O hexagrama, isto é, a “Estrela de Seis Pontas”, é um símbolo um tanto quanto controverso: apesar dessa figura geométrica simples ter sido usada em vários contextos ao longo da história humana, não restritos a cunho religioso, ela vem sido, desde o século passado, gradativamente se tornando a algo essencialmente associado ao povo judeu e ao Estado de Israel.

Essa associação, todavia, é tão recente quanto a própria ideologia que fundou Israel: o Sionismo, e aqui veremos como esse símbolo – apesar de latente nas tradições abraâmicas, detentor de diversos nomes – não pode ser reclamado como propriedade exclusiva de um povo (especialmente o judeu), acompanhando sua trajetória desde obscuros manuscritos ocultistas até o terror do Holocausto e a fundação do primeiro estado judaico em mais de 1000 anos.

Da Babilônia Antiga à Índia, o hexagrama tem tido uma ampla variedade de usos: desde mera decoração, passando por amuletos, até a representação de ideias e conceitos metafísicos. No subcontinente indiano, por exemplo, era o símbolo do Anahata Chakra, ou o “Chakra do Coração”, além de outras propriedades e associações que variavam conforme o contexto cultural e religioso, principalmente no que diz respeito à tradição Tântrica.


Um yantra hindu que ostenta em sua composição uma hexagrama, ou “estrela de cinco pontas”: um símbolo universal associado à religião, misticismo e cosmologia.

As primeiras aparições do Selo, ou Estrela, de Davi na cultura judaica tinham pouco a ver com religião. O hexagrama ocasionalmente aparece em contextos judeus desde a antiguidade, aparentemente como um motivo decorativo. Por exemplo, em Israel, existe uma pedra com um hexagrama proveniente do arco da sinagoga de Khirbet Shura, datada dos séculos III-IV, na Galileia. Originalmente, o hexagrama pode ter sido usado como um ornamento arquitetônico em sinagogas, como, por exemplo, nas catedrais de Brandemburgo e Stendal, e na Marktkirche em Hanover – sem nenhum significado relevante ou registrado além de decoração ou mesmo algum tipo de talismã. Uma forma de hexagrama desse tipo é encontrada na sinagoga antiga de Cafarnaum.

Paralelamente, um manual grego do primeiro século de magia judaico-cristã conhecido como "O Testamento de Salomão" também faz referência ao Selo de Salomão (sem, todavia, especificar o que é ou como é) e suas supostas habilidades mágicas, indicando uma associação de Salomão à magia logo nos primeiros séculos do Cristianismo.

Isso nos leva outro fato interessante: a presença de hexagramas em contextos cristãos que, apesar de diminuta, é notável, especialmente em igrejas e monastérios históricos na região da Palestina e da Armênia.


Um hexagrama (à direita) ao lado de um símbolo pagão comum aos armênios e geórgios (à esquerda) numa igreja cristã em Tao, Geórgia Histórica, hoje parte da Turquia.

Sua aparição mais ampla em contextos judaicos viria com textos mágicos e amuletos (segulot) judaicos que proliferaram no início da Idade Média – juntamente da própria mística judaica da Kabballah, ou Cabalá. Todavia, muitos autores modernos são propensos a ver a mística islâmica como a fonte do uso do hexagrama pelos cabalistas medievais, como iremos ver mais à frente [Leet, 1999].

Um deles é talvez o mais renomado historiador e acadêmico da religião judaica da história: o judeu Gershom Scholem. Diz Scholem em uma de suas obras, devotada ao tema que aqui abordamos:

"Os designs1 não tinham nomes ou termos específicos no início, e apenas na Idade Média nomes definidos começaram a ser dados aos mais amplamente utilizados. Há pouca dúvida de que termos como esses se tornaram populares entre os árabes, que mostraram um interesse tremendo em todas as ciências ocultas, organizando-as sistematicamente muito antes que os cabalistas práticos pensassem em fazer isso.

