Estava me aquecendo quando vi meu treinador debater ferozmente com o árbitro pelo canto do olho. Meu treinador estava com um olhar de derrota e, de repente, me chamou. Ele me disse que o árbitro não me deixaria jogar, apenas se retirasse meu hijab. O árbitro me deu duas opções: me desvelar ou ser expulsa do jogo de basquete. Eu só tinha doze anos. Minha garganta se apertou em descrença e lágrimas brotavam de meus olhos. Fui para o banheiro e tirei meu véu. Olhei para o tecido em minhas mãos. Algo que considerava como uma coroa sobre minha cabeça foi transformado num laço em volta do meu pescoço. Ainda me lembro das palavras da minha mãe naquele dia, “Este véu faz de ti a porta-bandeiras do Islam. Segure-nos bem alto”. Foi um passo de desafio quando voltei àquela quadra com meu lenço bem enrolado na cabeça, enquanto me sentava no banco e observava a vaga de titular pela qual trabalhei durante toda a temporada ser ocupada por outra pessoa. 

Um passo de desafio contra o que? Um homem? Um homem islamofóbico? Não. Um desafio contra o feminismo ocidental. Uma ideologia imperialista que levou ao policiamento, assédio e perda de agência de milhares de mulheres muçulmanas. Minha história não é um acaso, mas uma história entre milhões de mulheres muçulmanas. Dois meses atrás, em 4 de outubro de 2021, uma menina de sete anos teve seu hijab removido de sua cabeça por sua professora em New Jersey, dizendo “que seu cabelo era lindo e que não precisava mais de usar o hijab na escola”. 

Aisha, que era estudant eem Mantes-la-Jolie, na França, viu-se perante um conselho disciplinar porque se recusou a tirar o hijab. Ela era obrigada a ir à escola todas as semanas, onde era detida à força e não podia frequentar as aulas com seu hijab, conviver com outras crianças ou comer com outras pessoas. Ela afirmou que se sentiu violada pela ordem de se desvelar e teve de perder sua oportunidade de estudar. 

Noura, uma pesquisadora universitária e mãe de três em Paris, era uma voluntária ativa na escola de seu filho e quis ajudar na excursão escolar de seu filho de oito anos. No dia em que chegou para ajudar com a viagem, a diretora ficou furiosa e disse que ela precisava ir embora, dizendo: “Você precisa entender, estamos em uma república... Se você não gosta disso, vá para casa.” Noura pediu uma carta explicando por que ela estava sendo convidada a se retirar. A diretora, então, chamou a polícia (ela presumiu que a diretora disse à polícia que ela estava a ameaçando). Vários policiais vieram e exigiram que Noura fosse embora. Noura começou a chorar e se sentiu profundamente humilhada. Todos os professores, estudantes e pais voluntários testemunharam sua humilhação, incluindo seu filho. Uma das mães disse-lhe para colocar um chapéu e parar de “fazer um show” e “traumatizar” os estudantes. É fundamental salientar que recai sobre as mulheres muçulmanas a responsabilidade de apaziguar os outros, mesmo quando estão sendo ativamente assediadas e discriminadas. É dito às mulheres muçulmanas que elas são oprimidas, são forçadas a se desvelar e são tidas como responsáveis por qualquer disrupção institucional que a islamofobia cria. Depois, Noura foi para vários grupos de direitos humanos para apresentar queixas, mas todo se recusaram a defendê-la. Seu filho ficou tão abalado com a experiência que não quis mais frequentar a escola. 

Para você, estas podem ser apenas histórias, mas para nós, estas histórias são nossas vidas. Imagine o trauma. Imagine ser o filho de oito anos de Noura e testemunhar sua mãe ser assediada e forçada a tirar seu hijab. Imagine ter sua educação negada por causa de seu hijab, como aconteceu com Aisha. Imagine ser uma menina de sete anos e sua professora arrancar roupas de parte do seu corpo que você desejaria manter cobertas. Imagine não poder fazer um esporte que ama. 

Então, o que o feminismo branco faz por nós? Este movimento “empoderador” que tenta “libertar” as mulheres muçulmanas? Ele tira nossa agência. Ele nos nega as oportunidades de funcioonar como mães, atletas e estudantes. Ele coloca medo em nossos corações ao andarmos pelas ruas. Ele transforma toda interação num campo de batalha por nossa identidade. Escolha entre ser uma atleta ou praticar sua religião; escolha entre se educar ou praticar sua religião; escolha entre ser uma boa mãe ou praticar sua religião. 

Lembro-me da primeira vez que decidi usar o hijab. Nenhuma mulher na minha família, além de minha avó, usava o hijab. Nenhuma de minhas tias ou primas o usavam também. Eu era a primeira. Eu só tinha dez anos quando disse aos meus pais que gostaria de começar a usá-lo e eles ficaram extremamente preocupados. Eles se sentaram comigo e tentaram me convencer a não o usar. Era 2008, apenas sete anos após o 11 de Setembro e os crimes anti-muçulmanos eram prevalentes onde vivia. Tínhamos recebido cartas e parafernália da Ku Klux Klan (KKK) advogando pelo assassinato de “bárbaros muçulmanos”. O medo dos meus pais era caracterizado pelo clima em que estava inserida e por instintos paternos de me manter segura. Mas, para mim, o meu hijab era um símbolo de resistência. Era algo em que podia me agarrar enquanto navegava pelas pressões do imperialismo cultural e da islamofobia. 

A vestimenta da mulher muçulmana era um alvo particular dos islamofóbicos dada a facilidade de identificar a mulher muçulmana. Há, dificilmente, alguém que se vista como nós (além de freiras, que são facilmente identificadas como cristãs e estão, portanto, seguras). Isto faz com que a cobertura da mulher muçulmana seja um símbolo de resistência e autenticidade. Quando meus pais se sentaram comigo naquele dia, este era um dos casos em que a islamofobia e o feminismo branco desempenhavam um papel em tentar remover minha agência. 

