Quando se fala em relações históricas entre o Ocidente cristão e o Oriente muçulmano, principalmente no que diz respeito ao contexto militar, é natural que a principal lembrança seja justamente a das cruzadas. Figuras lendárias como Saladino, Ricardo Coração de Leão, Luis IX e muitos outros logo remetem ao imaginário, assim como batalhas famosas, como a de Hatim em 1187, a conquista de Acre em 1291 e assim por diante. Contudo, alguns conflitos nem tão famosos também tiveram um papel importante nos eventos conhecidos como Cruzadas, mas que não raramente são esquecidos, como é o caso da batalha de La Forbie.

Contexto

No início da década de 1240, o Reino Latino havia experimentado uma prosperidade desconhecida desde antes da Batalha de Hatim em 1187. Após a Cruzada dos Barões (liderada pelos nobres Teobaldo de Champagne e Ricardo, Conde da Cornualha) e o movimento de grandes forças da Europa para o Oriente Latino, o poder político e a posição da liderança aiúbida em relação ao reino latino haviam diminuído. Apesar da derrota dos cruzados na Batalha de Gaza (nos campos de Beit Hanun) em 1239, os líderes aiúbidas no Egito e em Damasco (ambos os ramos aiúbidas eram compostos por familiares e descendentes de Saladino) perceberam que precisariam dos cruzados como aliados quando lutassem entre si. O Reino Latino de Jerusalém estava entre as duas entidades, de modo que os confrontos entre os muçulmanos (sarracenos) tiveram que levar em consideração as forças cruzadas. Os líderes cruzados tentaram aproveitar a situação fortalecendo seu reino e tentando recuperar territórios e fortalezas anteriormente perdidos, incluindo as fortificações do norte, como Beaufort, Thoron, Safad, Tiberíades e Belvoir, bem como as do sul, como Beit Gibelin e Ascalon. Essa conquista não foi considerada significativa na época, principalmente devido à partida apressada dos líderes cruzados do Oriente Latino de volta à Europa, bem como à desunião dos cruzados. As forças restantes ficaram divididas sem um líder aceitável por todos – a nobreza, a Igreja e as Ordens Militares.

Na ausência de tal líder e na falta de uma estratégia militar clara, as várias facções do Reino Latino agiram de forma independente. Isso foi particularmente perceptível na rivalidade que se desenvolveu entre as principais Ordens Militares, ou seja, os Templários e os Hospitalários. A Ordem Teutônica apoiou os Hospitalários e o Imperador Frederico II e sua aliança com a liderança egípcia aiúbida, que por sua vez levou a um confronto com os membros da Ordem dos Templários que apoiavam a aliança com os aiúbidas de Damasco. Essa aliança do norte também foi fortalecida por famílias aristocráticas influentes do reino, liderados pela família Ibelin, uma das famílias mais importantes do Reino de Jerusalém. Os templários receberam generosas doações de terras a oeste do rio Jordão dos líderes de Damasco e também conseguiram trazer de volta o cristianismo a todas as partes de Jerusalém, incluindo ao Monte do Templo. Essa conquista mudou a situação política na região, minando o Tratado de Jaffa de 1229 entre o sultão egípcio al-Kamil e o imperador Frederico II.

O fortalecimento dos Templários e o novo acordo com a Damasco aiúbida, relevante para todas as instituições cruzadas, ameaçavam os egípcios. Para superar essa ameaça do norte, os egípcios se voltaram para as tribos nômades corásmias que invadiram a Síria, chegando pelo nordeste e invadindo o Reino Latino. Os corásmios que agora inundavam o Levante eram os refugiados da devastação que Gengis Khan havia acabado de infligir sobre seu outrora poderoso reino. Eles conquistaram a área de Safad, Tiberíades, o vale do Jordão e as montanhas de Samaria. Finalmente, as tribos invadiram Jerusalém em agosto de 1244, causando muita destruição. As igrejas da cidade santa foram profanadas levando muitos a fugir, e mais de 5.000 da população restante foram massacrados. O Reino foi aterrorizado, fazendo com que as pessoas se retirassem para dentro dos muros do assentamento. Nesse ponto, os cruzados e seus aliados em Damasco não tiveram escolha a não ser se preparar para um confronto final com os egípcios aiúbidas e seus aliados, as tribos corásmias.