Não é de se admirar, portanto, que por muito tempo tanto as estrelas de cinco quanto as de seis pontas fossem chamadas pelo mesmo nome, o "Selo de Salomão", e que não houvesse distinção entre elas. Este nome está obviamente relacionado à lenda judaica do domínio de Salomão sobre os espíritos e seu anel com o Nome Inefável gravado nele. Essas lendas se expandiram de maneira marcante durante a Idade Média, tanto entre judeus quanto árabes, mas o nome ‘Selo de Salomão’ aparentemente se originou com os árabes. Este termo não foi aplicado exclusivamente a um design; eles o aplicaram a uma série inteira de sete selos aos quais atribuíram extrema potência para afastar as forças do Demônio."

[Scholem (1949) - Pág. 246]

1NdT.: Isto é, o design dos hexagramas.

Scholem assim diz pois, de fato, à época do desenvolvimento da literatura e práticas místicas envolvendo o hexagrama num contexto judaico, já existia tal associação entre a estrela de seis pontas e a figura de Salomão na tradição islâmica: o خاتم سليمان (Khātam Sulaymān), como é chamado em árabe, já era presente em livros de magia, sufismo, misticismo e ocultismo islâmico, a ele sendo atribuídos poderes e propriedades sobrenaturais, ao compasso que os grimórios cabalísticos medievais mostram hexagramas simples e sem identificação alguma entre as tabelas de segulot.

Um desses primeiros grimórios foi o famoso Sefer Raziel, um obscuro livro cabalístico que não passa do século XIII em si, apesar de os estudiosos especularem que partes de seu conteúdo seja muito mais antigo. Nele, há gravuras de amuletos e desenhos mágicos e talismânicos que consistem em hexagramas, mas que em nenhum momento são nomeados como “Estrela de Davi” ou “Selo de Salomão”; na realidade, repetindo os padrões de outros grimórios cabalistas, esses símbolos sequer são nomeados [Scholem, 1949].

O Sefer Raziel HaMalak: utiliza hexagramas em um contexto judaico-cabalista, mas sem nunca mencionar o que eles são. Embora o manuscrito seja da Idade Média, seu conteúdo é geralmente descrito como sendo da Antiguidade Tardia.

Até aqui, pudemos ver que:

  1. Inicialmente, o hexagrama judaico carece de significado religioso significativo e, quando o alcança, ele simplesmente parece não ter nome, sendo só depois associado a Davi e/ou Salomão.
  2. Com o desenvolvimento do Cristianismo, o hexagrama parece apenas seguir os padrões judaicos: mero motivo decorativo.
  3. Na tradição islâmica, o hexagrama já “nasce” como sendo um símbolo associado tanto ao misticismo quanto ao Rei Salomão.
  4. Parece haver uma tradição, uma narrativa, perene que engloba tanto Davi e Salomão (pai e filho, respectivamente) quanto poderes e habilidades místicas.

Que tradição (ou narrativa) é essa que parecem ter bebido Islã e Judaísmo, principalmente, nos seus desenvolvimentos mágico-geométricos em relação ao hexagrama? Podemos encontrar a resposta na tradição primogênita, o Judaísmo:

O Tratado Gittin (fol. 68) do Talmude conta uma história envolvendo o rei Salomão, o demônio Asmodeus e um anel com o Nome Divino gravado: Salomão dá o anel e uma corrente a um certo Benayahu, filho de Yehoyada, para capturar o demônio Ashmeday e obter a ajuda do demônio na construção do Templo de Jerusalém, cujas fundações foram lançadas por seu pai, Davi; esse anel dá ao rei o poder de controlar todo e qualquer shedim (que poderíamos chamar coletivamente de “demônios”, se esta não fosse uma palavra um tanto quanto viciada). Essa tradição é também tema de muitas aggadot (lendas, narrativas) da Tradição Judaica.