O feminismo branco argumenta que o hijab oprime as mulheres muçulmanas e que nós, de alguma forma, precisamos de sua liberdade. Quando, na realidade, esta narrativa cria dinâmicas e políticas sociais que ativamente tomam nosso direito de existir com agência. O feminismo ocidental é um movimento que afirma proteger, elevar e lutar por nós enquanto, na verdade, nos subjuga ainda mais. 

DESVELAR A MULHER MUÇULMANA: UM PROJETO COLONIAL 

O projeto colonial se centra no corpo das mulheres muçulmanas e usa ela e sua narrativa para obter controle injustificado de um povo. Como Attiya Latif diz: 

“Para estabelecer um efetivo empreendimento colonial, os colonizadores precisam valizar que sua relação com o povo que desejam ocupar é uma de poder justificado sobre subserviência justificada. Para validar este desequilíbrio construído, os colonizadores se voltaram à invenção do Oriente – a noção de um outro oriental completamente diferente, bárbaro e inferior ao Ocidente”. 

Leila Ahmed explica (no livro Women and Gender in Islam) o uso das mulheres de cor no projeto colonial como: 

“A ideia de outros homens, homens em sociedades colonizadas ou sociedades além das fronteiras do Ocidente Civilizado, oprimiam mulheres precisava ser usado, na retórica do colonialismo, para tornar moralmente justificado o seu projeto de minar ou erradicar as culturas dos povos colonizados”. 

Ao criar a narrativa da mulher muçulmana indefesa e necessitada, os colonizadores podiam justificar seu violento projeto imperialista através de um propósito aparentemente moral. Ahmed explica que o feminismo colonial é o feminismo “usado contra outras culturas, a serviço do colonialismo”. Ela afirma que foi “moldado numa variedade de construtos similares, cada um adaptado para se adequar à subcultura que era alvo imediato da dominação”. O desvelamento do corpo da mulher muçulmana foi usado para justificar a dominação e, depois, usado como uma referência para o sucesso do projeto colonial. 

Em “Sociologia de uma Revolução”, Frantz Fanon enfatiza a psicologia da colonização. Ao discutir o projeto colonial francês na Argélia, ele argumenta que o colonialismo não é apenas uma batalha física pela terra, mas uma batalha psicológica. E, no centro dessa batalha estão as mulheres muçulmanas. Destruir a cobertura das mulheres muçulmanas era uma parte fundamental da batalha imperialista e colonial na Argélia e permanece sendo um método de dominação hoje em dia. Ista era uma doutrina política calculada baseada na pesquisa de distintos sociólogos e etnólogos. Se os colonizadores franceses queriam avançar com seu projeto imperialista, de destruir a estrutura da sociedade argelina e sua capacidade de resistência, eles precisariam de mirar nas mulheres muçulmanas e, especialmente, em seus véus. 

Isto foi baseado numa análise dos colonizadores que perceberam a importância, poder e status das mulheres muçulmanas. “Sob o padrão patrilinear da sociedade argelina, os especialistas descreveram uma essência matrilinear... Por trás do patriarcado visível, manifesto, afirmava-se a existência mais significativa de um matriarcado básico.” Esta análise da sociedade argelina criou o quadro desta doutrina política. São as mulheres, na maioria dos países muçulmanos, que personificam o poder e a cultura da comunidade. Por exemplo, no Marrocos, a cidadania é conquistada através da linhagem matriarcal. Outro exemplo disto é demonstrado por uma famosa narração sobre quando um homem foi ao Profeta Muhammad e perguntou, “Quem é o mais merecedor de meu bom tratamento?”, o Profeta respondeu, dizendo: “A tua mãe”. O homem perguntou, e depois dela? O Profeta respondeu, novamente, “a tua mãe”. O homem fez a mesma pergunta, e o Profeta respondeu mais uma vez, “a tua mãe”. Finalmente, na quarta vez, o homem repetiu a pergunta e o Profeta respondeu, “o teu pai”. Dada a elevada honra das mulheres, os colonizadores franceses e os imperialistas ocidentais hoje, miram nas mulheres muçulmanas. Mirar as mulheres muçulmanas e exigir que elas adiram às noções ocidentais de vestuário “civilizado” e aos papeis de gênero provou ser uma forma eficaz de os colonizadores desestabilizarem as estruturas fundamentais das sociedades islâmicas. 

A campanha dos colonizadores franceses está inextricavelmente ligada ao feminismo imperialista branco que vemos hoje. O homem argelino foi demonizado, desumanizado e pintado como bárbaro. Grupos de ajuda repletos de mulheres ocidentais surgiram para criar solidariedade e ajudar esta pobre e humilhada mulher. Os colonizadores franceses juraram, heroicamente, defender as mulheres argelinas destes homens “bárbaros” e usaram isto como uma justificativa para a brutal colonização e ocupação da Argélia. No mundo moderno, isto é similar às justificativas do feminismo branco para invadir e ocupar o Afeganistão na chamada “Guerra ao Terror” por anos. A narrativa de que as mulheres afegãs precisavam de salvação pavimentou o caminho para a agenda imperialista dos Estados Unidos. Rana Abdelhamid, uma muçulmana que concorreu ao Congresso estadunidense, escreveu no Twitter/X a respeito da deputada Carolyn Maloney, “Eu tinha 9 anos de idade quando vi minha congressista vestir uma burca no Congresso para justificar a invasão do Afeganistão. Pelo resto de minha vida, soube que sendo uma mulher muçulmana, minha identidade seria transformada em arma para justificar as guerras estadunidenses”. A deputada Mahoney fez esta façanha num esforço para legitimar a ocupação imperialista do Afeganistão e argumentar que o véu e a decisão de uma mulher de se cobrir são inerentemente opressivos. Tão inerentemente opressivos que ela pensou que esta seria uma técnica persuasiva para justificar uma guerra que custaria trilhões de dólares. Novamente, o poder de escolha da mulher muçulmana de se cobrir foi apresentada como uma narrativa de opressão e uisada para justificar uma violência imperialista. 

