava em Kufa, no Iraque.

Quando Muhammad bin Qasim já estava na fronteira com o Sinde, recebeu apoio de mais 6 mil soldados montados em camelos e eventualmente capturaram Sinde, tendo de passar antes pelo deserto de Makran e conquistar novamente as cidades de Fannazbur e Lasbela que anteriormente já haviam sido conquistadas pelos árabes-muçulmanos.

A primeira cidade que recebeu as investidas de Muhammad foi Debal, próximo da moderna Karachi no Paquistão, e em sequência vieram as cidades de Nerun e Sadusan (modernas Hyderabad e Sehwan respectivamente), tendo as duas últimas sido conquistadas sem confrontos militares, diferentes de Debal que ofereceu resistência aos ataques de Muhammad e seu exército.

Apesar dessas conquistas terem sido relativamente fáceis para um talentoso comandante feito bin Qasim com seu significativo exército, as tropas do rei Dahir no outro lado do Rio Indo ainda não haviam sido enfrentadas. Diante disso, Muhammad retornaria para Nerun para reabastecer seu exército e receber novos apoios de al-Hajjaj. Após isso, enquanto Muhammad estava acampado próximo ao Indo, enviou emissários para negociar com os Jats1 e com barqueiros locais para auxiliar no transporte de suas tropas, entrando em contato inclusive com o rei da Ilha de Bet (Índia), Mokah Basayh, conseguindo seu apoio e assim atravessando com sucesso o Rio Indo, o mais longo rio paquistanês.

Quando Muhammad chegou até a cidade de Rohri, enfrentou as tropas de Dahir e alguns Jats a ele aliados. Como desfecho, Dahir acabou morrendo em batalha e seu exército foi consequentemente derrotado, porém artesãos e fazendeiros foram poupados. Assim, Sinde seria controlada agora por Muhammad bin Qasim.

Parte do sucesso da conquista islâmica no Sinde se deve à leniência dos budistas e dos dalits (casta mais baixa no Hinduísmo), que receberam de braços abertos os conquistadores islâmicos, que viam o governo do marajá Chach e seus aliados como ilegítimos que haviam usurpado o poder da Dinastia Rai, sendo também grandemente oprimidos pelos governos dos Brâmanes.

Após essa grande vitória de Muhammad, outras capitais provincianas como Brahmanabad, Alor e Multan seriam conquistadas também com êxito juntamente com as cidades próximas, todas com poucas baixas do lado muçulmano, demonstrando serem outras conquistas fáceis para bin Qasim.

Durante as conquistas Árabes, o objetivo era geralmente conquistar os locais com o menor número de baixas e casualidades possível, procurando preservar a infraestrutura e economia locais. Por conta disso, às cidades normalmente era oferecida a opção de rendição, e a captura de muitas foi inclusive através de acordos com algum grupo local e a garantia de privilégios especiais caso a rendição fosse obtida com êxito.

Desta feita, quando a conquista das cidades era realizada de maneira com o menor número de casualidades possíveis e através de acordos (sulh), os conquistadores costumavam tratar com misericórdia e compaixão os conquistados, porém quando ofereciam grande resistência e consequentemente ocasionavam a morte de muitos muçulmanos, havia represália por parte de um exército contra o outro após a efetiva conquista da cidade alvo. Cidades como Rawar, Brahmanabad, Multan e Iskalandah ofereceram grande resistência aos conquistadores muçulmanos, porém outras cidades como Armabil, Nirun e Aror foram conquistadas através dos já mencionados sulh, isto é, uma maneira pacífica e acordada de conquistar território, que demonstrou ser a maneira predileta e mais usada por Muhammad bin Qasim em suas conquistas pelo Sinde.

Após a conquista desses locais, Muhammad conseguiu implementar a lei e a ordem nos territórios conquistados, demonstrando uma grande tolerância com os habitantes locais e seu credo, assim como incorporou as antigas classes governantes (Brâmanes e Sramanas) em sua administração. Muhammad apostaria em uma política conciliatória para governar as novas terras conquistadas, pedindo pela aceitação dos povos nativos ao governo muçulmano, prometendo assim manter a religiosidade local devidamente preservada enquanto os nativos pagassem suas taxas e cumprissem com suas obrigações. Dessa maneira, o novo Estado muçulmano do Sinde protegeria os não-muçulmanos de eventuais ataques, poupando-os de se alistarem no exército para defender as cidades.

Apesar de o novo território ser governado pela shariah (lei islâmica), as comunidades Hindus ainda mantinham suas independências locais e foram possibilitados de resolver suas disputas de acordo com os ditames de sua própria fé, assim como foi outorgado a cristãos e judeus em outros momentos da história islâmica, mantendo também suas tradicionais instituições hierárquicas e de chefia. Porém, não haviam somente Hindus dentre os não-muçulmanos, mas também budistas, que assim como os hindus foram incorporados e incluídos na nova administração e respeitados caso cumprissem suas obrigações legais2.

A propagação do Islã nessas regiões levou séculos, isso mesmo com grande proselitismo no local, devido principalmente às condições e dinâmicas sociais de Sinde à época da conquista islâmica. A maior parte da população manteve sua religião, pagando assim taxas ao governo muçulmano, o que em questões de Estado eram mais convenientes, pois era um recurso a mais para os cofres do governo, melhor para um líder de um poder secular do que uma eventual conversão ao Islã, motivo pelo qual conversões forçadas foram raras ou quase que inexistentes em dados momentos da história da expansão dos Estados islâmicos.

Em 714 morreria al-Hajjaj, e o novo governante, Suleiman ibn Abd al-Malik, sucessor do califa al-Walid I, prenderia Muhammad bin Qasim e se vingaria dos apoiadores de al-Hajjaj. Conforme o relato de Chach Nama, um manuscrito escrito em persa no século XIII sobre as conquistas de bin Qasim do século VIII, relata que Muhammad foi morto devido às falsas acusações de estupro que as filhas de Dahir fizeram contra ele, sendo embrulhado em peles de boi e transportado para a Síria, morrendo sufocado no meio do caminho.

Apesar desse fim trágico, sua carreira ascendente e meteórica chama a atenção pela sua competência militar e pela característica tolerância que muitas vezes forneceu aos povos conquistados, muito embora fizessem parte de outras religiões que não eram as tradicionais abraâmicas, o cristianismo e o judaísmo.

NOTAS

[1] Comunidade essencialmente agrária do Norte da Índia e Paquistão.

[2] Um Hindu chegou até o segundo posto mais alto da administração pública, e membros do antigo governo de Dahir também encontraram espaço na nova governança.

BIBLIOGRAFIA

KENNEDY, Hugh. The Great Arab Conquests. Da Capo Press. 2007.

KEAY, John. India: A History. Harper Press. 2010.

MACLEAN, Derryl N. Religion and Society in Arab Sind. 1989.

SCHIMMEL, Annemarie, Islam in the Indian Subcontinent. Brill Academic Publishers. 1980.

LANE-POOLE, Stanley. Medieval India Under Mohammedan Rule (712-1764). S. Gupta. 1970