Embora o Talmude mencione o "Selo de Salomão", ele não indica nem descreve o que este selo é: se é o mesmo hexagrama que a "Estrela de Davi" (como afirma a Tradição Islâmica) ou outra coisa (como afirma a tradição ocultista da Goécia, que o faz corresponder a um sigilo próprio da tradição).


Um manuscrito de amuleto fatímida, do século X: o uso tanto religioso, quanto mágico, quanto político do hexagrama pelos muçulmanos antecede ao uso nestas mesmas áreas pelos judeus.

Na tradição mística islâmica, que bebeu dessas fontes talmúdicas e aggádicas (folclóricas) judaicas através da incorporação dos Isra’iliyyat (tradições e narrativas judaicas que foram posteriormente adotadas pela Tradição Islâmica), que valeram, num contexto islâmico, a associação do hexagrama ao “Selo de Salomão”, ainda que a associação entre o hexagrama e Salomão (ou Davi) num contexto judaico tenha sido muito mais tardia.

Assim, chegamos à primeira menção histórica a uma “Estrela de Davi”: a Enciclopédia Judaica cita um documento caraíta do século XII como a fonte literária judaica mais antiga a mencionar um símbolo chamado "Magen David" ou Estrela de Davi, sem, no entanto, especificar sua forma: o Eshkol Ha-Kofer do estudioso caraíta Judah Hadassi, em meados do século XII:

"Sete nomes de anjos precedem a mezuzá: Miguel, Gabriel, etc. ... [Que o] Tetragrama proteja você! E da mesma forma, o sinal chamado "Escudo de Davi" é colocado ao lado do nome de cada anjo."

[Hadassi, século XII]

O uso do hexagrama em um contexto exclusivamente judaico, como um símbolo minimamente dotado de significado religioso não-oculto, se dá por volta do século XI, na Andaluzia – ou a “Espanha Moura” -; ela se faz presente enquanto decoração da página de capa de um famoso manuscrito do Tanakh (a Bíblia Hebraica completa, consistindo na junção da Torá com os Ketuvim, Neviim e Tehilim), o famoso e obscuro Códice de Leningrado, datado de 1008. Da mesma forma, o símbolo ilumina um manuscrito medieval do Tanakh datado de 1307, pertencente ao Rabino Yosef bar Yehuda ben Marvas, de Toledo, Espanha, que durante o seu período islâmico foi o lar de uma vibrante e renomada comunidade acadêmica judaica.

O Códice de Leningrado, por vezes tomado como uma das cópias manuscritas completas mais antigas do Tanakh judaico ostenta, em seu início, um hexagrama: ele, toda via, não é mencionado como “Estrela de Davi” no códice (e nem o seria por séculos), aparecendo então como mero motivo de decoração.

Embarcamos, então, num dos locais onde o hexagrama foi utilizado de maneira mais curiosa e interessante possível: a encruzilhada cultural e religiosa da Península Ibérica medieval.

Scholem pontua que o uso do então Selo de Salomão pelos rabinos e estudiosos judeus espanhóis do medievo só tomaria lugar após a visualização e adoção do mesmo a partir de fontes muçulmanas – árabes, berberes e hispânicas – de modo que, pelo menos no caso espanhol, pode-se dizer que os judeus se apropriaram deste símbolo, originalmente pertencente a uma tradição muçulmana.

Isso fica evidente quando analisamos as ocorrências do hexagrama em contexto hispano-africanos da Alta Idade Média para a Baixa:

Desde seu uso frequente (tanto religioso quanto meramente decorativo) entre os berberes do Norte da África até sua introdução na Península Ibérica, houve uma popularização do “Selo de Salomão” como sendo um símbolo mágico, poderoso e que concedia proteção divina (portanto, lícita, proveniente principalmente de sua associação com Salomão, que é um profeta do Islã) a quem o portasse ou o colocasse em sua casa ou comércio. O Resultado não poderia ser outro: o hexagrama logo se transformou num popular amuleto e talismã, cuja durabilidade ultrapassaria a dos próprios regimes muçulmanos ibéricos.