Os Estados Unidos e outras potências colonizadoras nem países muçulmanos reivindicaram uma posição moral elevada como justificativa para a violenta colonização. No entanto, eles quase sempre fizeram campanha com falsas promessas de ajuda. Esta hipocrisia demonstrou o fato imutável de que seus objetivos nunca foram, verdadeiramente, ajudar as mulheres muçulmanas. Ahmed explica que: 
 
“Mesmo quando o establishment masculino vitoriano concebia teorias para contestar as reivindicações do feminismo, ridicularizando e rejeitando suas ideias, a noção de que os homens oprimiam as mulheres em relação a si mesmo, o establishment capturou a linguagem do feminismo e redirecionou-a, a serviço do colonialismo, em direção a outros homens e culturas de outros homens.” 

 

O emprego de um feminismo seletivo e de políticas de gênero é usado há muito tempo como justificativa para as ocupações, enquanto, ao mesmo tempo; 

1) Eles trabalham contra as causas feministas na sua própria casa 

2) Criavam barreiras aos direitos das muçulmanas nas terras islâmicas que eram ocupadas. 

Por exemplo, durante a ocupação britânica em 1882, colonizadores, como Lord Cromer, usaram os Direitos das Mulheres como uma ferramenta para aprofundar as agendas coloniais, enquanto lutava ativamente contra o Movimento Feminista na Grã-Bretanha. Ao justificar o projeto colonial britânico no Egito, Lord Cromer argumentou que as mulheres egípcias necessitavam dos britânicos para serem libertadas da opressão do Islã. No entanto, durante a ocupação britânica, ele cobrou propinas para as escolas que impediam as jovens de frequentar as aulas porque acreditava que “fornecer educação subsidiada não era competência do governo”. Enquanto Lord Cromer retirava o direito das mulheres egípcias à educação, ele também fundava, na Inglaterra, a “Liga dos Homens para a Oposição ao Sufrágio das Mulheres”. Lord Cromer justificou seus violentos projetos coloniais através de um feminismo performativo, enquanto, ao mesmo tempo, causava males às muçulmanas egípcias. 

Como Latif escreve: 

“Estes homens não objetivavam salvar as mulheres oprimidas, ao invés disso, queriam trocar as formas orientais de opressão com um familiar patriarcado europeu que era mais fácil de usar para manipular estas comunidades.” 

Os colonizadores usaram o veículo do feminismo sem ter qualquer intenção de cumprir uma visão de igualdade de gênero. É esta hipocrisia que estava presente na ocupação estadunidense do Afeganistão. Esta hipocrisia também é o motivo de Bush poder ter lançado uma guerra contra o Taliban e começar uma das maiores ocupações da história moderna enquanto, ao mesmo tempo, a administração estadunidense apoiava um acordo secreto entre o Taliban e a multinacional estadunidense Unocal. Nunca foi sobre a proteção das mulheres muçulmanas; sempre foi sobre dominação e controle. 

Na Argélia Colonizada, Fanon argumenta que: 

“O argelino, foi garantido, não se agitaria, resistiria à tarefa de destruição cultural empreendida pelo ocupante, se oporia à assimilação, desde que a sua mulher não tivesse invertido a corrente. Converter a mulher, conquistá-la para os valores estrangeiros, libertá-la de seu status, era, ao mesmo tempo, alcançar um poder real sobre o homem e um meio de prático e eficaz de desestruturar a cultura argelina.” 

Isto se provou ser tão verdadeiro na Argélia que, quando revolucionárias que entregavam informações e transportavam armas para a revolução, debaixo de suas modestas roupas tradicionais, passaram a ser pegas, as revolucionárias decidiram vestir-se desveladas, como as francesas. 

“Carregando revólveres, granadas, centenas de identidades falsas ou bombas, a desvelada mulher argelina se move como um peixe nas águas ocidentais. Os soldados, os patrulhas franceses, sorriem para ela conforme passa..., mas ninguém suspeita que suas malas contêm a pistola automática que abaterá quatro ou cinco membros de uma das patrulhas.” 

É importante enfatizar a natureza de confiança dos colonizadores, também aplicado aos imperialistas modernos, para com as mulheres muçulmanas desveladas. Como destacado anteriormente, o véu de uma mulher é tão inerentemente ligado à nossa cultura, tradições e resistência, que retirá-lo faria ela ganhar a confiança imediata do poder opressor. Eles se sentiam como se a batalha estivesse ganha. A guerra contra a mulher muçulmana é uma guerra psicológica. Era desconcertante que uma mulher ainda pudesse ter seu espírito revolucionário, pudesse resistir ativamente ao poder opressor, se retirasse o véu e começasse a se vestir como seus opressores. Nosso hijab não é, agora, apenas uma prática religiosa, mas um símbolo contra o imperialismo cultural. Hoje, quando as muçulmanas se desvelam, as feministas brancas a louvarão e ela receberá um senso de legitimidade que não tinha antes. No entanto, ainda hoje, as muçulmanas que decidem se desvelar não estão, necessariamente, cedendo à resistência cultural e política dos opressores contra muçulmanos, mas estão exercendo sua agência ao retirá-lo por razões pessoais. No entanto, o sentido de confiança conquistado pela comunidade feminista branca ainda está sempre presente. 

