Cabeça vazia, oficina de Brasão de Armas
Autor: Mansur Peixoto 17/08/2023"Os turcos raspam suas cabeças completamente com uma navalha, exceto por um tufo de cabelo que deixam no alto delas. Ao serem questionados sobre isso, eles explicaram que quando um guerreiro é abatido em combate e o inimigo vai cortar sua cabeça (para tomar como troféu), o cabelo no topo é deixado para prevenir que ele coloque suas mãos sujas na boca do guerreiro caído. Assim, eles não raspam sua cabeça totalmente.''
- Salomon Schweigger (1551 –1622) ''Ein newe Reiss Beschreibung auss Teutschland nach Constantinopel und Jerusalem'' (1608).
Detalhe do Shāhinshāhnāma, escrito durante o periodo Qajar da Pérsia, 1810.
Desta vez, num artigo intitulado ‘’Quando muçulmanos ‘’colecionavam’’ cabeças na Espanha’’, publicado em sua coluna na Gazeta do Povo, encontramos afirmações no mínimo curiosas como ‘’... diferentemente dos europeus, as decapitações feitas pelos muçulmanos eram indiscriminadas e assumiam um caráter cultural de facto...’’, e um relacionamento extremamente espantoso entre as decapitações promovidas por grupos terroristas islâmicos contemporâneos, e a execução de inimigos derrotados em batalhas na Espanha medieval.
Afinal, terroristas quando decapitam, estão apenas seguindo o precedente de seu ‘’profeta’’ e, porque não, cultural, contínuo, do Islã, não é mesmo? Na verdade, como sempre, a história tem mais nuances que uma caricatura extremamente mal pesquisada.
No século VII d.C, em 13 de março de 624, as areias do deserto da Arábia viram a Batalha de Badr. Onde 300 muçulmanos, subnutridos, malvestidos e parcamente equipados, de modo que tinham de se revezar nas montarias (70 camelos para transporte e 3 cavalos para batalha), finalmente deram a primeira resposta militar após 13 anos de massacres cruentos nas mãos dos politeístas coraixitas de Meca, que mesmo com 1.000 guerreiros em condições melhores nos quesitos armaduras e montarias, foram derrotados.
Após a escaramuça e debandada dos derrotados, o Profeta Muhammad teve em suas mãos cerca de 70 cativos. Os homens que haviam apoiado cenas como o envio de sua esposa para um campo de concentração onde definhou até morrer, matado seu neto no ventre de sua filha por espancamento, sem falar na morte de dezenas de seus seguidores, estavam, finalmente, com as vidas em suas mãos. E então Muhammad ordena a execução de... dois deles.
Os infelizes eram Nadr ibn al-Harith, líder mequense que havia enviado diversos muçulmanos para a morte por inanição durante o Boicote, e Uqba ibn Abi Mu'ayt, que havia tentado sufocar o Profeta com a carcaça podre de uma ovelha enquanto este estava absorto em suas orações. Aos demais, o Profeta ordenou a anistia, concedendo a libertação mediante pagamento aos mais ricos, alimentação gratuita, e aos letrados, que ensinassem os analfabetos dentre seus seguidores em troca de sua liberdade. Naquele dia, nenhuma cabeça a mais foi cortada.
Miniatura otomana do Siyer-i Nebi, retratando Ali decapitando Nadr ibn al-Harith na presença do Profeta e seus companheiros
A decapitação como método de execução na história humana é antiga, com o primeiro registro da mesma sendo a Paleta de Narmer de 3100 a.C, onde o homônimo faraó egípcio segura de arma em riste a cabeça de um inimigo derrotado. Na Grécia e na Roma antiga, arrancar a cabeça era considerada uma forma limpa de morrer, honrada, destinada a prisioneiros mais dignos. No século XIV, Timur de Samarcanda (Tamerlão) tinha por hábito após o cerco contra cidades derrotadas, erguer torres com crânios da população conquista. No XVI, Enrique VIII mandou para o túmulo algumas esposas assim, e sua filha, Elizabete I, despachou a prima Maria da Escócia da mesma forma, em 1587. Já o símbolo da Revolução Francesa foi uma máquina de fazer este serviço mais rápido e com um número maior de vítimas. Desde que a história começou a ser registrada, o homem decapita o homem.
Faces da Paleta de Narmer.
Miniatura do Zafarnamah (1520) retrata Timur e seu exército fazendo torres com cabeças de inimigos decapitados.