Talismã andaluzo ostentando o “Selo de Salomão”: seu uso como talismã e amuleto era bem comum entre os muçulmanos hispânicos, assim como também o era no resto do mundo islâmico, especialmente na Turquia.

Após a Queda de Granada e a conclusão da Reconquista – que coincide, junto da Queda de Constantinopla, com o fim da Idade Média - os mouros foram subjugados e se tornaram mouriscos. Nesse processo, o Selo de Salomão foi moldado em livros mouriscos de magia e curandeiria, tanto em escritos em árabe quanto aqueles escritos em aljamía (vernáculo espanhol em escrita árabe ‘abjad), sempre presente em amuletos e talismãs (hirz, hispanicizado herce) com propósitos quase sempre profiláticos, que demonstram que a Reconquista cristão não conseguiu coibir nem sequer a prática da magia ritual e talismânica na Espanha.

O manuscrito aljamiado 'Junta 59', por exemplo, mostra o selo de Salomão cercado pelos Nomes Sagrados de Allah, como uma fórmula para para atingir um estado de êxtase (dh͏ikr), comum em rituais e orações místicas.

Medina também cita outro manuscrito mourisco onde abundam os hexagramas místicos, denominado "Misceláneo de Salomón" ou "Manuscrito Ocaña", onde receitas à base de ervas e medicamentos de origem animal são combinadas com frases religiosas e símbolos mágicos. Aqui, o Profeta Salomão investiga as doenças causadas por vários demônios e os invoca, para em seguida exorcizá-los, adquirindo assim a cura do paciente atormentado.

A pesquisadora Esther Medina (2009) também pontua que tais práticas e produções literárias não ficaram restritas à comunidade mourisca muçulmana, mas foram também adotados por seus vizinhos cristãos (os judeus foram expulsos logo após a tomada de Granada) num sincretismo no melhor estilo andaluso.

Alguns cristãos zelosos queriam denunciar o quão alarmante era a situação trazendo à tona o uso de fórmulas de ruqiya (exorcismo islâmico) presentes em manuscritos como o de Ocaña (que incluíam a frase la illaha illa Allah, uma parte da shahada, a profissão de fé islâmica) estavam sendo usados pela população cristã, até mesmo pelo próprio Arcebispo de Granada, para exorcismo. Ele também destacou o uso generalizado do selo de Salomão em amuletos usados pelos cristãos-velhos, novos e mouriscos – sem distinção - ou mesmo pintados as paredes ou portas de suas casas (García-Arenal e Rodríguez Mediano, 2010).

Outro exemplo da popularidade do símbolo entre os cristãos de Granada é o julgamento de um ourives cristão pelo tribunal da Inquisição em 1626. Foi descoberto que o pobre coitado estava fazendo cruzes nas quais a forma do Selo de Salomão foi gravada, um curioso híbrido de símbolos cristãos e muçulmanos num talismã cuja função protetora estava relacionada a evitar a morte pelo ferro, buscar o amor, evitar naufrágios e diminuir a dores corporais.

Curiosamente, o trabalho em couro dos mouros (e posteriormente mouriscos) de al-Andalus também contava com motivos hexagramais em sua composição, motivos esses que foram passados adiante na arte coureira para o Brasil Colônia, via a cultura mudéjar (mourisca) de Portugal; a partir desse germe colonial, a arte em couro evoluiu para o que tivemos no século passado e temos ainda hoje: os tradicionais chapéus de couro nordestinos com hexagramas, que enfeitaram as cabeças dos famosos cangaceiros.


Arte em couro muçulmana com o tema do Selo de Salomão: das montarias do Norte Africano, passando pela Península Ibérica e desaguando no Sertão Nordestino.