Este conceito da associação inextricável do hijab com a resistência está presente na minha história de criança. Minha mãe me disse: “Este véu faz de ti a porta-bandeiras do Islam. Segure-nos bem alto”. Minha mãe nunca me disse para manter o uso do hijab por causa de minha religião, para agradar a Deus etc. Apesar de todas estas serem razões legítimas para usá-lo. Seu principal foco e preocupação era que eu não me submetesse ao imperialismo cultural que estava tentando me fazer cair de joelhos. Comecei a usar o hijab quando tinha dez anos por conta própria, e sendo a única mulher em minha família direta e estendida que usava o hijab. Eu não comecei a orar e praticar o Islã, eu mesma, até os dezesseis anos. Pelos seis primeiros anos de uso do hijab, usei-o não por razões religiosas, mas como um símbolo de resistência contra o imperialismo cultural e o feminismo branco que atormentou cada aspecto de minha vida. Fanon escreve que: 

“Desvelar esta mulher é revelar sua beleza; é barrar seu segredo, quebrar sua resistência, torná-la disponível para uma aventura... Há nisso (na relação entre os europeus e a mulher argelina) o desejo de deixá-la ao seu alcança, fazê-la um possível objeto de posse. Esta mulher que vê sem ser vista frusta o colonizador. Não há reciprocidade. Ela não se rende, não se entrega, não se oferece.” 

Até hoje, a manutenção do hijab das mulheres muçulmanas é um símbolo de resistência, uma recusa em ser um objeto de posse, uma recusa em ser tomada pelos nossos opressores. 

A batalha para desvelar a muçulmana não é apenas uma batalha física, mas uma batalha psicológica. Fanon escreve que durante a colonização francesa, os colonizadores forçavam a narrativa da opressão da modéstia da muçulmana com qualquer plataforma ou meio possível. Uma quantidade incrível de dinheiro foi investida nesta campanha e, junto a qualquer ajuda dada às muçulmanas pobres, havia uma dose de como o hijab era indigno, opressivo, retrógrado etc. Esta campanha contra as muçulmanas está viva e ativa hoje. Islamofobia e Retratações Midiáticas das Mulheres Muçulmanas (Islamophobia and Media Portrayals of Muslim Women), um estudo baseado em relatórios de trinta e cinco anos do New York Times e do Washington Post, viu que os jornalistas são mais propensos a falar sobre as mulheres que vivem em países muçulmanos ou médio-orientais se seus direitos são violados e que são mais propensos a falar sobre mulheres em outras sociedades quando seus direitos são respeitados. Adicionalmente, o estudo descobriu que as histórias sobre mulheres muçulmanas enfatizam o tema das violações dos direitos das mulheres e a desigualdade de gênero mesmo em países com bons índices quando o assunto é direitos das mulheres. Histórias de outros países que possuem padrões de igualdade de gênero similares sobre mulheres não-muçulmana enfatizam outros tópicos. O estudo, por fim, revelou que os jornais dos Estados Unidos propagam que os muçulmanos são distintamente sexistas. 

Há uma campanha psicológica contra o hijab das mulheres muçulmanas, alegando que este é opressivo. Esta campanha está presente em, virtualmente, todas as formas de mídia de consumo e criou uma batalha identitária pela mulher muçulmana. Para manter o hijab, precisamos de tempo para, explicitamente e cognitivamente, deslegitimar a narrativa que encontramos em nossas escolas, círculos sociais, nossos clubes e times esportivos, em nossas redes sociais e nas notícias. Esta deslegitimação é nossa luta contra a guerra psicológica da colonização e do imperialismo. Ela está presente em toda faceta de nossas vidas e, como um grupo minoritário, é necessário muita resiliência, coragem, pensamento intelectual e esforço para deslegitimá-lo. O hijab se torna parte de nossa identidade e é uma parte da batalha imperialista. E, por muitos anos, mantive meu hijab não porque queria, não porque era forçada, não porque queria agradar a Deus, mas só porque eu ficaria arrasada se perdesse essa batalha. 

A FALÁCIA DA SEXUALIDADE COMO FORMA DE EMPODERAMENTO 

Em 2016, Trevor Noah, do The Daily Show, fez uma entrevista com Dalia Mogahed, uma muçulmana diretora de pesquisa no Institute for Social Policy and Understanding. Em sua discussão sobre o hijab com Trevor Noah, ela desmantelou a associação do hijab como algo opressivo através da lente sexual. Ela começou, primeiro, definindo opressão como a remoção do poder de uma pessoa e afirmando que o hijab, essencialmente, privatiza a sexualidade das mulheres. Ela segue, perguntando, “o que estamos dizendo quando falamos que ao remover ou privatizar a sexualidade de uma mulher estamos oprimindo ela?... O que isso diz sobre a fonte do poder de uma mulher?” Ela concluiu seu argumento afirmando que através desta linha de pensamento estamos, essencialmente, dizendo que o poder das mulheres é baseado em sua sexualidade e que para ser vista como forte, esta sexualidade precisa ser publicizada. As feministas ocidentais nos dizem que obrigar-nos a remover nossas roupas é uma libertação, quando, na realidade, é apenas opressão. Em toda a sua camuflagem de “feminismo”, esta narrativa ainda espera que as mulheres se vistam para o olhar masculino e permite que o empoderamento dependa da possibilidade de a nossa sexualidade ser consumida publicamente pelos homens. Esta narrativa é, portanto, inerentemente patriarcal. Como Frantz Fanon disse, “esta mulher que vê sem ser vista frusta o colonizador”. A tentativa de retirar as roupas da mulher muçulmanos também é um esforço para torná-la um objeto de posse. 

Pense em qualquer protagonista feminina “forte” em filmes de super-heróis da Marvel. Elas são, quase sempre, hipersexualizadas. Um dos maiores hits de 2017, Mulher Maravilha, demonstra isso. 

A armadura da Mulher Maravilha é hipersexualizada e não faz nenhum sentido lógico. Que oficial de exército você já viu usando uma peça única com tanta pele exposta e suscetível a ataques? A armadura que a Mulher Maravilha usa é inerentemente sexualizada e completamente impraticável. Ela aprofunda a associação de sexualidade com empoderamento. 