Ilustração da execução de Maria, c. 1613 por um artista dinamarquês
Hoje, com nossas sensibilidades que consideram trancafiar alguém numa cela, as vezes pelo resto da vida em confinamento sob condições esquálidas infinitamente mais humano de que rapidamente pôr fim a vida de um assassino, criminoso de guerra ou contraventor grave como faziam os antigos, ela caiu em largo desuso, sendo relegada mais comumente como arma de propaganda de terroristas no Oriente Médio ou dos cartéis narcotraficantes mexicanos.
Mas teria o Islã algo de único ou digno de nota a acrescentar a essa tradição humana de mais de três milênios registrados? Talvez. Ao menos segundo a excelente historiadora Maribel Fierro, cujo artigo “Decapitation of Christians and Muslims in the Medieval Iberian Peninsula: narratives, images, contemporary perceptions” é citado pelo título na coluna de Braga para Gazeta, mas cuja autora é, convenientemente, ocultada.
Afinal, seus fãs, não muito dados a verificar o que é dito pelo ídolo, senão não estariam assistindo aos vídeos de um canal que afirma que europeus medievais foram superiores a árabes em ciência na Idade Média porque os gregos clássicos eram europeus, não podem ser deixados perceber que Maribel é a mesma historiadora que critica ferrenhamente a fonte do Brasão de Armas, Dario F. Moreira e seu ‘’The Myth of the Andalusian Paradise’, largamente usado e defendido por Thiago Braga em seus vídeos como uma sumidade quando o tema é Espanha islâmica (al-Andalus) por dar vasão a sua narrativa rasa.
Na coluna, Braga, como no vídeo prévio, escolhe a dedo passagens convenientes do artigo supracitado que se referem a quando monarcas muçulmanos andaluzes executavam rebeldes armados derrotados, ou inimigos após uma encarniçada batalha, para relaciona-los a terroristas sequestrando um reparador de torres de rádio como Nick Berg e o decapitando após o sequestro no contexto da guerra do Iraque, dizendo que “a história do domínio muçulmano na Península Ibérica foi marcada pela extrema violência; e como vimos, precedentes históricos não vão faltar se esses terroristas islâmicos quiserem continuar fazendo cabeças rolar em nome de Alá.’’ Como se terroristas fossem ávidos leitores de crônicas andaluzas medievas, e estivessem decapitando vítimas de sequestro para emular algum emir omíada do século IX (a decapitação citada por Braga foi, segundo os terroristas, em resposta ao escândalo de torturas e morte perpetrado pelo exército americano em Abu Ghraib. Nenhum emir ibérico é citado no macabro material).
Na verdade, quem continua até hoje celebrando decapitações medievais de um passado ibérico não são os muçulmanos. Você não encontra a cabeça de um cristão decapitado sendo exibida orgulhosamente como arte quando adentra nas cidades do Oriente Médio ou norte da África. Mas se for a Évora em Portugal, pode se deparar com isso aqui:
Estátua de Geraldo, "O Sem Pavor" - Arredores das Ruínas do Castelo do Giraldo, Évora, Portugal.
Nessa ode ao que Braga chama de “barbárie’’, aparentemente apenas quando se pode projetar sobre muçulmanos, temos a figura do cavaleiro português Geraldo Sem Pavor (m. 1173), erguendo a cabeça do alcaide muçulmano de Évora, Balahem, enquanto a de sua filha, Abrina, encontra-se já devidamente degolada aos seus pés, ambos mortos covardemente durante o sono, segundo a lenda da tomada furtiva do castelo por Geraldo.
Uma visão no mínimo inusitada para uma urbe da União Europeia do século XXI (para deixar as coisas ainda piores, o Geraldo histórico sequer era um ‘’defensor cruzadista da Europa’’, desses que viram bonequinho de capacete no canal Impérios AD. Ele serviu tanto a reis muçulmanos quanto cristãos, sendo esta representação uma projeção anti-histórica semelhante, em espírito, mas com as devidas ressalvas, ao que terroristas fazem quando evocam o Profeta combatendo seus inimigos para degolar algum jornalista sequestrado. É a distorção da história).
Não é algo incomum andar pela Espanha ou Portugal e encontrar motivos heráldicos ou iconográficos das cabeças de muçulmanos arrancadas dos corpos. Tais imagens fazem parte da iconografia inclusive religiosa. O santo padroeiro da Espanha não é outro senão ‘’São Tiago Matamoros’’ ou ‘’São Tiago, o Matador de Muçulmanos’’, que nas imagens católicas é sempre representado passando com seu cavalo sobre cabeças de muçulmanos arrancadas, ou seus corpos desfalecidos:
Imagem sacara de ‘’São Tiago, o Matador de Muçulmanos’’, com as cabeças destes sob os cascos de seu cavalo, século XVIII.