Como podemos ver, não sendo uma restrição à comunidade muçulmana mourisca andaluza, o selo também aparece profusamente na decoração da Abadia Católica de Sacromonte, do século XVII, em Granada, Espanha, como um símbolo de sabedoria - quer seja devido ao referido sincretismo, ou devido a alguma tradição exclusivamente cristã, como ocorreram em outras igrejas em outras épocas e em outros lugares, não sabemos [Medina, 2009].


Hexagramas decoram as adargas (escudo de couro amazigue em forma de coração) dos guerreiros muçulmanos no Códice Rico do clássico “Cantigas de Santa Maria”, século XIII.

Isto pode ser devido ao fato de que, como já vimos anteriormente, no período medieval (sob influência árabe muçulmana), Salomão tornou-se conhecido popularmente como escritor de livros científicos e mágicos. Esses tratados ocultistas e seus segredos foram atribuídos a muitos personagens importantes das Escrituras e tradições orais judaicas e muçulmanas, incluindo Adão e Moisés, e especialmente Salomão. A esta companhia juntaram-se Zoroastro, Hermes Trismegisto, Aristóteles, Alexandre, o Grande, Virgílio e o próprio Profeta Muhammad (Duling, DC - 1983).

Enquanto na Baixa Idade Média os judeus estavam “descobrindo”, ou, de uma maneira mais otimista, “redescobrindo” o hexagrama em sua própria tradição – que só viria a tomar significados comunitários e políticos séculos mais tarde – os povos turcos da Anatólia não apenas conheciam o hexagrama como “Selo de Salomão” (em turco Mühr-ü Süleyman) como já o usavam em larga escala.

Todavia, esse uso não era apenas religioso, tais como sua presença em decorações de mesquitas e manuscritos sufis –incluindo em objetos devocionais, como tambores utilizados nas sessões de hadra das ordens sufis turcas – mas também político e comunitário: moedas, sinetes e estandartes. O exemplo mais conhecido e notório desse uso é o do beylik (algo como um emirado túrquico) turco islâmico de Karaman (1250 – 1457), na Anatólia (atual Turquia) que consistia em uma estrela de seis pontas (hexagrama) num fundo azul e branco, como citado pelo geógrafo judeu medieval Abraham Cresques em seu Atlas Catalão (compilado em 1375).


Bandeira do Beylik de Karaman (1250 – 1457), localizado no Sudeste da atual Turquia: ironicamente, ele ostenta o mesmo simbolismo e cores que viriam a ostentar em sua bandeira o Estado de Israel, séculos mais tarde. Também mostrada no Atlas Catalão de 1375.

Além disso, o Selo também foi usado pelo beylik turco de Candar e na bandeira pessoal do corsário otomano Hayreddin Barbarossa, que ostentava o selo entre a espada Zulfiqar (uma espada curva de duas pontas que, segundo a tradição islâmica, pertenceu ao Imam Ali, o primo e genro do Profeta Muhammad, ganhando assim proeminência como um símbolo islâmico).


A bandeira do corsário otomano Hayreddin Barbarossa (1478- 1546), o famoso "barba ruiva''.
As inscrições em árabe no topo dizem: "نَصرٌ مِنَ اللَّـهِ وَفَتحٌ قَريبٌ وَبَشِّرِ المُؤمِنينَ يَا مُحَمَّد (nasrun mina'llāhi wa fatḥhun qarībun wa bashshiri'l-mu’minīna yā muḥammad), que se traduz como "A Vitória é de Allah e uma eminente conquista; dai boas novas aos crentes. Ó Muhammad''. O texto vem do verso 61;13 do Alcorão, com a adição de "Ó Muhammad'', na última parte devido ao versículo ser endereçado ao profeta.
Dentro dos quatro crescentes laterais há os nomes da direita para a esquerda no topo, dos quatro primeiros califas muçulmanos — Abu Bakr, Omar, Uthman, e Ali — os quais possuem o título de "califas corretamente guiados'' ("khulafa i-rashidin) após a morte do profeta Muhammad.
A espada de duas pontas representa Dhu'l-Fiqar, a famosa ara que pertenceu primeiro a Muhammad e depois passou para Ali, seu primo e genro, o quarto califa.
Entre as duas lâminas da espada está a estrela de seis pontas. A estrela pode ser confundida com a estrela de Davi, o símbolo judaico. Contudo, na Idade Média, esta estrela era um popular brasão islâmico conhecido como "o Selo de Salomão'', e era largamente usado pelos beyliks da Anatólia. O selo foi usado mais tarde pelos otomanos nas decorações de suas mesquitas, moedas e bandeiras pessoais dos paxás, incluindo  Hayreddin Barbarossa. Um dos beyliks turcos pré-otomanos conhecidos por usares este selo em sua bandeira fora os jandaridas. De acordo com o Atlas Catalão de 1375, a bandeira dos karamanidas, outro beylik da Anatólia, consistia de uma estrela de seis pontas azul (tal como a atual bandeira de Israel).