O que isso tem a ver com as muçulmanas que querem se cobrir mas também querem ser empoderadas? Isso nos diz que isso é simplesmente impossível. Isso nos diz que ser forte é estar descoberta e que isso é, inerentemente, o que não somos. Houve tantas vezes em que quis vestir roupas modestas, mas sabia que isso me faria parecer menos empoderada e seria levado menos a sério. Se as pressões da sexualidade como empoderamento não existissem tão fortemente quanto existem hoje, estou certa de que me vestiria de forma bem diferente. Isto é algo contra o qual estou batalhando, mas também é algo que está bastante enraizado em minha psique. 

Quero deixar claro que não estou implicando que as mulheres que preferem vestir roupas mais reveladoras o estão fazendo, inerentemente, para serem vistas pelos homens. Também não estou tentando policiar estas mulheres ou implicar que há algo errado com o empoderamento sexual. Em vez disso, estou chamando a atenção para a forma como a sexualidade tem sido usada como um chicote contra as muçulmanas. A associação implacável da modéstia com a opressão e da sexualidade com o poder pelas feministas ocidentais criou uma condição social que não permite o crescimento e empoderamento das muçulmanas. A sexualidade não é necessariamente, ou em si, um empoderamento. A sexualidade forçada das muçulmanas é, de fato, opressão. 

O DUPLO VÍNCULO 

No final do meu primeiro ano, candidatei-me à Clínica Internacional dos Direitos Humanos da Mulher no Georgetown Law University Center. Escrevi meu estudo na zona rural do Paquistão onde assisti e advoguei pelas mulheres que eram vítimas de violência doméstica, especialmente aquelas que foram vítimas de crimes com ácido e mulheres queimadas. Após submeter minha candidatura, senti-me nauseada e senti uma imensa culpa me tomou. Encontrei-me pensando que tinha vendido minha comunidade ao enfatizar a violência de gênero no Paquistão. Não queria alimentar a narrativa de que as mulheres muçulmanas eram inerentemente oprimidas. Qualquer referência à subjugação das mulheres em sociedades islâmicas é automaticamente usurpada para aprofundar essa narrativa e, em última análise, fomentar o imperialismo físico e cultural. Estive em vários espaços brancos em que as mulheres se referiam a mim como “uma das boas” ou alguém que lutava “contra o Islã”. Sua caracterização de mim como alguém que era diferente de minha comunidade e esta ser a razão pela qual eu me importava com direitos humanos básicos para as mulheres era incrivelmente degradante e reforçava estereótipos maléficos. Isso perpetuava a ideia de que os direitos humanos básicos para as mulheres estavam em desacordo com o Islã e minha comunidade, o que é completamente inverídico. Quando enviei minha candidatura, assumi que minha história seria desconstruída e seria usada como exemplo de “uma das boas muçulmanas”. 

O feminismo está tão profundamente enraizado no imperialismo e no salvadorismo ocidental que as muçulmanas também não podem falar sobre os problemas do patriarcado em nossas culturas e comunidades sem que isso seja sequestrado e usado contra nós. Nossas narrativas, dificuldades e ativismos são usurpados pelos imperialistas que, regularmente, invocarão a questão da injustiça de gênero para demonizar sociedades muçulmanas e aprofundar suas próprias ambições sociais e políticas. Abu-Lughod descreve como os ativistas qeu condenam a injustiça de gênero em suas próprias comunidades podem ser vistas fazendo isso porque “fornece-lhes um distintivo, afirmando que a modernidade e o liberalismo que passou a significar são alcançáveis até mesmo no Oriente, marcando-os como portadores desses ideais”. Os muçulmanos que denunciam a injustiça de gênero são apresentados como parte das elites nas comunidades muçulmanas que estão se distinguindo dos seus compatriotas locais “atrasados” para obter novas oportunidades. O feminismo ocidental faz isso para que não se possa fazer uma crítica honesta de sua própria comunidade sem que seja automaticamente sequestrada para servir a uma agenda imperialista e supremacista branca. Isso também proíbe as muçulmanas de ter uma aliança interseccional autêntica com outras mulheres, removendo ainda mais a nossa agência. 

Em “As muçulmanas realmente precisam de salvação? Reflexão antropológica sobre o relativismo cultural e seus outros” (Do Muslim Women Really Need Saving? Anthropological Reflection on Cultural Relativism and Its Others), Abu-Lughod discute Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão. O trabalho das mulheres ativistas no Afeganistão em campo, que destacou os maus-tratos às mulheres, foi usado para apoiar o imperialismo cultural e físico, a supremacia ocidental e foi elogiada apenas por seu trabalho contra o Taliban. A Associação foi instrumental em levar os excessos do Taliban à atenção dos Estados Unidos. No entanto, a Associação sempre se opôs ao projeto imperialista dos Estados Unidos desde o início do contato dos EUA com o solo afegão. Eles se opuseram aos bombardeiros estadunidenses, vendo eles como fator de aumento da dificuldade, perda e trauma das mulheres afegãs. Elas apelaram à manutenção da paz, desarmamento e à expulsão das forças armadas dos EUA. A Associação avisou que as tropas estadunidenses iriam confundir os empregados do governo com o povo afegão e confundiriam o Taliban com inocentes civis afegãos. A Associação argumentou repetidamente que as políticas militares dos Estados Unidos estavam organizadas em torno de interesses do setor petrolífero, da indústria de armas e do tráfico internacional de drogas. A administração estadunidense deu, até mesmo, apoio a um acordo secreto entre o Taliban e a multinacional estadunidense Unocal, mostrando que esta não era uma guerra moral, mas fundamentada em interesses políticos e econômicos. No entanto, a associação só foi elogiada e utilizada no Ocidente por um motivo: por causa da narrativa de que as muçulmanas eram oprimidas e precisavam de ser salvas. Os Estados Unidos ouviu o que quis da associação e eram apenas as histórias e pesquisas que podiam ser manipuladas para servir à agenda do imperialismo ocidental. 