Com a colonização das Américas, a figura foi inclusive convertida, de assassina de mouros para guilhotina-divina de Indígenas, nascendo assim o ‘’Santiago Mataíndios’’ na américa-espanhola (e depois da catequização, os nativos devolveram o favor, criando o ‘’Santiago Mataespañoles’’).
Segundo Tiago Braga, ‘’... diferentemente dos europeus, as decapitações feitas pelos muçulmanos eram indiscriminadas e assumiam um caráter cultural de facto...’’, mas parece que, de facto, não é isso que acontece, visto que hoje, são relegadas a grupos terroristas (e na idade média ibérica não eram, nem de longe, indiscriminadas, e sim muito bem direcionadas a inimigos bélicos de Estados, como afinal em todos os reinos da Idade Média, como Maribel deixa claro. Muçulmanos não eram especiais neste quesito).
Culturalmente, quem celebra, decora praças e acende velas a uma imagem desta natureza de um passado medieval sangrento e bárbaro não são os muçulmanos. O caráter cultural de facto, parece estar para cima de Gibraltar. Segundo Maribel Fierro, ‘’a tendencia de lincar a modernidade com um passado violento não é limitada a certos grupos muçulmanos. Referências às Cruzadas são abundantes desde de o 11 de Setembro, e pode ser mais de que uma coincidência que o papa Bento XVI tenha incluído a cabeça de um mouro em seu escudo papal, uma escolha explicada como uma tentativa de indicar o ‘’universalismo da Igreja Católica.’’
Escudo do falecido papa Bento XVI, com a emblemática cabeça do mouro no canto superior esquerdo.
Porém, é fato que as fontes islâmicas andaluzas abundam nos relatos de execução de inimigos por decapitação como assertivamente aponta a historiadora. Mas também abundam em manuais sobre culinária, matemática, medicina, poesia, astronomia, religião, sexo e o que mais pudesse ser colocado num papel. Muçulmanos ibéricos medievais tinham uma produção literária vastíssima e escreviam sobre tudo que acontecia.
Porém, não significa que se um cronista árabe de Toledo do século IX escrevesse sobre os rebeldes que seu rei mandou decapitar após um fracassado levante (como o da infame “Noite Toledana’’), que apenas em al-Andalus aquilo ocorreu naquele ano, e que o mesmo não acontecia nas Asturias cristãs em menor escala ou com outros contornos. Nos restam poucas fontes cristãs do período, provavelmente devido ao fato de o analfabetismo ser prevalente corte asturiana, com exceção da classe clerical, sendo que os registros da própria casa real asturiana, que contam suas origens em Pelágio por exemplo, somente começam a partir de Afonso III. Devido à escassez de fontes, é difícil saber a extensão da pratica da decapitação, entretanto, é na descendência cultural ‘’de facto’’ destes que cabeças de muçulmanos mortos há mais de meio milênio continuam a decorar praças em Portugal e Espanha até hoje. Como a própria Maribel diz no artigo, os cronistas cristãos devem muito aos cronistas muçulmanos pois muitas vezes se baseavam nesses para relatar suas próprias histórias, por isso abunda o registro de decapitações por muçulmanos - mas é fato de que esses registros também abundam nas próprias fontes islâmicas. A questão é... qual a extensão das decapitações feitas por cristãos? Será que cronistas muçulmanos procuravam ignorar isso por querem limpar sua história, como os historiadores ocidentais do século XIX fizeram ao excluir as decapitações romanas de seus trabalhos? Ou será que os próprios cronistas cristãos, em sua quase totalidade padres, tinham vergonha de seus correligionários praticarem isso? Não há como saber. Mas daí inferir que na medievalidade ibérica decapitar é inerente cultural islâmico e pouco ou quase nada cristão é uma inferência que sequer a pesquisadora do tema faz.