O símbolo também pode ser encontrado em outros locais de domínio e habitação turco-otomana fora da Idade Média, notadamente na região dos Bálcãs, que foi largamente islamizada e, como tal, viu a construção de centenas de mesquitas pelas autoridades otomanas na região após o século XV. Uma dessas mesquitas, em Prizren (ou Prishtina), a capital do Kosovo, lar de antiquíssimas mesquitas em estilo otomano construídas pelos mesmos; uma delas, do século XVII, que ostenta em um de seus minaretes um “talismã”, que nada mais é que o famoso Selo de Salomão.


Acima, um tambor sufi de origem turca que tem gravado em si o “Mühr-ü Süleyman”. Ao lado, um minarete de uma mesquita em Prizren, Kosovo, ostentando o Selo de Salomão.

Contudo, apenas alguns decênios mais tarde, a estrela começou a ser usada como símbolo para identificar as comunidades judaicas, numa tradição que parece ter começado em Praga, antes do século XVII, e de lá se espalhou por grande parte da Europa Oriental.

De Praga espalhou-se este uso oficial do símbolo. Em 1655, o hexagrama se encontra no selo da comunidade vienense e, em 1690, no selo da comunidade de Kremsier, na Morávia. No kahal de Budweis (Boêmia do Sul), que foi abandonada pelos judeus em 1641, há representações de Estrelas de David alternadas com rosas; sendo ela a sinagoga mais antiga fora de Praga e da Palestina onde este símbolo pode ser encontrado. Em sua juventude, o polêmico rabino cripto-sabateísta Jonathan Eybeschütz o usou na comunidade que liderava, em Hamburgo. Várias comunidades na Morávia usaram como selo apenas o hexagrama, com a adição do nome da comunidade. Outros tinham em seus selos um leão segurando o Escudo de David, como a comunidade de Weiskirchen no início do século XVIII. Em casos muito isolados, a figura da Estrela de David foi usada também no sul da Alemanha, sem dúvida sob a influência da comunidade de Praga, que iniciou a “moda”.


Selo oficial da Comunidade Judaica de Praga: a primeira instância onde a “Estrela de Davi” foi usada como um símbolo judaico distintivo e oficial, nos séculos XVI – XVII.

Em outros países, geralmente não encontramos a “Estrela de Davi” em uso antes do início do século XIX, nem nos selos comunitários, nem nas cortinas da Arca, nem nos mantos da Torá. O símbolo é praticamente uma incógnita absoluta, salvo uma ou outra rara exceção – o que viria a mudar ao longo do século XIX, principalmente em sua metade, com a popularização do símbolo juntamente do surgimento e popularização do nacionalismo e despertar judaico, que viria a culminar no movimento do Sionismo, que viria a adotar o símbolo [Scholem 1949].

