Quando o rei násrida Muhammad XII de Granada rendeu seu reino a Fernando de Aragão e Isabel de Castela, estes concordaram em tolerar que a população muçulmana do reino tomado pudesse praticar sua religião e costumes na Espanha, como haviam feito os conquistadores islâmicos no passado com os cristãos. Porém, não findou-se nem uma década do pacto firmado em 2 de janeiro de 1492, na falta de alguém que os compelisse a cumprir o tratado, começaram as conversões forçadas dos muçulmanos ao catolicismo. Muitos não tendo meios de fugir, acabaram aceitando a cruz ao invés da espada após algumas revoltas. Estes agora formalmente católicos chamados de “mouriscos’’ iam a igreja, batizavam seus filhos, e seguiam a vida como católicos. Alguns continuavam praticando o Islã as escondidas porém mantendo uma piedade pública cristã.
 
Mas, para o clero, sua conversão se completaria somente quando estes abandonassem também seus costumes culturais considerados “islâmicos’’. Eles não tinham somente que ser cristãos na fé, tinham que ser “espanhóis europeus’’ como todos no país. Não tratava-se de uma conversão forçada meramente espiritual, era a aniquilação de uma cultura visando uma unidade nacional. Durante o governo de Carlos I (1519-1556) após algumas rebeliões mouriscas sagrantamente reprimidas, este pactou que os mouriscos de Granada apesar de convertidos a força, pudessem manter os costumes apenas culturais mediante o pagamento de 80.000 ducados.
 
Após a morte de Carlos com a ascenção de seu filho Felipe II, revoltado com fato de que muitos destes mouriscos não haviam tornado-se ‘’católicos de verdade’’, o arcebispo de Granada Pedro Guerrero conclamou um sínodo de bispos em 1565, cujo objetivo era traçar medidas mais duras contra os cripto-muçulmanos islamizantes da Espanha. Dirigindo-se ao rei Felipe II, as autoridades católicas pediram que o rei impusesse uma série de medidas abusivas contra os mouriscos, e este, seguindo a tradição de seus bizavós de quebrar acordos com muçulmanos conquistados, aceitou. As medidas publicadas em 1567 incluiam: onde morassem mouriscos, deveria habitar no mínimo uma dezena de cristãos-velhos, que suas casas ficassem abertas para visitas de cristãos-velhos às sextas, sábados e dias festivos, para certificar de que não estavam praticando nada islâmico, mandar seus filhos para o Norte da Espanha sob suas proprias custas para que fossem criados por pais católicos, falar ou escrever em árabe estava totalmente proibido, e qualquer contrato nesta língua era nulo, deveriam se vestir como espanhóis típicos e o uso do véu islâmico por mulheres era proibido, em casamentos não eram permitidas danças árabes, e deveriam deixar as janelas de casa sempre abertas para que pudesse ser visto o que se passava lá dentro, instrumentos músicais árabes eram proibidos, as casas de banho árabes deveriam ser completamente fechadas e suas mulheres não podiam se maquiar com rena.
 
Vendo que dessa vez não seriam aceitos socialmente quer religiosamente católicos quer cripto-muçulmanos, os mouriscos decidiram realizar mais uma revolta em 1568. Só que dessa vez, entraria em cena um personagem peculiar, pois os mouriscos teriam seu proprio “emir’’.
Fernando de Válor y Córdoba era um fidalgo espanhol de origem árabe e distinta linhagem, que remontava a nobreza andaluza dos antigos emires omíadas que haviam governado quase toda a Peninsula Ibérica entre os anos 756 e 1031. Seu avô, parte da aristocracia násrida do Reino de Granada, havia se rendido aos monarcas católicos e colaborado com estes durante a tomada do reino, se convertido formalmente ao catolicismo, e mudado seu nome para Hernando de Córdoba, podendo assim manter suas posses e participação no conselho de Granada. A familia de Fernando se estabeleceu em Válor el Alto, surgindo assim seu sobrenome, “de Válor y Córdoba’’.
 
Seguindo a tradição familiar passada por seu avó, o fidalgo ocupava o cargo de ‘’caballero veinticuatro’’, um posto de prestígio na prefeitura de Granada. De forte temperando, Fernando já havia sido preso em domicilio por puxar uma adaga contra um desafeto em uma das audiencias da prefeitura.
Após o edito real de Felipe II, estourou a insurreição nas Alpujarras, Fernando aderiu ao levante, abjurando as crenças cristãs que haviam sido impostas a sua família, e tomou o nome de Muhammad ibn Umayya (que passou para o castelhano como Abén Humeya), em homenagem aos seus distantes ancestrais do antigo califado. Graças à influência de seu tio, Hernando el Zaguer, meirinho de Cádiar, tornou-se o principal líder da insurreição e foi proclamado emir em Béznar e coroado segundo a lenda, sob a "Oliveira do Mouro", situada entre Narila e Cádiar. Fernando de Válor tomou para si quatro esposas, uma de cada familia mais importante dentre os seus, para firmar uma aliança politica mais forte. Inicialmente, os mouriscos contavam 4.000 em suas forças, mas acabaram lutando com uma soma de 25.000 homens, incluindo os reforços turcos e magrebinos vindos da África, contra as tropas reais comandadas sucessivamente pelo Marquês de Mondéjar, o Marquês de los Vélez e Don João de Austria, comandando 20.000 soldados.
 
