As relações entre os bizantinos e os turcos da Anatólia nos séculos XII e XIII foram sujeitas a extensas investigações acadêmicas, que cobrem a rivalidade e as alianças na política, troca econômica e influências culturais. A Anatólia Muçulmana era o destino comum para fugitivos políticos bizantinos, em geral, aristocratas que caíram em desgraça com as autoridades. Por outro lado, sultões e príncipes seljúcidas frequentemente fugiam de seus inimigos políticos indo para Constantinopla. Isso apoia a impressão de que os espaços bizantino e muçulmano anatoliano representavam um tipo de contínuo no qual as fronteiras culturais entre os elementos cristãos bizantinos e muçulmanos seljúcidas eram borrados e permeáveis, como foi postulado, por exemplo, por Michel Balivet e pelo falecido Keith Hopwood. A persistência dessas fronteiras borradas parece ser confirmada pelas fontes contemporâneas bizantinas e muçulmanas. Neste capítulo, tento reconstruir a natureza da imprecisão e permeabilidade das fronteiras entre os espaços culturais bizantino e seljúcida. O estudo foca na identidade seljúcida e, especialmente, naqueles modelos de identidade que prevaleceram entre a casa reinante seljúcida, a nobreza seljúcida e, possivelmente, mais ainda entre as classes médias e mais miseráveis da população muçulmana. Minha hipótese, que será discutida abaixo, é a de que a identidade dos muçulmanos da Anatólia, e especialmente da elite muçulmana, era extremamente complexa e incluía elementos bizantinos (gregos e cristãos). Em outras palavras, sob certas condições, um membro da elite seljúcida poderia agir como um bizantino e até mesmo estimar-se como um grego ou cristão. Esta hipótese veio de minhas reflexões sobre o papel das mulheres gregas na vida social da Anatólia Muçulmana. Portanto, começo meu estudo com a questão das esposas e concubinas gregas no harém seljúcida. 

A linhagem grega dos seljúcidas 

Vamos começar com a genealogia dos seljúcidas para identificar quais sultões tiveram esposas, concubinas ou mães gregas. A informação sobrevivente é bastante escassa e cobre apenas o final do século XII até meados do século XIII. 

  1. ‘Izz al-Din Qilich Arslan II (1156-92), filho do sultão Mas’ud I e, provavelmente, de uma mãe cristã, a neta do Grande Príncipe Sviatoslav II (r. 1073-6)
    a. N/A, esposa ou concubina, grega, mãe de Ghiyath al-Din Kaykhusraw I.

  2. Ghiyath al-Din Kaykhusraw I (1192-6, 1205-11)
    a. N/A, esposa, grega, filha de Manuel Maurozomos

  3. ‘Ala’ al-Din Kayqubad I (1219-37)
    a. Mahpari Khatun (Khwand Khatun), esposa, grega, mãe de Ghiyath al-Din Kaykhusraw II

  4. Ghiyath al-Din Kaykhusraw II (1237-46)
    a.
    Barduliya/Πρoδουλία, esposa, grega, mãe de ‘Izz al-Din Kayka’us II

  5. Ghiyath al-Din Kaykhusraw II
    a.
    N/A, escrava concubina grega, mãe de Rukn al-Din Qilich Arslan IV

  6. ‘Izz al-Din Kayka’us II (1245-61)
    a.
    N/A, esposa, grega (?) 

Número 1: uma das esposas ou concubinas de ‘Izz al-Din Qilich Arslan II era grega. Ela deu luz a Ghiyath al-Din Kaykhusraw I. A origem grega da mãe de Kaykhusraw é confirmada por Niketas Choniates. ‘Izz al-Din Qilich Arslan II, ao dividir seus territórios entre seus nove filhos, um irmão e um sobrinho, deu a Sozopolis (Uluborlu) a Kaykhusraw I, nas fronteiras do território bizantino, talvez, Claude Cahen sugere, porque ele era filho de uma mãe grega. A identidade grega de Kaykhusraw I provavelmente facilitou seus contatos com os bizantinos. 

Número 2: uma das esposas de Ghiyath al-Din Kaykhusraw I era uma nobre grega de Bizâncio. Durante seu exílio em Bizâncio, Kaykhusraw I se casou com a filha de Manuel Mavrozomes. É desconhecido, no entanto, se esta esposa bizantina deu luz a algum filho. 

Número 3: uma das esposas de ‘Ala al-Din Kayqubad I e a mãe de Ghiyath al-Din Kaykhusraw II era grega. Seu nome era Mahpari Khatun e provavelmente era filha de Kir Farid (ou seja, Kyr Badas), o governante grego de Kalonoros (Alanya), que rendeu a cidade aos seljúcidas em 1221. No mesmo ano, ele casou sua filha com ‘Ala al-Din Kayqubad I. A identidade grega de Mahpari Khatun foi confirmada por Aziz Astarabadi, que se referiu a ela como uma rumiya li-asl (romana/grega/bizantina de origem). 