Ainda nesse contexto de contínua adoção por parte das comunidades judaicas da Europa e da América, é interessante notar que seu uso continuava comum dentre os muçulmanos por todo o Oriente Médio e África: no Marrocos, como podemos ver abaixo numa moeda marroquina de 1873 (a datação 1290 corresponde ao Calendário Islâmico, contado a partir da Hégira ou Hijra)

O Selo de Salomão também foi descoberto na Palestina durante o período otomano (no século XIX), gravado em pedras acima de janelas e batentes de portas e em tumbas muçulmanas. Exemplos foram encontrados em casas na localidade de Saris e em túmulos em na cidade costeira de Jaffa, todos eles em tumbas e habitações muçulmanas.


Moedas marroquinas da segunda metade do século XIX ostentando o Khatm Sulayman.

No final do século XIX, o símbolo tornou-se derradeiramente representativo da comunidade sionista mundial e, mais tarde, da comunidade judaica de uma maneira mais ampla, à medida de que o movimento sionista se apropriava da Magen David como um tradicional e perene símbolo do povo judaica – principalmente depois de ter sido escolhido para representar o movimento e suas aspirações no Primeiro Congresso Sionista, em 1897.

Um ano antes do referido congresso, o fundador e idealizador do movimento sionista Theodor Herzl escreveu em seu Der Judenstaat de 1896:

"Não temos bandeira e precisamos de uma. Se desejamos liderar muitos homens, devemos erguer um símbolo acima de suas cabeças. Eu sugeriria uma bandeira branca, com sete estrelas douradas. O campo branco simboliza nossa nova vida pura; o as estrelas são as sete horas douradas do nosso dia de trabalho. Pois marcharemos para a Terra Prometida carregando a insígnia de honra."

[HERZL, 1896]


Rascunhos da bandeira sionista de 1897 de Max Bodenheimer (canto superior esquerdo) e Herzl (canto superior direito), em comparação com a versão final usada no Primeiro Congresso Sionista de 1897 (parte inferior).

Com o advento da Primeira Guerra Mundial e a consequente destruição do Império Turco-Otomano e o estabelecimento de um mandato britânico para a Palestina, a “Estrela de Davi” se popularizou ainda mais entre os judeus sionistas, que tinham o hexagrama por símbolo em suas agências de imigração judaicas e nos escudos dos grupos militares e paramilitares que começaram a se formar e administrar uma luta armada e terrorista pelo estabelecimento de um estado sionista judeu na Palestina.


A Magen David sendo usada nesse pôster britânico da Primeira Guerra em hebraico, apelando ao sentimento nacionalista dos judeus – inflamado pelo Sionismo – e conclamando-os a se alistarem na “Legião Judaica” para combater o Império Otomano em nome do Império Britânico. O texto diz: “Sua velha nova Terra precisa de você! Junte-se já ao regimento judaico."

Durante a Segunda Guerra Mundial, a associação da Estrela de Davi ao povo judeu atingiu seu ápice macabro: durante a vigência do regime nazista na Alemanha (1933 – 1945), o hexagrama passou a ser o símbolo quase-oficial da minoria judaica do país, sendo desenhada com tinta sobre as vitrines das lojas e comércios judaicos das cidades alemãs na infame Kristallnacht de 1938, evento que marcou o início do Holocausto.

Após isso, dando continuidade à perseguição aos judeus, uma estrela de David (geralmente amarela) foi usada pelos nazistas durante o Holocausto para identificar os judeus. Após a invasão alemã da Polônia em 1939, inicialmente houve diferentes decretos locais obrigando os judeus a usar sinais distintos (por exemplo, no Governo-Geral, uma braçadeira branca com uma Estrela de David azul; no Warthegau, isto é, as partes da Polônia anexadas à Alemanha própria, um distintivo amarelo na forma de uma Estrela de Davi no peito esquerdo e nas costas).

Se um judeu fosse encontrado em público sem a estrela, ele poderia ser severamente punido. A exigência de usar a Estrela de Davi com a palavra Jude (“judeu” em alemão) foi então estendida a todos os judeus com mais de seis anos de idade no Reich e no Protetorado da Boêmia e Morávia (por um decreto emitido em 1º de setembro de 1941, e assinado pelo seu governador Reinhard Heydrich) e foi gradualmente introduzido em outras áreas ocupadas pelos nazistas.