É isto que Terman se refere como “duplo vínculo” em Islamofobia, Feminismo e as Políticas da Crítica (Islamophobia, Feminism and the Politics of Critique). O duplo vínculo é a relação entre a islamofobia e a injustiça de gênero que ocorre ao apresentar o ativismo pelos direitos das mulheres não só como cúmplice do imperialismo, mas inescapavelmente imperialista e islamofóbico. Ele percebe que ao privilegiar a crítica das feministas ocidentais em discussões sobre a violência contra a mulher em contextos muçulmanos, o trabalho das ativistas muçulmanos em campo é diminuído e subestimado. Mais, ele diz que esta crítica está fundada numa experiência euro-americana da islamofobia posterior ao Onze de Setembro, que está projetada de maneira a-histórica e politicamente contraproducente nas comunidades muçulmanas e árabes locais. Terman chama o resultado disso de uma “teologia de um anti-imperialismo" que apresenta o ativismo dos direitos das mulheres não apenas como cúmplice do imperialismo e da islamofobia, mas como fundamentalmente imperialista e islamofóbico. Terman descreve que este duplo vínculo acaba com a oportunidade de criar possibilidades políticas e discussões de avanço. Não pode ser que qualquer preocupação com a injustiça de gênero em contextos muçulmanos seja coincidente com o tóxico feminismo ocidental, o imperialismo, o militarismo, a islamofobia e a intolerância. Não sugiro isto, mas antes afirmo que o feminismo ocidental está inextricável e inescapavelmente ligado ao imperialismo e à islamofobia. 

Isso não significa que os países muçulmanos estão isentos da crítica. Ao invés disso, ao manter nossa crítica e ativismo pela justiça de gênero, devemos nos manter conscientes da: 
 

1) Agenda imperialista de muitas críticas, que estão fundadas num feminismo imperialista e, portanto, 
2) Priorizar e empoderar ativistas muçulmanas locais em campo. 

Devemos, ativamente, rejeitar o complexo de salvadorismo ocidental ao qual os Estados Unidos adere agressivamente, que reconhece apenas uma forma de empoderamento como legítima e demoniza as outras. Devemos reconhecer que algumas mulheres são empoderadas de maneira diferente e só porque isso não prescreve inerentemente o ideal ocidental do feminismo, não o torna ilegítimo. A legitimidade não é baseada na aprovação ocidental e a ideia de que uma forma de empoderamento feminino precisa da aprovação ocidental é inerentemente paternalista e imperialista. O empoderamento feminino tem sido visto, há muito tempo, como algo que é distintivo do e pertencente ao Ocidente. Quaisquer outras comunidades que lutam por estes ideais são vistas como “copiadores” do Ocidente, o que não é verdade. 

AS MUÇULMANAS PRECISAM DE SALVAÇÃO? 

A narrativa de que as muçulmanas precisam de salvação é inerentemente paternalista e reforça uma quadro global de supremacia em que os colonizadores ocidentais estão no topo. Como Abu-Lughod explica: 

“Quando você salva alguém, você implica que está salvando-a de algo. Você também está salvando-a para alguma coisa. Que violências estão implicadas nesta transformação e que suposições estão sendo feitas sobre a superioridade daquilo a que você a está salvando? Os projetos de salvação de outras mulheres dependem e reforçam um sentimento de superioridade por parte dos ocidentais. 

Para lidar com a natureza paternalista da narrativa de “salvação das mulheres”, basta pensar no que isto soa a outras mulheres desfavorecidas nos Estados Unidos. Os Estados Unidos criam campanhas políticas em que mulheres brancas estão salvando negras, latinas ou trabalhadoras em desvantagem? Não. Porque reconhecemos que as mulheres de cor e as trabalhadoras são vistas como “desavantajadas” não por causa de algo inerentemente errado, mas por causa da violência social, econômica e política que moldou suas condições. Por causa do discurso social e político ao redor das muçulmanas e de sua situação, a violência social, econômica e política que caracteriza suas vidas são ignoradas. A história da colonização nos países muçulmanos é ignorada, as condições econômicas que criaram e continuam a serem reforçadas pelo capitalismo e forçadas pelas políticas neoliberais são ignoradas e os violentos projetos imperialistas dos Estados Unidos são completamente ignorados. Esta ignorância permite que as feministas do Ocidente se sintam como se elas não fossem cúmplices em quaisquer condições que foram desenvolvidas pelos Estados Unidos. Isso lhes permite ser observadoras, esperando “salvar estas pobres mulheres”, em vez dos contribuintes cúmplices das narrativas e crimes dos Estados Unidos (incluindo facilitar a criação dos Taliban e fornecer-lhes milhões de dólares dos contribuintes). Junto a estas condições que são ignoradas, os verdadeiros chamados de muçulmanas feministas em campo também são ignorados. 

A abordagem moderna do feminismo ocidental é similar à abordagem das missionárias cristãs do século XIX que devotaram suas vidas a salvar suas “irmãs” muçulmanas. As missionárias em “Nossas Irmãs Muçulmanas: Um Grito de Necessidade Vindo das Terras das Trevas, Interpretado por Aquelas que o Ouviram” (Our Moslem Sisters: A Cry of Need from Lands of Darkness Interpreted by Those Who Heard It), fala sobre a situação das muçulmanas e a responsabilidade das missionárias em fazer a voz das muçulmanas serem ouvidas. Ironicamente, e indicativo de sua estupidez, a introdução do livro começa afirmando, “Elas nunca gritarão por si mesmas, pois estão sob o jugo de séculos de opressão”. Esta abordagem remove a agência das muçulmanas inteiramente. Sua abordagem argumenta, primeiro, que elas precisam fazer com que as vozes das muçulmanas sejam escutadas e, então, afirma que elas nunca gritarão por si mesmas. Isto insinua que as muçulmanas estão tão desorientadas e perdidas em sua própria opressão que não há forma possível de terem agência por si mesmas. Isto é similar à abordagem que as feministas ocidentais têm hoje em dia. Como o exemplo anterior da associação afegã, os argumentos das muçulmanas em campo são ignorados e jogados de lado se eles não fomentam o imperialismo e o sistema capitalista. 