Número 4: a primeira esposa que deu luz a ‘Izz al-Din Kayka’us II foi chamada por Ibn Bibi de Barduliya/Parduliya, que sugeri, em outro lugar, que pode ser lido como o nome grego Proudolia. A identidade grega de Prodoulia é referida tanto por autores cristãos como por muçulmanos. Bar Hebraeus, na versão árabe de sua crônica, diz que ela era romana, adicionando que era filha de um padre (rumiya ibnat qissis). Sua ascendência da família de um padre grego é confirmada por Simon de Saint-Quentin (‘hunc genuerat ipse de filia cujusdam sacerdotis Greci’. Pachymeres caracteriza-a como uma ‘cristã extremamente boa’ ((χριστιανῇ ἐς τὰ μάλιστα οὔσῃ). Nikephoros Gregoras, indiretamente, confirma sua identidade cristã, dizendo que o sultão ‘Izz al-Din Kayka’us II era ‘descendente de antepassados cristãos’ (χριστιανων τε ὑπῆρχε γονέων υἱός) implicando, aparentemente, com γονέων não tanto em “pais”, mas em antepassados em geral, ou seja, sua mãe, sua avó materna e possivelmente sua bisavó, que também era grega. Referências indiretas à sua identidade cristã e grega também são encontradas nos relatos de historiadores muçulmanos da época: Ibn Bibi, Aqsara’i e Baybars al-Mansuri se referem à afiliação cristã e grega dos irmãos de Prodoulia: Kir Khaya e Kir Kadid (Kattidios). A vida de Prodoulia foi cheia de vicissitudes, as quais discuti recentemente em detalhes em outro lugar. É suficiente mencionar aqui que ela acabou com sua vida em Bizâncio, talvez em Berrhoia, depois de 1264. 

Número 5: a mulher que deu luz ao futuro sultão Rukn al-Din Qilich Arslan IV, cujo nome não conhecemos, era uma escrava grega. No entanto, a questão de suas origens étnicas é debatível. Claude Cahen argumenta que ela era turca, e baseia sobre esta suposição uma hipótese abrangente sobre a natureza do conflito interno no Sultanato Seljúcida nos anos 1250: por causa de seu sangue grego, ‘Izz al-Din simbolizava a parcela anti-mongol, enquanto Rukn al-Din, um descendente de uma mãe turca, se tornou símbolo da orientação pró-mongol de uma seção da elite seljúcida. Claro, Cahen era um acadêmico com muita experiência para formular estas declarações explicitamente; no entanto, este tipo de lógica é identificável em seus estudos. 

Cahen baseia sua suposição sobre duas peças de evidência. A primeira é a declaração de Guilherme de Rubruck, que diz que os dois filhos do sultão Ghiyath al-Din Kaykhusraw II nasceram de mulheres cristãs enquanto o terceiro (Rukn al-Din) nasceu de uma mulher turca. A segunda peça de evidência vem de Ibn Bibi, que diz que a mãe de Rukn al-Din “vinha das escravas gregas” (az jariya-yi rumiya), no qual “grego” (rumi) foi entendido, presumidamente, por Cahen, como “turco anatoliano”. 

Por outro lado, Bar Hebraeus escreveu que a mãe do segundo filho de Ghiyath al-Din, Rukn al-Din, “também era uma mulher grega” (wa ummuhu aydan rumiya), como a mãe de ‘Izz al-Din. Consequentemente, a expressão jariya-yi rumiya de Ibn Bibi só deve ser entendido como “escrava grega”, diferente do caso de Prodoulia, que era uma grega livre. A autoridade desses dois bem informados e confiáveis historiadores parecem invalidar a afirmação de Rubruck. Mais ainda, Simon de Saint-Quentin, que tinha mais informações acertadas que as de Rubruck, escreveu que a mãe de Rukn al-Din era filha de um residente de Konya; a evidência de Saint Quentin não exclui a possibilidade de ela ser grega. Resumindo, a crença de Bahen, baseada na evidência de Rubruck, parece estar errada; e parece que a mãe de Rukn al-Din era, de fato, uma escrava grega e concubina do sultão. 

Ghiyath al-Din Kaykhusraw II, da mesma forma, teve como esposa uma princesa georgiana chamada Tamar, popularmente conhecida como Gurji Khatun (a moça georgiana). Ela era a mãe de seu filho mais novo, ‘Ala al-Din Kayqubad II. Tamar era sua esposa mais querida e ostentava o título honorário de Malikat al-Malikat (a Rainha das Rainhas). Aparentemente, Ghiyath al-Din Kaykhusraw II, filho de uma mãe grega, tinha uma paixão especial pelas mulheres cristãs. 

Número 6: a origem da esposa de ‘Izz al-Din Kayka’us II permanece obscura. Fontes bizantinas mencionam que durante seu exílio em Constantinopla, ‘Izz al-Din Kayka’us II estava acompanhado de sua esposa, mas não há menção sobre sua afiliação religiosa ou étnica. Kirakos de Gandzak reporta que ‘Izz al-Din se tornou “um genro” de João III Ducas Vatatzes (1224-54) no ano de 1249. Cahen assume que a informação de Kirakos possa ser verdadeira. A antiga tradição otomana relata que a esposa de ‘Izz al-Din era grega e seu nome era Anna. Nem Kirakos nem a tradição otomana, no entanto, são completamente confiáveis. Se a esposa de ‘Izz al-Din era grega, de origem imperial bizantina, isso deveria ter sido mencionado por outros autores bizantinos ou orientais da época. Visto que esta evidência não tem confirmação em outras fontes mais confiáveis, o suposto casamento de ‘Izz al-Din com uma filha da casa de Ducas Vatatzes parece duvidoso. No entanto, tendo em conta as evidências de Kirakos e da tradição otomana, não podemos excluir a possibilidade de que a esposa de ‘Izz al-Din era de origem grega. Não é improvável que sua ancestralidade grega tenha sido refratada de diferentes maneiras no prisma de Kirakos e da tradição otomana. 