As forças egípcias e seus aliados, as tribos corásmias, reuniram-se ao norte de Gaza. Eles esperavam a chegada dos cruzados e seus aliados sírios, que se reuniram na área costeira de Acre e depois se reagruparam em Jaffa e Ascalon. As tropas dos cruzados, juntamente com seus aliados de Damasco e Homs, primeiro ficaram em Acre, onde os líderes muçulmanos entraram na cidade dos cruzados e foram recebidos como convidados no palácio dos Templários. No início de outubro, o enorme exército foi para o sul em direção a Jaffa, o local marcado para as discussões militares finais, depois continuando mais ao sul até Ascalon, que era o ponto mais ao sul da presença dos cruzados antes do Egito. Ascalon foi reconstruída em 1240 por Ricardo da Cornualha, e em 1243 o imperador Frederico II atribuiu a sua defesa aos Hospitalários que mantiveram esta posição até 1247. É nesta fortaleza que os cruzados e os seus aliados muçulmanos organizavam as suas forças antes de partirem para as batalhas em Gaza. Ao que parece, as estreitas fortificações de Ascalon não permitiram uma longa estadia no local, forçando os exércitos cruzados e muçulmanos a se moverem mais ao sul em direção a Gaza. No dia seguinte, 17 de outubro de 1244, os dois exércitos se encontrariam para a batalha próximo à vila de Hirbya (Forbyia), dando início ao tão esperado confronto.

A batalha

Al-Mansur Ibrahim, emir de Homs, esteve presente pessoalmente, comandando cerca de 2.000 cavaleiros e um destacamento de tropas de Damasco. O comando cristão geral foi dado a Walter IV de Brienne, conde de Jaffa e Ascalon, embora Roberto de Nantes, Patriarca de Jerusalém, e Filipe de Montfort, Condestável de Jerusalém, também estivessem presentes. O exército cristão consistia em cerca de 1.000 cavaleiros e 6.000 soldados de infantaria. As forças da Transjordânia estavam sob o comando de Sunqur al-Zahiri e al-Waziri, e consistiam em cerca de 2.000 beduínos montados. O exército egípcio era comandado por um oficial mameluco chamado Rukn al-Din Baybars al-Salihi, que era ligeiramente inferior em força aos seus oponentes.

Al-Mansur aconselhou os aliados a fortalecer seu acampamento e tomar a defensiva, esperando que os indisciplinados corásmios se dispersassem e deixassem os egípcios em considerável desvantagem. No entanto, Walter, a quem o comando geral havia sido dado, não estava disposto a recusar a batalha quando tinha a vantagem numérica, uma raridade para os cristãos. As disposições aliadas eram as seguintes: cristãos na ala direita, perto da costa, o emir de Homs e os damascenos no centro, os beduínos à esquerda.

O ataque cruzado ao exército egípcio continuou até a noite, quando as forças muçulmanas restantes se reuniram no centro do campo de batalha. Os combates cessaram ao pôr do sol e recomeçaram na manhã seguinte com um ataque combinado do exército egípcio e das tribos corásmias contra o exército muçulmano, forçando-o a se retirar. Pânico e desordem se espalharam pelas forças muçulmanas, que foram então empurradas para o norte, deixando para trás muitos mortos e feridos. Isso deixou as forças dos cruzados por conta própria no campo de batalha. Eles tentaram se reagrupar e manter algum aspecto de ordem, mas isso não foi possível devido aos repetidos ataques egípcios. Muitos começaram a recuar para o norte, em direção a Ascalon, deixando para trás os feridos e mortos no campo de batalha. Entre os que recuaram estava o Patriarca de Jerusalém, Roberto de Nantes, que foi gravemente ferido durante a batalha e teve que se retirar para Ascalon. O Patriarca, que testemunhou o desastre, descreveu-o alguns dias depois em sua carta urgente aos representantes da Igreja na França e na Inglaterra, pedindo assistência e apoio militar.

Muitos dos que permaneceram no campo de batalha se renderam aos muçulmanos, incluindo os líderes do exército cruzado liderado por William de Châteauneuf, o Grão-Mestre Hospitalário e o nobre Walter de Brienne, senhor de Jaffa. Walter de Brienne foi capturado pelos corásmios que o levaram para Jaffa onde foi torturado contra as muralhas da cidade. Os captores ofereceram libertar Walter caso a cidade se rendesse, mas a oferta foi recusada pelos cruzados, e então o nobre foi levado até o Egito, onde morreria meses depois.