AS MUÇULMANAS NÃO PRECISAM DE APROVAÇÃO 

Junto à pletora de problemas que o feminismo ocidental criou para as muçulmanas, as muçulmanas também devem defender seu próprio raciocínio para funcionar num contexto islâmico ao defender os direitos das mulheres. As muçulmanas são perpetuamente rejeitadas na academia feminista quando defendem os direitos das mulheres enquanto mantêm sua identidade muçulmana. Hammer escreve que: 

“É seguro dizer que a maioria das feministas estadunidenses eram secularistas, senão inteiramente antirreligiosas em seus sentimentos, vendo as religiões como as principais ferramentas para a dominação patriarcal das mulheres... As muçulmanas estadunidenses que insistiram em estruturas religiosas... tiveram de defender suas abordagens e argumentar contra a rejeição geral de sua tradição religiosa. 

A cultura do feminismo nos Estados Unidos é tão inerentemente secularizada que as muçulmanas que defendem um feminismo islâmico jamais podem ser aceitas como feministas de verdade. Como Attiya Latif coloca, a mulher muçulmana é vista como “uma que tenta reconciliar e justificar uma religião que é... cada vez mais associada ao medo, violência e uma irreconciliável opressão das mulheres”. Hammer afirmou, no caso das acadêmicas muçulmanas, que seus compromissos de fé podem ser percebidos como diminuidores de sua autoridade acadêmica, enquanto seus compromissos “feministas” e acadêmicos podem, simultaneamente, serem vistas como diminuidoras ou negadoras de sua autoridade religiosa aos olhos de suas comunidades. Por exemplo, Asma Barlas, uma acadêmica feminista muçulmana, foi rejeitada pela comunidade feminista estadunidense. Barlas, ao refletir sobre sua rejeição pelas feministas não-muçulmana, acreditava que isso se dava por causa de suas expectativas sobre a “outra” mulher muçulmana fosse silenciosa ou estivesse em conformidade com as noções preconcebidas de expressão feminista “apropriada”. Portanto, independentemente da posição acadêmica e do conteúdo intelectual das feministas muçulmanas, elas sempre serão vistas como ilegítimas. Além disso, seus pensamentos sempre serão rejeitados porque as feministas ocidentais nunca poderão vê-las como nada além de seres oprimidos, incapazes de se empoderar e de pensar de forma independente. A voz da mulher muçulmana é ainda mais suprimida porque, ao invés de focar nos problemas verdadeiros que a muçulmana levanta, um debate sobre o Islã inerentemente oprimir as mulheres surge e se sua voz pode carregar qualquer legitimidade sobre o assunto. 

Abu-Lughod usa o trabalho a acadêmica egípcia Saba Mahmood para demonstrar isto. Mahmood exemplificou isto ao discutir a resposta perturbadora que ocorre quando se defende o respeito por outras tradições. 

“Ela observe que há uma diferença nas demandas políticas feitas sobre aqueles que trabalham com, ou estão tentando entender os muçulmanos... e aqueles que trabalham em projeto seculares e humanistas. Ela, que estuda o Movimento da Piedade no Egito, é constantemente pressionada a denunciar todo o mal causado pelos movimentos islâmicos ao redor do mundo – se não o faz, é acusada de ser uma apologista. Mas nunca parece ter havido uma demanda paralela para aqueles que estudam o humanismo secular e seus projetos, apesar das terríveis violências associadas com ele ao longo dos dois últimos séculos, de guerras mundiais ao colonialismo, de genocídios à escravidão.” 

As muçulmanas enfrentam o obstáculo de não serem aceitas no discurso feminista, enfrentam a pressão de denunciar o terrorismo e justificar sua dedicação à fé, enfrentam os projetos imperialistas que sequestram nossas narrativas para justificar o assassinato e a ocupação de nosso povo e têm de resistir a serem caracterizadas como a “elite” muçulmana que é vista como atípica em sua comunidade bárbara. É claro que a comunidade feminista estadunidense jamais verá feministas muçulmanas como legítimas ou aceitará nossas formas de empoderamento. 

No entanto, enquanto muçulmanas, não precisamos da aprovação de um feminismo imperialista ocidental que consistentemente têm nos oprimido, além de outras mulheres de cor. Qualquer desejo por aprovação é indicativa de uma inferioridade internalizada que precisa ser desmantelada. As muçulmanas não precisam da aprovação ou da permissão de ninguém para manejar seu próprio poder. Isso é inerente em nós e corre entre nossas veias. Nosso espírito revolucionário é algo que remonta a gerações desde o nascer do Islã. Fatima Gailani, uma conselheira de uma delegação estadunidense no Afeganistão disse, ela mesma, “se eu for para o Afeganistão hoje e pedir por votos às mulheres, prometendo trazer-lhes o secularismo, elas me dirão para ir para o inferno”. Está documentado que as mulheres afegãs olham para o Irã em busca de inspiração sobre como lutar pela igualdade dentro de uma estrutura islâmica. As muçulmanas não estão buscando o “empoderamento” e a estrutura feminista que o feminismo ocidental está nos empurrando goela abaixo. Falando sobre seu trabalho de campo no Egito, Abu-Lughod disse que em seus 20 anos de trabalho no Egito: 

“Não posso pensar numa mulher sequer que conheça, da mais pobre rural à mais educada cosmopolita, que tenha expressado, alguma vez, inveja das mulheres estadunidenses, as mulheres que tendem a perceber como abandonadas pela comunidade, vulneráveis à violência sexual e à anomia social, levadas pelo sucesso individual em vez da moralidade ou estranhamente desrespeitosas para com Deus.” 

As muçulmanas não se importam e não deveriam se importar com a aprovação das mulheres brancas do Ocidente. Então, para onde vamos para conseguir força, inspiração e modelos de empoderamento? Nossa história. 