O harém seljúcida 

Vamos colocar esta informação genealógica num contexto antropológico mais amplo. Naturalmente, as já mencionadas mulheres gregas viviam no harém real. Ibn Bibi ocasionalmente se refere ao harém diretamente (mukhaddarat-i haram, haram, haram-i humayun), ou indiretamente, com expressões descritivas como “as crianças e as mulheres” (khawatin u atfal, atfal u ‘iyal wa ‘awrat) e “as crianças e as mulheres, a mãe e os filhos” (atfal u’iyal wa walida u walad). Em alguns exemplos ele até mesmo se referiu ao harém como uma fonte de joias caras que podiam ser extraídas para lidar com necessidades de urgência do estado: por exemplo, Mu’izz al-Din Qaysarshah removeu uma cara tiara de seu harém que valia 50 mil dinares, enquanto ‘Ala al-Din Kayqubad tirou um sofisticado xale que valia 12 mil dinares de seu harém. Outros exemplos, entretanto, temos pouca informação sobre o harém nas fontes seljúcidas. Nós sabemos muito pouco sobre sua estrutura, governança e o papel na vida política do sultanato. Isto se dá principalmente pelo fato de as fontes, normalmente, evitarem descrever a vida privada da família; sequer sabemos o nome da maioria das mulheres que são citadas nas narrativas históricas medievais muçulmanas. 

Apesar disso, devemos derivar algumas informações retrospectivas adicionais sobre o harém seljúcida do mais bem documentado harém otomano no pioneiro estudo de Leslie Peirce, The Imperial Harem, que moldou como os otomanistas passaram a ver o papel do harém nas políticas sexuais e dinásticas. Apesar de o estudo não realizar comparações com o harém seljúcida e seu equivalente bizantino, o gynaeceum dos nobres, ambos devem ter influenciado na prática otomana, como características em comum sugerem. Aparentemente, como seu equivalente otomano, o harém seljúcida era uma complicada instituição constituída por familiares femininos e masculinos do sultão, que também tinha seus próprios associados e atendentes. Por causa de Ibn Bibi, sabemos que a mãe, irmãs, esposas e concubinas do sultão podiam estar presentes no harém real ao mesmo tempo. O harém seljúcida era, portanto, uma casa que comportava diversas gerações de mulheres, além de filhas e meninos. O harém também possuía eunucos e servas que realizavam funções administrativas e domésticas. Como os otomanos, os seljúcidas, pelo menos no século XIII, parecem ter seguido uma política de “uma mãe, um filho”. Isso significava que uma esposa ou concubina que desse à luz a um menino era excluída, consequentemente, de ser parceira sexual do sultão, passando para o grupo de mulheres pós-sexuais. Novamente, como no harém otomano, no tempo dos seljúcidas, parece que estas mulheres pós-sexuais, incluindo a mãe e as consortes do sultão, tinham o status mais elevado na hierarquia do harém. Tal qual os sultões no início do período otomano preferiam mulheres cristãs, parece que o mesmo era verdade para os seljúcidas, como a tabela genealógica discutida acima sugere. As mulheres gregas eram claramente dominantes no harém seljúcida. É provável que muitas gerações de mulheres gregas vivessem normalmente, ao mesmo tempo, no harém: a geração mais velha da mãe do sultão e, provavelmente, até mesmo sua avó, as esposas e concubinas do sultão. Em suma, as fontes se referem diretamente à afiliação cristã de pelo menos três mulheres gregas: estas foram, primeiro, a mãe desconhecida de Ghiyath al-Din Kaykhusraw I; a segunda, Mahpari Khatun, a mãe de Ghiyath al-Din Kaykhusraw II; e terceira, Prodoulia, mãe de ‘Izz al-Din Kaykhusraw II. Podemos acrescentar a elas a esposa georgiana de Ghiyath al-Din Kaykhusraw II, Tamar, ou Gurji Khatun. 

Fontes contemporâneas também indicam que as mulheres reais tinham a permissão de praticar o cristianismo livremente. Em 1243, o imperador latino Balduíno II (1237-61), em sua carta à rainha Branca de Castela, menciona suas recentes negociações com o sultão seljúcida Ghiyath al-Din Kaykhusraw II, que pediu a mão de uma princesa da família de Balduíno. De acordo com Balduíno II, Kaykhusraw II prometeu que a princesa latina gozaria de completa liberdade na religião, que teria uma capela no palácio e seria acompanhada por padres. O sultão aponta que esta era uma prática comum na corte seljúcida, visto que sua própria mãe grega (Mahpari Khatun), observava os ritos cristãos durante a vida de seu pai. A princesa latina seria a quarta esposa cristã do sultão, mas a união nunca tomou forma. 

Ghiyath al-Din Kaykhusraw II, da mesma forma, prometeu à rainha georgina Rusudan, que sua filha, Tamar, teria a permissão de manter sua religião cristã em seu casamento em 1238. A princesa georgiana foi acompanhada por eclesiásticos cristãos seniores e seus assistentes. Adotar o Islã, mais tarde, em sua vida, não a impediu de ser patrona de uma igreja em Beliserama, Capadócia, nos anos de 1280, muito depois da morte do sultão, mantendo, assim, seus laços com seus súditos na comunidade cristã. 

Não sabemos muito sobre os servos cristãos das esposas gregas. Um certo Fakhr al-Din Siwastus era escravo de Mahpari que, julgando por seu segundo nome, era grego. Nos anos 1240 ele desempenhou um papel proeminente como apoiador de Rukn al-Din Qilich Arslan IV. Mais um exemplo: um dos associados de Gurji Khatun nos anos de 1280 era um certo Basileios Giagoupes, que foi representado junto a Gurji Khatun num afresco na Igreja de São Jorge em Beliserama, Capadócia. É apropriado, talvez, aduzir um paralelo com a Horda Dourada, apesar de as práticas da Horda Dourada em relação às mulheres diferirem consideravelmente em comparação com as práticas anatolianas. A esposa bizantina de Khan Özbeg (1313-41), que era conhecido na Horda Dourada sob o nome de Bayalun, era provavelmente Maria, a filha ilegítima do imperador Andronikos II. No início dos anos 1300 ela se casou com Tuqtay (1291-1312); após a morte dele, ela se tornou esposa de seu sobrinho, Özbeg Khan. Ibn Battuta dá uma descrição detalhada de sua comitiva, no qual um espaço proeminente era ocupado pelos gregos: escravas gregas, junto a escravas turcas e núbias, num total de cem; camareiros gregos, duzentos soldados gregos na escolta, liderados por um certo Miguel Lulu, o Grego; bem como seu comissário grego, Saruja. Portanto, uma mulher grega no harém poderia ter vários compatriotas dentre seus acompanhantes, tanto mulheres quanto homens de diferentes status, desde escravos até administradores. 