De acordo com Fierro: ‘’A primeira referência ao decapitar de muçulmanos em fontes cristãs medievais advém do século oitavo, quando o rei Fruela I derrotou um comandante muçulmano e o decapitou. A cabeça de Mahmud b. Abd al-Jabbar, um caudilho de fronteira berbere do século novo que circulava tranquilamente entre cristãos e muçulmanos, mas cuja morte foi o resultado de uma queda de cavalo lutando contra os cristãos (seus antigos aliados), foi trazida por um soldado cristão ao rei Afonso. Por volta do ano 888, o rei Ordonho ordenou que as cabeças dos líderes militares muçulmanos derrotados fossem cortadas e penduradas sob a muralha do Forte de São Estêvão. No ano de 901, a cabeça do omíada Ibn al-Qitt, que atacou a cidade de Zamora com um exército berbere, foi pendurada nas muralhas da cidade após sua derrota nas mãos dos cristãos (...) os cristãos também não se limitavam ao decapitar de muçulmanos, pois rebeldes cristãos também poderiam padecer do mesmo destino.’’
Cinco cabeças de muçulmanos decapitados, heráldica do município de Baena, Espanha.
A historiadora da arte Inés Monteira chega a sugerir, com bom embasamento, que a decoração de motivos específicos da arte romanesca onde cabeças soltas são representadas em edifícios contemporâneos, são oriundas de expressões para celebrar a vitória sobre e decapitação de muçulmanos tombados em batalha.
Ou seja, a cultura da arte caligráfica, a islâmica, escrevia muito sobre decapitação, e a da voltada para escultura, a cristã, a esculpia e pintava. Para cada texto islâmico falando de um emir arrancando cabeças de rebeldes ou inimigos, há um Santiago ou cabeça de mouro pendurada numa igreja ou escudo municipal. Cabeça de muçulmano decapitada era propaganda política e religiosa cristã ibérica de facto.
Motivo decorativo da cabeça arrancada de mouro, Igreja de Santiago, Écija, Espanha.
A tendência de retratar al-Andalus como um lugar especial ou tipicamente violento devido a sua abundância de crônicas detalhadas sobre tudo, inclusive os métodos brutais de seus reis para matar rebeldes ou inimigos neutralizados pós-batalha, é o sumo da desonestidade intelectual. A premissa é falsa. Al-Andalus era, por um bom tempo, um território maior, com população maior, províncias maiores, registros maiores e exércitos maiores que os reinos cristãos, e todos os prós e contras disso devem ser levados em conta para não cair na falácia de que ‘’arrancar cabeças era algo que era típico da cultura islâmica por terem sobrevivido mais escritos disso por lá’’, ‘’ou que na escritura deles, o Profeta deles deu o exemplo’’, como se a Bíblia dos ibéricos medievais cristãos não tivesse qualquer cena de decapitação, e o discurso religioso delas não inspirasse as ações militares pregadas na Reconquista.
É interessante notar que a esmagadora maioria dos exemplos de decapitações citados por Maribel em seu artigo se tratam de violência intramuçulmana, seja como punição contra levantes rebeldes, ou em decorrência de lutas entre potentados muçulmanos. A historiadora deixa claro que, mesmo que a opção do uso deste método para execuções ter algum precedente na tradição islâmica (e em diversas culturas humanas dos últimos 3 milênios), sua aplicação tem forte caráter político como demonstração de força, tendo sido usada mais amplamente durante períodos de maior turbulência política interna, e não ‘’indiscriminadamente’’ como afirma Braga. Ela diz, “Os primeiros emires omíadas de al-Andalus, Abd al-Rahman I (756-788), e seus sucessores Hisham I (788-796) e Haka I (796-822) parecem ter estado muito ocupados decapitando “rebeldes” muçulmanos, ou, para pôr de modo diferente impondo seu próprio poder sobre aqueles que o resistiam.” Ela continua, “O número de decapitações aumentou drasticamente durante o reino de Abd al-Rahman III (912-961). Esse aumento está relacionado a suas campanhas, primeiramente contra rebeldes internos e em menor medida contra os reinos cristãos, mas também a sua necessidade de estabelecer sua legitimidade enquanto Califa e não meramente enquanto Emir.” A pesquisadora ainda diz, “Al-Mansur (o hajib) precisou recorrer a violência e assassinatos durante sua carreira para se tornar o governante de facto de al-Andalus, mas o número de cabeças decepadas trazidas de volta de suas campanhas contra os cristãos não são tão numerosas quanto se poderia esperar, levando em consideração a proeminência da ideologia da jihad em sua luta pelo poder.’’ Esses são apenas alguns exemplos dos inúmeros que a renomada historiadora cita em seu artigo, concluindo que interesses políticos e luta pelo poder e legitimação dinástica eram os principais motivos por trás das decapitações. Uma conclusão muito diferente da do youtuber, que busca criar uma narrativa fictícia de que tal pratica era indiscriminada, cultural e cotidiana durante os 700 anos de al-Andalus, e pior, sendo o exemplo buscado por terroristas.