Os Templários perderam 312 combatentes, restando apenas 33 sobreviventes. Os Hospitalários perderam 325, tendo 26 sobreviventes. A perda da Ordem Teutônica foi de 400 cavaleiros e apenas três sobreviventes. O marechal teutônico Conrad von Nassau desapareceu no decorrer da batalha e seu destino permanece desconhecido [1]. Todos os membros da Ordem de São Lázaro foram mortos. O restante dos combatentes cruzados se rendeu. Os prisioneiros, incluindo os Grão-Mestres Hospitalários e Templários, foram levados acorrentados para o Egito e permaneceram em cativeiro até serem libertados por São Luís no final da Sétima Cruzada. Esta foi uma das derrotas mais duras e desastrosas da história dos cruzados. Fontes medievais estimam que o número de vítimas cristãs tenha sido superior a 16.000, além de 25.000 guerreiros muçulmanos.

Após esta batalha os egípcios poderiam ter destruído o Reino Latino, determinando de uma vez por todas o equilíbrio de poder na região, mas ao invés disso eles escolheram avançar suas forças para a fronteira sul do reino, enquanto os corásmios recuaram para sua área ao leste, atacando principalmente assentamentos costeiros do sul, como Ascalon e Jaffa.

Consequências de La Forbie

A vitória aiúbida contra os cruzados levou à convocação da Sétima Cruzada e marcaria o colapso do poder cristão na Terra Santa. Com base nisso, o papa Inocente IV convocaria no Primeiro Concílio de Lion em 1245 uma nova cruzada, a de número sete. Apesar desse chamado, os francos jamais conseguiriam retomar o poder na Terra Santa após La Forbie.

O Reino de Jerusalém teve de enfrentar o pior após La Forbie. O Reino não havia sido capaz de colocar um exército tão grande em campo desde a Batalha de Hatim e nunca mais seria capaz de realizar operações ofensivas como outrora.

Após a derrota em La Forbie, a Ordem Teutônica no Reino Latino passou por cinco anos complicados, juntamente com os Templários e os Hospitalários. Os Templários que sobreviveram mantiveram suas fortalezas em Safad, Acre e Atlite. Eles foram considerados responsáveis, pelo menos até certo ponto, pela derrota e pela consequente situação na Terra Santa, tendo assim sua posição enfraquecida. Eles também precisavam de novos recrutas e fontes de suprimentos da Europa para se recuperar após a derrota em La Forbie. A própria Ordem Teutônica precisou de pelo menos 5 anos para se consolidar novamente e recuperar sua posição antes de La Forbie.

Essa situação complicada para os cristãos na Terra Santa iria mudar com os preparativos para a Sétima Cruzada de 1248-1250, na região do Nilo, no Egito, ao redor de Damieta e Mansura. As forças francesas lideradas por São Luís, juntamente com a nobreza cruzada e as Ordens Militares, lutaram ali e sofreram pesadas perdas, mas com a influência e riqueza do rei francês conseguiram restaurar sua força e retornar ao Reino Latino após a derrota.

Embora a Batalha de Hatim tenha grande importância simbólica por ter levado à queda de Jerusalém, foi La Forbie que realmente marcou o colapso do poder cristão. O resultado da batalha de La Forbie foi o primeiro grande evento que acabou levando a cerca de cinquenta anos de estagnação no Reino Latino de Jerusalém, até sua queda em 1291.

NOTAS

[1] Acredita-se que ele tenha sido morto no decorrer da batalha.

REFERÊNCIAS

DOUGHERTY, Martin, et al. Battles of the medieval world. From Hastings to Constaninople (1000-1500). Metro Books, 2006.

LA MONTE, John L. Feudal Monarchy in the Latin Kingdom of Jerusalem, 1100-1291. Columbia University Press, 1932.

LOTAN, Shlomo. The Battle of La Forbie (1244) and its aftermath – Re-examination of the military orders’ involvement in the latin kingdom of Jerusalem in the mid-thirteenth century. Ordines Militares, 2012.

RUNCIMAN, Steven. History of Crusades: King of Acre and Later Crusades. Vol 3. Cambridge University Press, 1987.