"Aladdin" foi um marco na animação da Disney por vários motivos. Ele trouxe uma abordagem mais contemporânea, com um protagonista carismático e um senso de humor moderno. Além disso, o filme contou com uma trilha sonora memorável composta por Alan Menken, que incluiu a famosa canção "A Whole New World" (Um Mundo Ideal), vencedora do Oscar de Melhor Canção Original.

“Aladdin”, de 1992: um sucesso que marcou gerações.

Outro aspecto notável de "Aladdin" foi a animação, que apresentou um estilo visual vibrante e colorido, inspirado nas culturas árabe e persa. Os cenários exóticos, os trajes detalhados e os efeitos visuais impressionantes contribuíram para a imersão dos espectadores nesse mundo encantado.

Além de seu sucesso de bilheteria, "Aladdin" também recebeu elogios da crítica. Foi elogiado por sua história envolvente, personagens cativantes e mensagens positivas sobre amor, amizade e a importância de ser fiel a si mesmo.

A história, por sua vez, é uma típica jornada do herói da Disney: ela acompanha as aventuras de Aladdin, um jovem plebeu de conduta um tanto quanto duvidosa que encontra uma lâmpada mágica contendo um gênio que pode realizar três desejos a quem o invoca através da lâmpada.

Com a ajuda do gênio, que é um tanto quanto camarada, Aladdin tem que enfrentar o maligno mago Jaffar, que, como ele, tenta conquistar o coração da princesa Jasmine, a filha solteira do Sultão da localidade árabe fictícia onde se passa o filme.

O fato dessa localidade ser fictícia, por sua vez, nos leva para as origens do conto que a animação conta: o Aladdin contado pelo filme da Disney de 1992 é, na realidade, uma mistura de histórias e narrativas orientalistas juntadas para formar um conto infantil mais fácil de digerir para o público, uma vez que as histórias originais não são bem assim - e nada têm de infantis -.

A começar pelo lugar: ainda mais do que a história original ou os muitos filmes anteriores ao da década de 90, a inspiração mais direta para a Disney foi The Thief of Baghdad de 1940, do britânico Alexander Korda.

The Thief of Baghdad (1940) de Alexander Korda: a inspiração cinematográfica para Aladdin (1992).

Ambientado em Bagdá, aparentemente, o Aladdin da Disney também deveria ser ambientado na capital iraquiana. Entretanto, como os Estados Unidos estavam bombardeando impiedosamente o Iraque durante a Primeira Guerra do Golfo, quando o filme estava em produção, a Disney julgou prudente mudar o cenário para uma cidade fictícia, chamada Agrabah.

Tanto Aladdin quanto The Thief of Baghdad são esparsamente baseados no conto original do real Aladdin que, por sua vez,  é apenas uma das 1001 histórias do conto conhecido como As Mil e Uma Noites, juntamente com outros contos famosos, tais como o de Sinbad, o Marinheiro e Ali Babá, aquele dos 40 ladrões.

Com raízes no Irã e na Índia, As Mil e Uma Noites - derivado do texto persa médio Hezar Afsan, ou “Os Mil Contos” - é um compêndio de histórias de várias culturas da região circundante, não apenas do Oriente Médio como se pode supor, mas como veremos, de locais e ambientações tão longínquas quanto a China.

Uma dessas histórias é a do personagem chamado Aladdin. Todavia, apesar da semelhança de vários elementos, há pouca semelhança na narrativa e em vários outros elementos que compõem a história verdadeira de Aladdin.

A primeira e mais notável dessas discrepâncias é que Aladdin e sua história originalmente não se passam na Arábia antiga, mas sim na China. Sim, é isso mesmo: em As Mil e Uma Noites, Aladdin é um conterrâneo de Confúcio e Lao-Tsé.

Isso pode parecer estranho inicialmente, mas devemos lembrar que o Islã e os árabes são presentes na China desde o século VIII, de modo que o Dar al-Islam (o “Lar do Islã”, o mundo islâmico) e a China nunca foram mundos totalmente separados, seja devido aos primeiros contatos muçulmanos com o distante império Tang, seja por causa do poderoso legado mongol que uniu a Pérsia e a China no final do período medieval.