Julgando por estes casos, é possível sugerir que a presença de uma igreja ou capela, ícones, padres e acompanhantes cristãos seria uma prática normal no harém seljúcida. Em outras palavras, o harém possuía o tipo de infraestrutura religiosa e cultural cristã que tornava possível o funcionamento e continuação de uma vida interior cristã. Vahit Macit Tekinalp argumentou, recentemente, que a Eflatun Mescit, uma igreja devastada, na Cidadela de Konya, e a igreja do palácio seljúcida de Alanya eram mantidas pelos sultões para, provavelmente, serem usadas por suas esposas cristãs, bem como por outros associados e servos cristãos da corte seljúcida. Tekinalp mostra que a igreja em Alanya foi reparada, ou mesmo construída, ao mesmo tempo que ‘Ala al-Din Kayqubad I estava construindo seu palácio. O interior da igreja de Alanya não possui indícios de ter um mihrab, mostrando que nunca foi convertida em uma mesquita. Em relação à Eflatun Mescit em Konya, Tekinalp argumenta, convincentemente, que a igreja de Eflatun foi convertida em uma mesquita muito tempo depois, entre 1466 e 1476. Além disso, sugiro que as igrejas-castelo em Ispir e Bayburt, que são trebizondinas em tipo, devem datar de não antes que o século XIII, eram, da mesma forma, construídas para acomodar o harém predominantemente cristão dos governantes muçulmanos. É possível que a situação no antigo harém imperial otomano até a segunda metade do século XIV fosse similar. De fato, os primeiros governantes otomanos, de Osman até Bayezid I, tinham esposas e concubinas cristãs, enquanto uma delas, Teodora, filha de João VI Kantakouzenos, até encorajou os convertidos ao Islã para retornar para sua antiga fé, o cristianismo, assim, manifestando sua identidade cristã. 

A contínua aderência destas mulheres reais à fé cristã e a presença de padres e acompanhantes cristãos em sua comitiva não era única à Anatólia e terras vizinhas. Por exemplo, quando Maria, a filha ilegítima de Miguel VIII Palailogos, se tornou esposa de Abaqa Khan em 1265, ela manteve sua religião cristã na corte mongol. Ela chegou na corte na companhia de Theodosios Prinkips, o abade do monastério Pantocrator, que, como escolta da noiva, foi confiado com sua riqueza pessoal e uma igreja portátil feita de tenda com tecidos caros. Após a morte de Abaqa em 1282, ela retornou para Bizâncio e se tornou uma freira, passando a se chamar Melane. Várias princesas do Grande Komnenoi de Trebizonda se casaram com emires e sultões muçulmanos vizinhos e muito provavelmente continuaram a confessar o cristianismo. O relato mais detalhado da vida de uma princesa trebizondina num ambiente muçulmano é a sobre Teodora Komnene (do Grande Komnenoi), a esposa do sultão de Aq Qoyunlu, Uzun Hasan. De acordo com viajantes italianos na Pérsia, Teodora manteve sua religião cristã e tinha uma capela na corte com padres ortodoxos e empregadas gregas das nobres famílias trebizondinas. Como podemos ver, a preservação da identidade cristã pelas noivas gregas em ambientes não-cristãos era uma prática normal na vasta região que compreende a Anatólia e a região oeste do Irã. 

A evidência da Lei Canônica bizantina 

Aqui, gostaria de fazer uma breve digressão para colocar a questão dos casamentos mistos entre muçulmanos e cristãos na Anatólia Seljúcida num contexto histórico mais amplo. Nos dias do Patriarca de Constantinopla, Loukas Chrysoberges, entre 1157 e 1170, alguns “Agarenos” (ou seja, turcos anatolianos) apareceram no Santo Sínodo e, quando foram requeridos ao batismo, disseram que padres ortodoxos em sua pátria já tinham administrado este rito para si. A investigação do sínodo revelou que era um costume na Anatólia que todas as crianças muçulmanas aceitassem o batismo porque seus pais tinham medo que, do contrário, seus filhos fossem possuídos por demônios e passariam a feder como cães. O sínodo decretou que o batismo dos agarenos, neste caso, era um remédio, um amuleto, ao invés de um purificador espiritual. Portanto, seu batismo não era aceito como válido. Mais ainda, alguns destes agarenos afirmaram que suas mães eram ortodoxas que os batizaram através de padres ortodoxos. Com “mães ortodoxas”, é claro que eles querem dizer de mulheres gregas anatolianas que se casaram com muçulmanos locais. Apesar disso, o sínodo decidiu que estes agarenos meio-gregos deveriam ser batizados novamente porque a igreja não tinha evidência sólida, substanciada por testemunhas, de que o batismo realmente ocorreu e que o procedimento correto foi seguido. 

O problema dos agarenos batizados permanece corrente ao longo dos séculos XII ao XIV, e foi discutido novamente por dois canonistas ortodoxos famosos: Teodoro Bálsamo, no fim do século XII e por Mateus Blastares, no século XIV. Enquanto Bálsamo simplesmente repete as decisões do Patriarca Loukas Chrysoberges, Blastares adiciona novos detalhes em relação ao batismo dos agarenos. Ele mantém que muitos agarenos não circuncisavam seus filhos antes de os padres cristãos os batizarem. Portanto, as crianças muçulmanas eram batizadas primeiros e só depois eram circuncisadas. 

