Entre turbantes e gorros: a história dos chapéus islâmicos
Autor: Abu Ayyub 15/08/2024Ao longo da história, de sultões e sábios a guerreiros e pessoas comuns, os homens muçulmanos cobriram suas cabeças não só por uma questão de costume ou praticidade, mas também para denotar posição, afiliação, status e dignidade e para distinguir os homens muçulmanos dos não-muçulmanos. Cobrir a cabeça era tão importante para o homem que em algumas culturas islâmicas raramente se via um homem com a cabeça descoberta. Enquanto as coberturas diferiam de região para região, de clima para clima, o ato de cobrir a cabeça para os homens muçulmanos saiu de moda no mundo moderno. Hoje, o cobrimento regular da cabeça é usualmente encontrado apenas entre os sábios islâmicos e observantes, enquanto pequenos gorros dobráveis são ocasionalmente usadas por alguns muçulmanos antes da oração ou de outros atos de adoração. Este artigo explorará a colorida e bela tradição da cobertura da cabeça para homens e seu gradual desaparecimento do uso diário.
O Turbante
É sabido que o Profeta Muhammad ﷺ usava um turbante e encorajava seus companheiros fazerem o mesmo. Vários hádices documentam que o Profeta Muhammad ﷺ era visto usando um turbante com a sua cauda pendurada entre os ombros. Ibn Umar relatou: “Quando o Profeta amarrava seu turbante, ele pendurava sua cauda entre seus abençoados ombros”. [1]
Durante a Libertação de Meca, no oitavo ano hegírico, o Profeta Muhammad ﷺ usou um turbante preto quando entrou na cidade; mais tarde, foi dito que muitos dos ansares, ou companheiros do Profeta da cidade de Medina, usaram turbantes amarelos. Da mesma forma, é registrado que os anjos que foram ajudar os muçulmanos na Batalha de Badr usavam turbantes de cor dourada em homenagem a Zubayr ibn al-Awwam (ra) por sua bravura no campo de batalha.
Num hádice, é relatado que o Profeta Muhammad disse, “O turbante é a coroa dos árabes”. Apesar de ser classificado como fraco, Imam al-Bayhaqi (m. 1066) registrou este hádice em seu Shu’ab al-Imam (Ramos da Fé), que ilustra a importância colocada no turbante como um sinal do Islã.
Após a morte do Profeta ﷺ, os turbantes eram frequentemente usados pelos homens, especialmente pela classe dos estudiosos. Numa famosa história, Imam Malik (m. 795), lembra que quando ele era criança, quando estava indo estudar, sua mãe enrolou um turbante em volta da sua cabeça, pegando a ponta do turbante e o enrolando sob e sobre seu queixo para completar seu conjunto. Imam Malik adicionou, mais tarde, “O turbante é vestido desde o início do Islã e não deixou de ser usado até nossos dias. Não vi nenhuma pessoa de excelência que não usasse o turbante”. [2]
Ilustração de um manuscrito do século XIII do Maqamat al-Hariri de Yahya al-Wasiti, Bagdá (1237).
Entre os estudiosos, até hoje, os turbantes de diferentes tipos e estilos são usados para conectar aquele que o usa a uma escola, posição religiosa ou tradição espiritual em particular. Os estudantes que memorizaram o Alcorão, completaram seus estudos islâmicos ou cumpriram uma obrigação religiosa têm turbantes que são cerimoniosamente enrolados ao redor de suas cabeças por seus professores para celebrar sua conquista. No Egito, o famoso chapéu de feltro vermelho com borlas e um turbante estreito enrolado na base indica um graduado na Universidade de al-Azhar, uma das universidades islâmicas mais prestigiadas do mundo, enquanto os estudantes da Dar al-Mustafa, no Iêmen, ou de um Darul Ulum, podem ser identificados similarmente por causa do turbante que usam. Na Turquia e nos Bálcãs, um rígido chapéu vermelho com um amplo turbante branco é usado por todos os imames e khatibs nomeados pelo governo.