Hoje, 10 dos 56 grupos étnicos reconhecidos na República Popular da China são predominantemente muçulmanos - e isso inclui os Hui, muçulmanos chineses -, habitando principalmente as províncias ocidentais. Muitos leitores, portanto, interpretaram Aladdin como referindo-se à região do Turquestão da Ásia Central, que até hoje concentra uma maioria muçulmana de origem túrquica, mas com comunidades de Huis, também.

 

Além disso, nos ditados do árabe antigo, a China era um símbolo de uma terra distante, como no famoso ditado atribuído ao Profeta Muhammad: “Busque conhecimento até a China” (al-Rihla fi Talab al-Hadith, p. 71-76, 1:3).

Diferentemente da versão da Disney, na história original, Aladdin não é uma espécie de “malandro”, mas sim um preguiçoso e desengonçado filho de um abastado comerciante que, tendo morrido, deixou seu filho a ser sustentado pela herança deixada a ele e sua mãe.

A história prossegue: menino preguiçoso e descuidado que conhece um mágico africano (curiosamente, as versões árabes de Aladdin denotam o feiticeiro como um “maghribi” ou norte-africano) que afirma ser seu tio. O mágico leva Aladdin até a boca de uma caverna e o convida a entrar e trazer uma lâmpada maravilhosa que está lá dentro, dando a ele um anel mágico para sua segurança nesse meio tempo. Aladdin entra e retorna com a lâmpada, mas se recusa a entregá-la ao mágico até que ele esteja fora da caverna. O mágico então o fecha dentro da caverna com a lâmpada e parte. Torcendo as mãos em desânimo no escuro, Aladdin descobre que pode invocar poderosos gênios, ou jinns, esfregando o anel. 

No conto original, Aladdin não só é chinês (ou turco) como consegue invocar diversos gênios, não apenas um, com direito a vários desejos, e não apenas três.

Esses espíritos concedem a ele todos os seus desejos, que não são limitados a três, tais como ouro, joias, um palácio esplêndido, servos, soldados e belos cavalos. Depois que os dois se casam, os desejos continuam e mais tesouros e riquezas fabulosas são acumulados.

Depois de derrotar as tentativas do frustrado mágico africano de recuperar a lâmpada, Aladdin consegue impressionar o Sultão e, assim, desposar a princesa Badr al-Budur, e assim vive em uma longa felicidade conjugal, sucedendo o Sultão e reinando por muitos anos, “deixando para trás uma longa linhagem de reis”.

Como qualquer bom filme, a história de Aladdin tem uma parte dois: Depois que Aladdin e Badr al-Budur matam o mago do mal (através de uma combinação de sedução, veneno e esfaqueamento), eles começam a viver felizes para sempre na China, até que o irmão mais poderoso do homem morto vem à China para se vingar.

Entretanto, o irmão do mago também é derrotado e, mais uma vez, eles continuam a viver em prosperidade.

Apesar da narrativa parecer uma história comum de contos infantis, se olharmos detalhadamente, ela não tem nada disso, pois é recheada de cenas eróticas, com descrições sexuais que podemos categorizar como “explícitas” ou “gráficas”.

A primeira coleção escrita do que mais tarde ficou conhecido no Ocidente como “As Mil e Uma Noites” apareceu em persa, no século VIII. Incluía histórias que remontavam a contos indianos, persas, gregos e árabes que foram transmitidos oralmente. Acredita-se que eles tenham sido traduzidos do persa para o árabe em algum momento durante o século VIII e publicados sob o título Alf Layla (“Mil Noites”).

Não foi até o século IX ou X, durante o período Abássida, que a coleção começou a crescer como resultado de uma grande pressão no Iraque por mais registros escritos, literatura e arte, resultando em vários volumes dessas histórias na escrita arábica. No século XVIII, o aventureiro e orientalista francês Antoine Galland encontrou, numa de suas andanças pelo Levante, três volumes de uma obra em árabe intitulada As Mil e Uma Noites, que comprou para analisar e traduzir.