Autores ocidentais dão detalhes adicionais sobre os casamentos mistos e as crianças que nasciam destas uniões. Os historiadores latinos das Cruzadas perceberam um grupo específico de Turkopouli (“filhos dos turcos”) na Anatólia que nasceram de mãe grega e pai truco. No início do século XIV, o soldado e cronista catalão Ramon Muntaner relatou que os turcos da Anatólia Ocidental se casavam com garotas de famílias gregas nobres. É especialmente interessante porque os meninos destes casamentos mistos “se tornavam turcos e eram circuncisados”, enquanto as meninas tinham liberdade de escolha na religião. A mesma diferença entre afiliação religiosa de meninos e meninas foi relatada por Ludolf von Suchen em meados do século XIV. Von Suchen sustenta que quando os turcos se casavam com mulheres cristãs, os meninos dos casamentos mistos seguiam a religião muçulmana de seus pais, enquanto as meninas mantinham a fé cristã de suas mães. No entanto, como vimos nos textos canônicos bizantinos, os meninos também podiam ser batizados por suas mães. 

Estes relatos confirmam que, primeiro, casamentos mistos entre muçulmanos e gregas eram comuns ao longo dos séculos e que, segundo, os filhos de casamentos muçulmanos e casamentos mistos eram batizados de acordo com os ritos greco-ortodoxos. A popularidade dos casamentos mistos nas terras muçulmanas foi claramente demonstrada por uma passagem do historiador bizantino do século XV, Doukas, que, com considerável arrogância, fez a seguinte observação sobre os turcos otomanos: 

“O povo desta nação desavergonhada e selvagem, além do mais, faz o seguinte: se capturam uma mulher grega ou italiana, ou uma mulher de outra nação, ou uma cativa ou desertora, eles a abraçam como uma Afrodite ou Sêmele, mas uma mulher de sua própria nação ou falante de sua própria língua, a detestam como se fosse um urso ou uma hiena.” 

A predominância das mulheres gregas no harém seljúcida, parece, portanto, ser uma mera versão real de uma prática comum na Anatólia Muçulmana. As mulheres gregas eram valorizadas como as parceiras mais prestigiadas para casar-se dentre todos os estratos da sociedade muçulmana. Eram as mulheres gregas que guiavam seus maridos e mestres muçulmanos no refinado estilo de vida bizantino e no mundo do luxo bizantino, introduzindo, dentre outras coisas, novos pratos e formas de estruturar a casa. Apesar de a informação sobre a política de casamento seljúcida nos séculos XI e XII ser escarça, parece altamente provável que o harém seljúcida tenha sido modelado em linhas similares às de outros estratos da sociedade muçulmana anatoliana, com uma preferência no casamento com mulheres gregas que, por sua vez, agiam como mediadoras para o antigo mundo do “império dos Romanos”. 

A fé cristã 

Sangue grego corria nas veias dos sultões seljúcidas cujas mães e avós eram mulheres gregas, geralmente de ascendência nobre. Estes laços sanguíneos dos sultões com os gregos são extremamente importantes para entender o ambiente cultural na corte seljúcida. Não podemos subestimar o impacto de várias gerações de mulheres gregas no harém. Sua presença afetou, inevitavelmente, a experiência cultural dos príncipes e princesas seljúcidas, incluindo até mesmo aqueles que nasceram de esposas e concubinas muçulmanas, mas que viviam no harém com seus membros gregos. Tal influência era inevitável, visto que as mulheres cristãs continuavam a confessar o cristianismo, orar nas igrejas do harém e estar rodeadas de acompanhantes, servos e padres cristãos. Em outras palavras, as mulheres cristãs tinham todos os pré-requisitos necessários para replicar a cultura cristã – apesar de, em geral, apenas nos confins de seu pequeno mundo do harém, o mundo íntimo de mulheres e crianças. Significativamente, o cristianismo e a cultura bizantina (língua e costumes) existiam no harém não como uma relíquia da antiga vida daquelas mulheres, mas como um vívido sistema que contribuía com a modelagem do futuro. 

Visto que os meninos eram criados por suas mães no harém até chegarem aos 10 ou 11 anos, sugerimos que, no harém, os futuros sultões se familiarizaram com a cultura e os costumes bizantinos, além dos conceitos e ritos básicos da fé cristã. Em um caso, sabemos, com certeza, que príncipes infantes foram batizados em Konya. Refiro-me ao escândalo em relação à identidade cristã do sultão ‘Izz al-Din Kayka’us II e seus filhos (que podem ser identificados como Ghiyath al-Din Mas’ud, Rukn al-Din Gayumarth e Constantino Melikes (ou Malik Constantino) e Sabbas, como os dois últimos eram conhecidos em Bizâncio). De acordo com o testemunho do metropolita pisidiano Makarios, ‘Izz al-Din Kayka’us II e seus filhos foram batizados muito antes da fuga do sultão e de sua família para Constantinopla em 1261. Na verdade, parece que os filos do sultão foram batizados ao nascerem. Durante a estadia do sutlão ‘Izz al-Din e sua família em Constantinopla, o Patriarca de Constantinopla, Arsenios, confiando no testemunho de Makarios, tratou-lhes como bons cristãos, permitindo-lhes que participassem os serviços religiosos. Depois da fuga de ‘Izz al-Din Kayka’us II de Bizâncio até a Horda Dourada, a afiliação cristã do sultão foi questionada e o patriarca Arsenios foi acusado de ter uma conduta canonicamente inadmissível com os infiéis. Quando Kayka’us II ficou sabendo do julgamento contra o patriarca, ele contactou Constantinopla desde a Crimeia e, de maneira surpreendente, afirmou que era um cristão de verdade e que tinha a evidência necessária para provar isso. 