Há uma rica história islâmica sobre mulheres em posições poderosas na acadêmica, nas finanças e nos exércitos que é muito mais antiga que o movimento feminista ocidental moderno. É risível o fato de as mulheres só terem tido a permissão de irem à escola no Reino Unido nos anos 1920 e nos anos 1880 na França, enquanto a universidade de al-Qarawiyyin, em Fez, no Marrocos, teve sua fundação financiada por Fatima al-Fihri. Fatima veio de uma família muito religiosa que investiu em sua educação e inculcou, nela, a importância da educação. 

Khawla bint al-Azwar foi uma muçulmana que se destacou como uma das maiores guerreiras já conhecidas. Ela liderou grupos de outras muçulmanas em batalha. Certa vez, ela foi capturada com outras muçulmanas e, quando perderam as esperanças, ela as inspirou a lutar, armadas apenas com o mastro da tenda em que estavam cativas. Com um mastro, ela foi capaz de derrotar cinco guerreiros bizantinos fortemente armados e liderou uma fuga. Desde o início do Islã em 610 d.C., as mulheres lutaram como guerreiras. Compare isso com os Estados Unidos, um país que só permitiu que as mulheres servissem como membros plenos de todas os ramos das Forças Armadas em 1948. 

A esposa do Profeta Muhammad, Khadijah, foi uma bem-sucedida e rica comerciante que, na verdade, empregou o Profeta. Ela lhe propôs em casamento e, quando se casaram, ele se mudou para sua casa e viveram sob sua liderança econômica. 

A primeira almirante do mundo também era muçulmana. Como guerreira e almirante, Malahayati liderou milhares de muçulmanas em um confronto contra as embarcações e fortes holandeses em 1599. 

Temos histórias e mais histórias de mulheres inspiradoras nas quais podemos recorrer. Temos a capacidade, força, paixão e fogo para pavimentar nossos próprios caminhos de empoderamento, enquanto praticamos nossa religião. Há uma estrutura feminista islâmica à qual podemos recorrer que nos permite manter nossas crenças e lutar por nossa liberdade em nossos próprios termos. 

CONCLUSÃO 

“Porque você é uma menina!” Estas palavras eram a única justificativa que eu tinha quando perguntei por que deveria parar de jogar futebol. Lembro o sentimento vividamente. Sentimentos de ira, dor e uma profunda tristeza. O futebol se tornou o espaço em que me sentia segura. Cresci numa cidade em que era verbalmente assediada e chamada de terrorista diariamente. Minha família costumava receber parafernália da Ku Klux Klan em nossa caixa de correio, ameaçando matar muçulmanos. Existir enquanto muçulmana era uma batalha diária. Mas quando eu estava no campo de futebol, tudo era mais simples. Não importava se eu estava coberta ou se eu era muçulmana – tudo que importava era o quão rapidamente eu podia pegar a bola e o quão habilidosa eu era. Lembro de ir para fora e sentar no carro e, num dado momento, chutar nosso para-brisas tão fortemente que o vidro estilhaçou. Foi uma perda e uma tristeza que nunca senti antes, e uma que lamento até hoje. 

Quando meus pares brancos me perguntaram por que eu não podia jogar, nunca lhes disse. Eles já tinham uma representação bárbara do Islã como opressor das mulheres e eu sabia que minha história seria usada apenas para confirmar seus preconceitos contra o Islã. Encontrei-me presa. Amarrada e incapaz de fugir. 

No outono de 2021, vi minha prima correr para o campo em sua noite de formatura. Era um campo cheio de meninas brancas e, então, minha prima, usando seu hijab, estava de cabeça erguida. Lembro de ter chorado ao ver ela. Foi um momento de orgulho e honra que palavras não podem explicar. Eu nunca tive uma senior night. Nunca pude jogar futebol depois do nono ano. Mas quando foi a vez de minha prima ir para o ensino médio, meus pais e seus pais incentivaram que ela jogasse. Minha família reconheceu o papel fundamental que ser uma atleta desempenhou em meu desenvolvimento, confiança e disciplina. Lembro de minha mãe e minha tia me ligando e dizendo-me, freneticamente, para convencer minha prima mais nova a jogar. 

Nós, mulheres muçulmanas, nos vemos presas em muitos lugares. Somos oprimidas pela islamofobia geral que prejudica cada faceta de nossa existência. Somos oprimidas pelo feminismo imperialista branco. Somos oprimidas por um patriarcado geral no Ocidente, mas também por ideais patriarcais de nossas próprias culturas. E quando falamos sobre nossa opressão em nossas culturas, somos atormentadas pelo medo de que nossa narrativa com certeza será usurpada e usada para perpetuar preconceitos e ideologias imperialistas. 

Eu não tenho a solução. Tudo que sei é que nós, muçulmanas, somos batalhadoras. E, talvez, esta seja a solução. É resistir de toda forma que sabemos; das hijabis continuarem indo à escola após serem expulsas da aula por causa de seu hijab até gritar e quebrar o parabrisas de um carro quando uma oportunidade nos for negada por sermos mulheres. Cada lágrima que derramamos, cada palavra que escrevemos de nossas próprias histórias, e cada vez que aparecemos de forma autêntica e assumida, é resistência. 

“Grite 

Para que nesse dia 

Daqui a cem anos 

Outra irmã não tenha que 

Secar suas lágrimas pensando 

Quando na história 

Ela perdeu sua voz.” 

– Jasmin Kaur 

Eu sei que meus gritos, lágrimas e dores importaram quando vi minha prima correndo naquele campo. Quando olho em seus olhos e vejo ela lutar, sua paixão e sua resistência implacável contra a esmagadora opressão que cerca as mulheres muçulmanas, fico cheia de orgulho. Somos as sementes do matriarcado islâmico. E não precisamos da permissão de ninguém. 

 Texto original: The War on Muslim Women’s Bodies: A Critique of Western Feminism