As forças de Fernando, agora ‘’Aben Humeya’’, ainda que em desvantagem organizacional, disciplinar e tecnologica diante do exército da maior potência da Europa, lograram algumas vitórias contra os exércitos de Felipe II e seus nobres. Como líder, fernando procurava sempre elevar o moral das tropas da insurreição. Um dos episódios mais interessantes estrelados por Abén Humeya foram os Jogos Mouriscos que, segundo o cronista Ginés Pérez de Hita, sediou em Purchena (Almería) em setembro de 1569. Pérez de Hita conta que após o cerco fracassado à cidade de Vera, Abén Humeya se retirou para Purchena, onde convocou um festival desportivo de ascendência olímpica como lutas, levantamento de pedras, equilibrio de tijolos, tiro com estilingue, corridas de velocidade e meia légua, e competições de dança e canto, visando reviver a cultura de seus ancestrais e exercitar seus homens.
 
Porém, o emir hispano-árabe não teria seu fim no campo de batalha, e sim pelas intrigas conquistada pelo seu temperamento, visto pelos historiadores como arbitrário e tiranico com seus proprios homens e submetidos. Diz-se que um proeminente mourisco de Ugíjar, Diego Alguacil, nutria ressentimento contra Aben Humeya por ter raptado à força uma prima viúva e feito dela sua amante, quando devido ao seu status social ele deveria tê-la tomado como esposa. A fim de vingar a honra da prima, Alguacil começou a tramar a queda de Fernando.
 
Aben Humeya também desconfiava de seus aliados turcos e africanos, a quem removeu de seu acampamento para a fronteira em Almeria e colocou sob o comando de seu primo, Diogo Lopéz, tambem conhecido como Abén Aboo.
 
Alguacil começou a jogar com as tensões que Fernando teria tido com o contingente turco de seu exército por algum tempo. Ele foi até os turcos e afirmou que "havia fornecido haxixe a Aben Humeya para que fosse dado aos capitães turcos para que fossem sedados e depois mortos naquela noite". Os turcos recusaram a oferta de rebelião direta contra o emir, explicando que o Império Otomano os havia enviado "não para se tornarem reis, mas para ajudar o rei dos mouros".
Os capitães sugeriram que o melhor caminho era, depois de obter a aprovação da base turca em Argel, colocar o poder nas mãos de um homem local de ascendência nobre em quem se pudesse confiar, alguém que serviria aos interesses dos muçulmanos e da causa além dos seu próprio. Então, em 20 de outubro de 1569, o “último emir omíada da Espanha’’, foi estrangulado até a morte em um golpe engendrado pelos especialistas militares turcos e seu primo Diego Lopéz foi proclamado chefe dos mouriscos sob o nome de Mulley Abdalla.
 
Diego Lopéz agora emir “Mulley Abdallah’’, continuou a guerra com determinação e coragem e obteve alguns triunfos notáveis, como a ocupação de Órgiva. Em maio de 1570 mandou assassinar Hernando El Habaqui, seu general, que havia iniciado negociações de paz com João de Áustria, o jovem irmão bastardo do rei, enviado para exterminar os mouriscos, e conseguiu estender a rebelião nas montanhas Ronda. Mas, no final daquele ano, após a dura campanha de verão e a expulsão de todos os mouriscos de Granada ordenada pelo rei Felipe II, a rebelião foi quase completamente sufocada. João de Austria, o bastardo de Carlos I, era implacável. Uma de suas grandes atrocidades foi o Massacre de Galera, em Fevereiro de 1570, onde toda a população mourisca da Vila de Galera, dentre eles, de 400 a 800 mulheres e crianças foram executados sob suas ordens a sangue frio.
 
Em 13 de março de 1571, Diego refugiou-se em uma caverna entre Bérchules e Mecina Bombarón, no coração da Alpujarra onde tentou resistir com apenas quatrocentos de seus homens, e foi assassinado por alguns deles, liderados por Gonzalo el Seniz, um famoso bandido que fez um trato com os cristãos, que lhes haviam prometido perdão caso matasse seu líder. Seu corpo foi levado para Granada, onde foi esquartejado e sua cabeça colocada em uma gaiola sobre o arco do portão do Rastro.
 
Após a morte de Mulley Abdallah, a rebelião não tinha mais líder, e o sonho de criar um último reino islãmico na Espanha acabou morrendo. Os mouriscos continuavam existindo, agora com leis mais draconianas que as anteriores a rebelião, e foram forçados pelo rei a se espalharem pelo reino, indo para o norte da Espanha, onde não conseguiram reunir forças o suficiente para qualquer levante futuro. Seu filho, Felipe III, cuja vida foi salva quando mais novo pelo médico mourisco Jerónimo Pachet, realizaria a ordem de expulssão final dos mouriscos e seus descendentes da Espanha, cripto-muçulmano ou não, em 9 de Fevereiro 1609, quando se viu uma migração forçada em massa destes para o Norte de África e Império Otomano. Porém, registros de populações mouriscas apontam que algumas familias cripto-islâmicas conseguiram viver escondidas no pais até tão longe quanto meados do século XVIII.

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