É importante notar que, conectado a este interessante caso, se os infantes reais tivessem sido batizados da maneira correta (como o metropolita Makarios insistiu), eles ostentariam nomes batismais cristãos além de seus nomes muçulmanos. Infelizmente, não conhecemos os nomes cristãos de ‘Izz al-Din Kayka’us II ou de seus filkhos, Ghiyath al-Din Mas’ud II e Rukn al-Din Gayumarth. No entanto, graças às fontes bizantinas, sabemos que outro filho de ‘Izz al-Din foi provavelmente batizado como Constantino – um nome elevado que soa bastante imperial – apesar de não termos informações sobre seu nome muçulmano oficial. 

Além de ‘Izz al-Din Kayka’us II e seus filhos, o avô de ‘Izz al-Din, Ghiyath al-Din Kaykhusraw I, era cristão. Ghiyath al-Din Kaykhusraw I, sendo expulso do sultanato por seu irmão Rukn al-Din Sulayman II, viveu em Constantinopla, exceto por um breve intervalo entre 1197 e 1203. É dito que ele foi batizado lá e adotado pelo imperador, Alexios III Angelos, o que significa que o imperador se tornou padrinho do sultão. Como Ruth Macrides sugere, não é impossível que ele tenha sido adotado pelo imperador. Kaykhusraw I mantinha relações amistosas com Teodoro Laskaris, o futuro fundador do Império de Niceia. Ele se dirigia à esposa de Laskaris, Anna, como “irmã”. Na verdade, Anna era a filha de Alexios III Angelos e, naturalmente, o sultão, como filho espiritual de seu pai (ou filho adotivo) considerava Anna como sua irmã. Um eco distorcido destas relações pode ser encontrado na tradição seljúcida que diz que a mãe de Kaykhusraw I era a “irmã da mulher de Kaluyan-tafur). Sem dúvidas, Kaluyan-takfur é Alexios III. Esta asserção não é verdadeira, em termos formais, mas reflete de maneira acurada as relações familiares entre o sultão e o imperador. É plausível que ele tenha sido batizado por sua mãe, porque Niketas Choniates o qualifica como “um cristão da parte de mãe”. De qualquer forma, Ghiyath al-Din Kaykhusraw I foi rebatizado (ou batizado?) em Constantinopla pelo imperador Alexios III, como já mencionado. 

Algumas informações adicionais sobre os batismos dos príncipes das casas governantes da Anatólia podem ser encontradas em fontes tardias. Por exemplo, o batismo de crianças nobres muçulmanas é mencionado por Bertrandon de la Broquière, que visitou a Anatólia Muçulmana em 1432. Ele relata que Ramazan, um chefe tribal turcomeno do sudeste da Anatólia foi batizado por sua mãe grega para purificá-lo de um odor desagradável. Quando Bertrandon visitou Konya, ele escutou uma história similar sobre o filho de Ibrahim Beg de Karaman, cuja mãe grega, da mesma forma, o batizou de acordou com o rito grego de afastá-lo do mau odor. Tais costumes também foram relatados por autores do século XVI e XVII (como Busbecq e Casalius). Os cristãos anatolianos acreditavam que o batismo das crianças purificava elas de um “odor ruim” similar ao “odor de cão”, como os cânones bizantinos explicam. Isto, de acordo com F.W. Hasluck, era uma maneira de cristãos locais (presumivelmente gregos e armênios) de explicarem as estritas regras muçulmanas de pureza ritual, como a ablução antes da oração. 

Dada a popularidade do batismo entre os muçulmanos anatolianos, podemos apenas especular que outros sultões e príncipes seljúcidas podem ter sido batizados por suas mães. Não ficaria surpreso se uma maioria dos governantes seljúcidas e, especialmente aqueles que tinham mães cristãs, tivessem experienciado o batismo. Esta filiação cristã dos sultões é confirmada pela política seljúcida para com os cristãos locais. De acordo com um autor grego do final do século XIII, os cristãos gregos ainda eram numerosos na Anatólia Muçulmana e realizavam seus ritos livremente. As igrejas ortodoxas, armênias e monofisistas funcionavam no sultanato sem quaisquer obstáculos ou entraves. A julgar pelos documentos do Patriarcado de Constantinopla, as autoridades da igreja em Constantinopla continuaram a administrar bispados ortodoxos na Anatólia e a resolver disputas na comunidade ortodoxa. A atitude pessoal e o comportamento dos sultões em relação aos cristãos locais era, da mesma forma, bastante favorável, como testemunhado pelas relações calorosas de ‘Izz al-Din Kayka’us II e o abade Mar Dionysios, cujo monastério de Bar Sawma, perto de Malatya, foi visitado pelo sultão em 1259. Há vários outros exemplos similares. A política seljúcida para com as igrejas cristãs na Anatólia merece um estudo mais aprofundado. 