Um número imenso também de tratados de paz se amontoa nas crônicas andaluzas, chegando até a figurar na iconografia cristã. Mas jamais haverá na Gazeta o ‘’Quando os muçulmanos ibéricos colecionavam concórdia’’ (aqui o leitor já sabe o motivo, pois não serve ao retrato).
Proporcionalmente, falar que al-Andalus era a terra da cultura da decapitação pela abundância de registros, é como dizer que os EUA em paz são infinitamente mais perigosos que o Haiti da guerra civil, comparando apenas os números de mortes registrados em ambos os países, e não as proporções entre um país continental com população maior e registros abundantes, a uma pequena ilha caribenha, ainda que em guerra e sem polícia ou imprensa eficaz. Mas como conclui a própria Maribel Fierro no artigo que não lhe foi atribuído por Thiago Braga:
“As muitas referências à prática da decapitação na Península Ibérica durante a Idade Média não implicam que seus habitantes inventaram a prática, com a decapitação sendo muito bem documentada em outros contextos, temporais e geográficos. Os assírios a faziam, tal qual os israelitas – uma das instancias mais famosas sendo aquela de Golias por Davi. Povos celtas foram associados a decapitação de seus inimigos, e a prática não era desconhecida dos povos mediterrâneos. Apesar do fato de a prática romana da decapitação ter sido de certo modo censurada por historiadores clássicos ocidentais, que a consideravam inapropriada para os representas da ‘’civilização’’ distintos do barbarismo, já foi demonstrado que decapitação era uma prática comum em tempos romanos, sendo seu exemplo mais impressionante o da Batalha de Munda, no sul da Península Ibérica, quando César rendeu cercou os partidários de Pompeu com um círculo de lanças nas quais um número de cabeças pendiam. Em tempos visigóticos, a decapitação era conhecida na Península Ibérica ambas como uma punição legal e costume militar, apesar das referências a ela serem infrequentes. Carlos Magno ordenou a decapitação de seus inimigos saxões derrotados em 787. Decapitações militares são bem documentadas no Oriente Islâmico, durante os impérios omíada e abássida, e no ocidente islâmico sob os fatímidas. Na Europa Cristã Medieval, os Normandos decapitavam prisioneiros de guerra.’’
Eu acrescentaria aqui à lista também o costume dos colonizadores franceses do século XX de não só arrancar a cabeça de muçulmanos capturados nas guerras colonialistas no Magrebe, como fazer macabros cartões postais para mandar para casa de seus feitos em 1922:
Em suma, com este texto não intento de forma alguma isentar a medievalidade islâmica de suas decapitações numa apologia, ou sequer pormenorizá-las como menos ruins por outros também o fazer. A historiografia não é um apontar de dedos (apesar de, por ação de alguns, sermos forçados a apontamentos pertinentes). Não seria idade média sem cabeças rolando. E sim chamar novamente atenção para um conteúdo popular dentre jovens brasileiros em busca de formar sua visão não só sobre si, mas sobre outros povos, que não falará sobre portugueses, romanos, ingleses ou qualquer coisa relacionada a europeus em títulos aterradores como “colecionadores de braços’’, devido aos desmembramentos destes “ajuntadores de corpos carbonizados’’, devido a inquisição ou, simplesmente, de genocidas compulsivos (por varrerem do mapa os ameríndios). Mas que aos muçulmanos, sempre renderá uma análise tosca, mal pesquisada, falaciosa, e, acima de tudo, demonizante, enquanto dá a si mesmo a pecha de “verdade histórica ocultada que você precisa saber’’. Mas, reconheço que este é um direito que lhe assiste, assim como é o meu de combater intelectualmente, enquanto durar esta página.
Bibliografia:
- Jebara, Muhammad (2023) “Maomé - O transformador do mundo: Uma biografia reveladora sobre o fundador da religião islâmica”
- Lings, Martin (1983) ‘’Muhammad - A vida do Profeta do Islam segundo as fontes mais antigas.’’
- Webster's Revised Unabridged Dictionary, edited by Noah Porter, published by G & C. Merriam Co., 1913
- Fiero, Maribel (2008) ‘’Decapitation of Christians and Muslims in the Medieval Iberian Peninsula: Narratives, Images, Contemporary Perceptions’’
- Martinez, Carlos de Ayala, (2019) ‘’ Pelayo y Covadonga ¿historia o ficción?’’, Alandalusylahistoria.com