O manuscrito sírio que Galland encontrou e traduziu para o francês - a primeira para um idioma ocidental - provavelmente sofreu inúmeras mudanças desde a primeira tradução árabe séculos antes, e viria a sofrer muitas mais alterações pelas mãos de Galland e os que viriam depois dele.

Infelizmente, desde a introdução dos contos que há dentro das Mil e Uma Noites ao público europeu no início do século XVIII por Galland, ele foi censurado e alterado, com suas “versões finais” modificadas ganhando a reputação em alguns lugares como pouco mais que uma coleção de histórias infantis.

Como Marina Warner escreveu em seu livro Stranger Magic: “Galland transformou suas fontes, sua prosa fluente adicionando polidez e polimento… ele expurgou o erotismo que aumenta muitas passagens no original.” (Warner, 2013)

Além disso, Galland acrescentou "Aladdin", "Ali Babá e os Quarenta Ladrões" e "Sinbad, o Marinheiro" - histórias que por isso logo seriam atribuídas incorretamente a Sheherazade, a famosa protagonista e contadora de histórias fictícia do original Mil e Uma Noites - ao manuscrito que traduziu.

Não é assim que o orientalista Sir Richard Burton traduziu o conto original (incluindo, nele, também a história de Aladdin). Na sua versão, totalmente diferente de, lemos sobre estimulantes sexuais, divorciadas luxuriosas e princesas com “pérolas não perfuradas” em passagens às vezes francamente pornográficas.

A trama envolve Aladdin - aqui o filho de um rico comerciante, não um mendigo - partindo quando jovem em busca de fortuna no comércio. Nas situações complicadas em que se envolve, ele tem vários episódios amorosos antes de finalmente “sossegar”.

Arabian Nights, ou “Noites árabes” de Sir Richard Burton: uma tradução mais fidedigna (e despudorada) do conto original.

Burton também ridicularizou os tradutores anteriores das Mil e Uma Noites, como Galland, por criarem, segundo ele "um bastardo euro-oriental, um mundo pseudo-oriental de marionetes ocidentais vestidas com as roupas que os asiáticos deveriam usar." (Burton, 1888) quase que acusando-os do moderno conceito de apropriação cultural - algo que se encaixa bem em grande parte do Orientalismo.

Em outras palavras, a própria lógica racial da representação era também uma função do Orientalismo da época, e que parece estar sendo ainda hoje seguido, com o fato de a história de Aladdin ser reduzida a um conto árabe genérico, numa ambientação árabe genérica e personagens árabes genéricos.

Essas noções são evidenciadas nas cenas de abertura da versão animada da Disney, quando o comerciante solitário que viaja pelo deserto apresenta ao público Agrabah, a cidade árabe fictícia de “mistério e encantamento”. Ele canta sobre a distante terra “bárbara” onde “vagam as caravanas de camelos” (depois de um clamor público, a Disney mudou a seguinte linha, “Onde eles cortam sua orelha se não gostarem do seu rosto”, para “Onde é plano é imenso, e o calor é intenso”).

Apesar de produzir sem dúvida um bom entretenimento para o público comum em geral, essas generalidades, somada ao fato de que a história é apenas uma mistura de vários contos orientais batidos no liquidificador, tornam o “Aladdin” animado da década de 90 um personagem completamente diferente e estranho ao original. A história de “Aladdin” é a história do orientalismo.

Bibliografia

  • Burrows, Victoria (2019) Is Aladdin really Chinese? How Hollywood invented the tale’s Middle Eastern identity. South China Morning Post.
  • Khan, Manal (2019) Top ten things you didn't know about Aladdin. National Geographic.
  • Bekhrad, Joobin (2019) Disney’s Aladdin Is a Fake.
  • Ajam Media Collective (2017) Who was the “real” Aladdin? From Chinese to Arab in 300 Years.
  • Aladdin - Fictional hero. Britannica.
  • Burton, Sir Richard (1888) THE BOOK OF THE THOUSAND NIGHTS AND A NIGHT. Dunyazad Digital Library.
  • Warner, Marine (2013) Stranger Magic: Charmed States and the Arabian Nights.
  • Oppenheimer, Shaina (2019) 1001 Lies: Everything You Know About Aladdin Is Wrong.