A Língua Grega 

Outra importante consequência da experiência do harém para os príncipes seljúcidas foi linguística. O papel da língua grega na vida dos estados muçulmanos da Anatólia, incluindo o Sultanato Seljúcida, não foi investigado adequadamente. Informações sobre a língua grega na corte seljúcida e sobre o nível de seu conhecimento pela elite é muito escassa; no entanto, temos algumas evidências que indicam que o grego estava longe de ser uma língua alienígena para eles. Como Cahen observou, os refugiados reais seljúcidas costumavam ir para Bizâncio, raramente para os países muçulmanos da região. Na verdade, começando no fim do século XI, o destino comum de um soberano ou nobre seljúcida refugiado era Bizâncio. Portanto, devemos questionar que língua estes nobres refugiados usavam para se comunicar com os gregos bizantinos. Nem as fontes bizantinas, nem as seljúcidas, em seus extensivos relatos sobre a vida os sultões refugiados em Constantinopla, mencionam o uso de intérpretes entre o imperador e o sultão. Isto se deu, provavelmente, porque os sultões refugiados falavam grego. Em dois exemplos, Ibn Bibi implica que o sultão Ghiyath al-Din Kaykhusraw I falava grego. O primeiro caso é a visita do hajib Zakariya (que era grego, provavelmente) à corte de Manuel Mavrozomes em 1204 ou 1205. Quando Zakariya apareceu perante Mavrozomes e o sultão, o último o reconheceu e, pedindo desculpas a Mavrozomes, “imediatamente mudou para o persa” (para que Mavrozomes não os entendesse) e disse para seus servos tomarem conta de Zakariya. Qual língua o sultão falou com Mavrozomes antes de trocar para o persa? Obviamente, deve ter sido grego. Portanto, devemos derivar algumas conclusões importantes desta história. Primeiramente, naquela época a língua persa, além de seu status oficial e cultural na sociedade seljúcida, era usado como a língua primária de comunicação entre os sultão e seus servos. Segundo, o sultão se comunicava com seus hóspedes gregos em grego, usando o persa apenas para confirmar que eles não entenderiam o que seria dito aos seus servos. 

O segundo caso lida com a batalha de Antióquia do Meandro, entre as forças de Ghiyath al-Din Kaykhusraw I e Teodoro Laskaris em 1211. Quando os dois governantes se encontraram no campo de batalha, Kaykhusraw I atraiu a atenção do imperador exclamando: “Ay kundus!”. Ibn Bibi traduziu “Kundus” como “careca, calvo”. No entanto, parece que Ibn Bibi não compreendeu bem a palavra que, na verdade, era o equivalente do grego “kondós”: baixo, homem baixo). A definição “kondós” (baixo), faz sentido no contexto da narrativa: Kaykhusraw I era um homem muito grande e muito alto, enquanto Teodoro era, de fato, baixo. O sultão, então, se dirigiu ao imperador de forma pejorativa e humilhante ao desafiar seu inimigo para a batalha. Aqui, o historiador persa fez o sultão falar grego. 

Referências ao conhecimento de grego pelas crianças de casamentos mistos podem ser encontrados em fontes contemporâneas. Assim, Anna Comnena, a princesa e escritora bizantina da primeira metade do século XII, afirma mais de uma vez que tais crianças falavam grego e, sendo bilíngues, às vezes atuavam como tradutoras; ela os chama de “meio-bárbaros falantes de grego”. Os turcos de Aydin falaram grego durante as negociações com João Kantakouzenos em 1331; com toda probabilidade, os homens negociando com os gregos eram filhos de casamentos mistos entre turcos e gregos. Finalmente, conforme relata um viajante italiano anônimo no início do século XV, as duas filhas de Teodora Komnene com Uzun Hasan eram bilíngues, falando tanto a língua local (persa e túrquico?) e grego pontico como sua mãe. Esta evidência implica que os filhos dos casamentos mistos eram, geralmente, bilíngues. 

Estou inclinado a sugerir que a maioria dos membros da casa governante seljúcida falavam grego em algum nível, especialmente aqueles cujas mães eram gregas. Se for o caso, a fuga dos sultões seljúcidas para Constantinopla era compreensível: lá eles se encontravam num ambiente cultural confortável que lhes era familiar desde sua experiência da infância no harém. Em Constantinopla, os refugiados seljúcidas se encontraram com seu mundo infantil, dominado pela fé cristã e pela língua e costumes dos gregos. 

As fontes fornecem informações escassas sobre o papel da língua grega falada na corte do sultão, bem como entre a nobreza e a elite intelectual do sultanato. Ainda assim, temos evidências valorosas que sustentam que a língua grega era conhecida pelos nobres seljúcidas. Ibn Bibi relata que já mencionado hajib Zakariya era fluente nas cinco línguas da Anatólia, que eram, provavelmente, grego, persa, turco, armênio e árabe. Como autor persa, Ibn Bibi é incomum em sua inclusão de palavras gregas em seu texto, palavras que podem ter entrado na língua persa anatoliana da época. Em sua cobertura da guerra entre os seljúcidas e o Império de Trebizonda em 1214, Ibn Bibi nos informa que o rascunho do tratado de paz entre ‘Izz al-Din I e o Grande Komnenos Alexios I foi compilado pelos nutaran do sultão, ou seja, os secretários gregos da chancelaria. O uso oficial da língua grega pela chancelaria seljúcida é bastante conhecido. Uma epístola grega de 1216 de ‘Izz al-Din Kayka’us I ao rei cipriota Hugo I de Lusignan é um autêntico produto de secretários gregos. A produção grega das chancelarias muçulmanas anatolianas também pode ser vista na epigrafia grega nas primeiras moedas turcomanas e nas inscrições oficiais seljúcidas em grego em edifícios, como a de 1215 na torre da Cidadela de Sinop. Este é apenas um exemplo de como a língua grega era usada em afirmações simbólicas do poder político muçulmano. 