Turbantes e coberturas para a cabeça também eram formas fáceis de identificar a afiliação política de uma pessoa. Durante o período Abássida (750–1258), vestes pretas eram usadas pela dinastia para identificar membros e apoiadores, com turbantes e roupas negras sendo utilizadas pelo califa e sua corte, incluindo funcionários, estudiosos e khatibs. Durante o governo amazigue do Norte da África e de al-Andalus, os almorávidas (c. 1050–1147) eram particularmente notados por usarem o litham (ou véu) para homens, refletindo suas origens nômades na África Subsaariana. No entanto, quando os almorávidas foram derrubados pelos almóadas (1121–1269), o uso do litham foi banido, permanecendo apenas o turbante de estilo berbere que era popular nas regiões do Atlas no sul do Marrocos.
Miniatura otomana. Şehname-i Selim Han (1581).
Chapéus e Identidade
Nos períodos mameluco (1260-1517) e otomano (1299–1922), os chapéus se tornaram tão padronizados na sociedade que o tipo de turbante, seu tamanho, estilo de embrulho, cor e material eram importantes indicadores sobre quem o vestia, sua ocupação e posição. Quase todos os membros da sociedade vestiam chapéus, o que também ajudava a distinguir comunidades religiosas. Durante o período otomano, dizia-se que os muçulmanos usavam chapéus brancos, judeus vestiam verde, zoroastristas usavam preto e cristãos, azul [3].
Retrato de Suleiman, o Magnífico, por Ticiano (c. 1530).
Os chapéus também carregavam uma significância espiritual especial para alguns. É dito que sultões otomanos e oficiais de alta patente enrolavam seu kafan (mortalha) em volta de seus chapéus de turbante não só para lhes recordar da morte e da outra vida, mas para também lembrar-lhes de reger e governar de maneira justa, de acordo com a Shariah.
Membro da Ordem Mevlevi (1809).
Com a ampla aceitação do sufismo nos séculos XII e XIII em diante, os chapéus também eram usados para distinguir diferentes ordens espirituais. Desde o famoso chapéu de feltro da Ordem Mevlevi, famosa por seus dervixes rodopiantes, até o taj pontudo dos Naqshbandi-Haqqani e seus grandes turbantes coloridos. Chapéus costumavam indicar membros afiliados e até as posições dos indivíduos na ordem. Embora a cor verde ocupe um lugar especial entre os muçulmanos, sendo uma das cores favoritas do Profeta Muhammad ﷺ, turbantes verdes eram bastante associados com os ashraf (membros do Ahl al-Bayt) no período otomano [4].
Estudioso do Hejaz, fim do período otomano (1873).
Coberturas para a cabeça também eram importantes para distinguir as diferentes tribos, clãs e grupos étnicos. Na Ásia Central, os nômades túrquicos usavam vários tipos de chapéus de feltro e pele, desde o belamente decorado doppa uigure e o ak-kalpak quirguiz de feltro de abas altas, até o histórico sharbush forrado de pele usado por militares e oficiais seljúcidas durante a Idade Média. Da mesma forma, os afegãos ainda podem ser reconhecidos por seus largos turbantes, ou pelo pakol, um chapéu enrolável de lã usado em todo o Afeganistão e no Noroeste do Paquistão. Enquanto isso, na África Oriental e no Omã, o macio e colorido kuma aindaa é usado pela maioria dos homens, com os jovens omanenses frequentemente moldando o chapéu para refletir o senso de moda, estilo e até mesmo a região do usuário.
Kulliyat de Saadi (1624).
Modernização
Ao fim do século XVIII e início do século XIX, os chapéus muçulmanos, especialmente nos territórios otomanos, passariam por uma grande mudança. Como parte dos esforços otomanos para modernizar o estado e as forças armadas, após uma série de derrotas desastrosas e perda de territórios, o Sultão Mahmud II (m. 1839), introduziu o fez vermelho (ou tarbush), para substituir o turbante na sociedade otomana, com exceção da classe dos sábios, em 1826. Parte deste esforço também era o de homogeneizar a sociedade otomana e substituir as antigas leis de vestimenta que diferenciavam grupos étnicos e religiosos através de roupas e chapéus. Por volta das décadas de 1860 e 1870, o fez era um símbolo universalmente reconhecido do homem muçulmano. Dos Bálcãs à África Oriental, do Marrocos até a Índia, o fez foi usado popularmente, inclusive desenvolvendo variações regionais, como o Rumi topi de Hyderabad [5] e o songkok (ou kopiah) malaio, que se tornou popular após a visita do Sultão Abu Bakar de Johor (m. 1895) à capital otomana em 1866, onde tomou sua forma moderna [6]. Com a maior parte da África sucumbindo às potências coloniais europeias no século XIX, o fez era comumente usado por agentes coloniais, oficiais e soldados nativos.