O bordado de estrela amarelo, usado durante o Holocausto.

Outros, no entanto, usaram a Estrela de Davi como um símbolo de afronta e deboche (como é comum na história judaica, com os chapelões dos hassídicos, os shtreimel, sendo uma afronta e deboche às leis czaristas do Império Russo que os obrigavam a usar um chapéu de pele idêntico, porém menor) contra o antissemitismo nazista, como no caso do soldado do Exército dos Estados Unidos Hal Baumgarten, que usou uma Estrela de David estampada nas costas durante a invasão da Normandia em 1944.

Após a derrota do Nazismo com o fim da Segunda Guerra em 1945, a pressão para a criação de um estado judaico na Palestina – que já havia sido alvo de intensa imigração e agora se encontrava cheia de refugiados da Europa – aumentou vertiginosamente. Foi assim que, em 1948, o Estado de Israel foi fundado em meio ao furor da Primeira Guerra Árabe-Israelense (1947 – 1948), tendo sua atual bandeira – um retângulo azul com uma Estrela de David azul, ladeada em cima e em baixo por listras horizontais também azuis (chamado de tekhelet em hebraico, algo como “azul celeste”).


A atual bandeira do Estado de Israel: suas cores e formas aludem ao tallit, a veste litúrgica tradicional judaica, branca e com listras azuis (ou pretas). Já outros, geralmente conspiracionistas antissemitas sem credibilidade alguma, dizem que as duas listras azuis são alusão aos rios Nilo e Eufrates, aludindo ao conceito de “Grande Israel”, que pode ser visto em Gênesis 15:18-21.

Com o estabelecimento e prosperidade do Estado de Israel, especialmente após a vitória israelense na Guerra dos Seis Dias de 1967 (tida por muitos como um milagre divino operado em favor de Israel), muitas sinagogas ortodoxas modernas e muitas sinagogas de outros movimentos judaicos têm a bandeira israelense com a estrela de Davi exibida de forma proeminente na frente das sinagogas perto da Arca que contém os rolos da Torá.

Curiosamente, também o fazem diversas igrejas de matriz “evangélica”, principal e especialmente nas Américas, onde se desenvolveu uma tendência tanto estética quanto teológica de proximidade para com o moderno Estado de Israel, o que leva muitas dessas igrejas (sobretudo pentecostais e neopentecostais) a exibirem a bandeira de Israel tal qual um aparato litúrgico – como um estandarte iconográfico numa liturgia greco-ortodoxa.

Assim, hoje em dia, temos a associação quase indubitável da Estrela de Davi não apenas com o povo judeu, mas com o Estado de Israel – uma organização responsável por inúmeras limpezas étnicas, massacres, atentados contra a paz regional do Oriente Médio e outros crimes inequívocos contra seus vizinhos e predecessores na Terra de Israel: os palestinos, em sua maioria, muçulmanos.

E é aí que reside a grande ironia (a História é cheia delas) que podemos visualizar: um símbolo que, pêgo de determinado povo (os muçulmanos, não necessariamente árabes), foi apropriado por um movimento político que abertamente pregou, idealizou e aplicou uma colonização racista contra um dos povos que compõe essa religião e, hoje, estampa a flâmula do Estado resultante desse processo todo; um Estado que diariamente mata inúmeros muçulmanos, deliberadamente apaga seus traços ancestrais daquela região do Levante e deixa suas óbvias heranças arqueológicas – abundantes como são –, com seus hexagramas consagrados a Salomão, para vibrar e regozijar com um único sinete hexagramal de antes de Cristo (que ninguém sabe como foi parar lá, nem acharam outros semelhantes) achado naquelas terras. A história do “Selo de Salomão’ é, em suma, a história do colonialismo e do revisionismo.

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