Além disso, Ibn Bibi usa o termo de origem grega “fasiliyus” para se referir ao imperador bizantino e usa duas vezes o termo de origem grega “qadirghaha” para se referir a um navio de guerra. Além do mais, a tradução turca do século XV de Ibn Bibi por Yazicizade Ali contém uma longa expressão grega transliterada em escrita árabe: أيستم بستم متى خر ستو بنايا (istim bistim mata khristu mata banaya), que em escrita grega é: εἰς τὴν πίστιν , μὰ τὸ Χριστὸ , μὰ τὴ Παναγιά! – “juro por minha fé, por Cristo, e pela Virgem!”. Este era o juramento que o imperador Alexios III Angelos fez a Kaykhusraw I antes do bastante conhecido duelo entre o sultão e um cavaleiro franco em Constantinopla em algum momento de 1203. Estou inclinado a apoiar a sugestão de Dmitri Korobeinikov de que esta exclamação grega foi, mais provavelmente, tomada por Yazicizade Ali de uma cópia do trabalho de Ibn Bibi que não sobreviveu. 

Entre os intelectuais anatolianos, Ibn Bibi não era o único em seu interesse pelo vocabulário grego. Jalal al-Din Rumi e seu filho, Sultan Walad, que, ambos, se casaram com mulheres gregas, escreveram versos bastante extensos em grego coloquial, usando a escrita árabe, que foram decifrados por Burguière e Mantran. Versificar em grego não era, portanto, um capricho bizarro de dois homens de gênio, mas, quando colocado em contexto, ao invés disso, indica o interesse da elite muçulmana pela língua grega e a prevalência desta na Anatólia Seljúcida. 

Conclusão: Sultões Seljúcidas Anatolianos e a Identidade Dupla 

Delineei neste estudo várias questões que requerem uma elaboração mais aprofundada sobre a base das fontes disponíveis sobre os espaços culturais orientais e ocidentais. Meu estudo não reivindica resolver todas as questões levantadas, ao invés disso, tenta apontar novas perspectivas possíveis para pesquisas futuras. Estas questões incluem o estudo sistemático da história do harém seljúcida e o posicionamento das mulheres na sociedade seljúcida, o papel do elemento étnico grego e da língua grega na Anatólia Muçulmana e o funcionamento do Cristianismo Ortodoxo nas terras muçulmanas anatolianas. No entanto, algumas conclusões preliminares devem ser feitas. O cristianismo e a língua grega eram partes indispensáveis do ambiente cultural e religioso da Anatólia Muçulmana. Mais ainda, o cristianismo e a língua grega não eram exteriores à cultura muçulmana local, mas formavam alguns de seus elementos constituintes. Esta profunda helenização era uma característica da cultura dos seljúcidas da Anatólia, o que os fazem diferentes de quaisquer outras sociedades muçulmanas do Oriente Próximo. 

Sugiro que ao menos três seljúcidas anatolianos – Ghiyath al-Din Kaykhusraw I, seu neto ‘Izz al-Din Kayka’us II e o filho dele, Mas’ud II – tinham uma identidade dupla cristã e muçulmana, uma identidade que se tornou mais complicada pela dupla identidade túrquica/persa e grega. É possível que ‘Ala al-Din Kayqubad I e ‘Izz al-Din Kayka’us I, que passou muito tempo com seu pai, Ghiyath al-Din Kaykhusraw I em Bizâncio, tivessem o mesmo tipo de identidade dupla. Além disso, parece plausível que Ghiyath al-Din Kaykhusraw II, o filho de ‘Ala al-Din Kayqubad I com uma esposa grega, fosse ele próprio outro sultão que expressou grande interesse pelas mulheres gregas, tivesse uma dupla identidade confessional e étnica. O mesmo pode ser dito sobre o filho de Kaykhusraw II, Rukn al-Din Qilich Arslan IV, bem como ‘Ala al-Din Kayqubad II, cuja identidade incluia elementos turcos/persas muçulmanos e georgianos cristãos. 

Claude Cahen enfatizou repetidamente a tolerância religiosa dos seljúcidas anatolianos, excepcional para o mundo muçulmano. Preferira interpretar o local do cristianismo e da língua grega na identidade seljúcida de maneira diferente. Vou aduzir mais um paralelo à situação seljúcida. Uma descrição sintomática de um fenômeno similar pertence ao continuador de Bar Hebraeus. Ele descreve Baidu, o khan mongol do Irã que governou por apenas alguns meses em 1295. Baidu era próximo da princesa bizantina Maria, a esposa de Abaqa, e por causa dela tinha uma disposição favorável para com os cristãos e até se referia a si mesmo como cristão. No entanto, em algum momento, ele adotou o Islã. O continuador de Bar Hebraeus descreve a identidade de Baidu assim: “Para os cristãos, ele costumava dizer: ‘Sou cristão!’, e ostentava uma cruz em seu pescoço. Para os muçulmanos, ele mostrava que era muçulmano, mas era incapaz de aprender as abluções e os jejuns.” O autor siríaco dá um excelente exemplo de um tipo de identidade, que chamarei de identidade dupla. 

A identidade dupla supões que uma das duas identidades está em modo ativo, enquanto o outro está em modo de descanso. Quando em um ambiente cristão, essas pessoas se identificariam como cristãs, descansando sua identidade muçulmana. Eles iriam, no entanto, abraçar sua identidade muçulmana quando estivessem num espaço muçulmano, deixando sua persona cristã em descanso enquanto isso. Tal paradigma tem pouco a ver com tolerância religiosa e cultural propriamente dita, porque tolerância é a habilidade tolerar os outros, enquanto os sultões tinham as duas religiões e as duas culturas. Claro, tal paradigma é completamente diferente sincretismo religioso ou cultural, que significa combinar elementos de dois mundos diferentes. Diferentes crenças, línguas e modos de vida, aparentemente, estavam presentes sem mistura na mentalidade de tais pessoas. A depender das circunstâncias, uma das duas partes deste eu-duplo era ativado enquanto a outra recuava num estado de descanso. 

Texto original: Harem Christianity: The Byzantine Identity of Seljuk Princes