Fabricantes de Fez, Marrocos (1936).
Este período de colonização junto à fascinação europeia com o oriente também testemunhou uma troca cultural peculiar, onde o fez e o turbante dos muçulmanos entraram na moda europeia. Após a colonização da Argélia pela França em 1830, a moda norte-africana foi particularmente popularizada pelos regimentos franceses de zuaves, infantaria leve nativa que usava a tradicional chechia vermelha com borlas macias em forma de fez junto ao turbante. A imagem do zuave ficou tão popular que pelo menos 70 regimentos zuaves foram criados durante a Guerra Civil Americana, incluindo a chechia. Durante a Inglaterra Vitoriana, os homens usavam o macio smoking cap (ou lounging cap) que foi influenciado pelo estilo médio-oriental. Em 1872, uma sociedade maçônica chama de “A Antiga Ordem Árabe dos Nobres do Santuário Místico”, mais conhecidos como Shriners, adotaram o fez vermelho como chapéu oficial da fraternidade, usada até hoje [7].
Dois homens usando fez. Wiki Commons.
Após a derrota dos otomanos durante a Primeira Guerra Mundial e a formação da nova República Turca, uma Lei do Chapéu foi promulgada em 1925, proibindo o fez e o turbante e promovendo o uso de chapéus em estilo ocidental em seu lugar, um ano após a abolição do Califado. Para a nova liderança, chapéus modernos eram o acessório das nações civilizadas, enquanto o fez e o turbante representavam o atraso. Em outros países, regulamentos e regras relativos à cobertura da cabeça foram aprovados (não tanto para encorajar a modernização, mas mais para enfatizar uma nação unida). Por exemplo, a cobertura foi regulada na Arábia Saudita, onde a gutra (ou keffiyeh) com padrões vermelhos e brancos foi amplamente adotado pelos cidadãos, substituindo estilos regionais como o turbante ghabana do Hejaz ou os acessórios de guirlanda sados pelos homens da tribo Qahtani no sul.
Homem palestino usando uma keffiyeh.
Enquanto a maioria dos homens muçulmanos não usa uma cobertura para a cabeça, celebrações desta longa tradição podem ser encontradas em casamentos muçulmanos, Eids e reuniões. Talvez o uso mais flagrante desta cobertura, no entanto, seja encontrado nos últimos tempos com o uso popular do keffiyeh preto e branco palestino tradicionalmente usado por agricultores. Hoje, a keffiyeh palestina é usada tanto por homens quanto mulheres, muçulmanos e não-muçulmanos, amarrado em volta da cabeça ou pendurado sobre os ombros como um símbolo amplamente adotado não só pela liberdade da Palestina e pelo ativismo pró-Palestina, mas também como um símbolo de resistência contra a opressão, injustiça e ocupação no mundo todo.
Notas:
- al-Tirmidhi, Muhammad ibn Isa, Al-Sham’il al-Muhammadiyya, Jeddah: Dar al-Minhaj, 2006.
- al-Qayrawani, Ibn Abi Zayd, Al-Jami’ fi al-Sunan, Beirut: Ma’ssasah al-Risalah, 1982
- Elliot, Matthew, “Dress Codes in the Ottoman Empire: The Case of the Franks,” Ottoman Costumes: From Textile to Identity, ed. Suraiya Faroqhi and Christopher K. Neumann. Istanbul: Eren Yayincilik, 2004
- Brindesi, Jean Giovanni, Osmanli Kiyafetleri – Ottoman Costumes, Istanbul: Okur Tarih, 2018
- Akbar, Syed, (2021, November 1) Rumi topi defies time, still popular, Times of India.
- Seng, Alan Teh Leam, (2022, May 6) Tale of the Songkok, New Straits Times.
- Our History – 150 Years of Fun and Fellowship
Texto original: “Male Muslim Head Covering Through the Ages”.