Império Otomano: uma nação para todos os refugiados
Autor: Ekrem Buğra Ekinci 18/11/2024Hoje, as pessoas estão competindo entre si para se tornarem cidadãs dos Estados Unidos. Há muito tempo atrás, ser um súdito otomano também era muito valorizado. Para aqueles que foram oprimidos devido as suas crenças, raça e tradições, tornar-se otomano era uma garantia de sobrevivência.
Os critérios para ser um súdito num império não mostram similaridade com aqueles dos Estados-Nação, em que raça e etnia geralmente determinam o pertencimento oficial enquanto outros são vistos como minorias. Independentemente de sua etnia e religião, os habitantes eram considerados filhos do imperador. Semelhante a um pai que não diferencia seus filhos, os súditos de um império são iguais perante a lei. Alguns podiam ser mais iguais que outros, mas isso não viola a norma comum.
O estado otomano não era um estado-nação, era um império. Sempre fora o mais avançado dentre os seus contemporâneos em termos de reconhecimento individual e direitos de minorias. Os súditos otomanos vinham de diferentes origens religiosas, mas eram iguais perante a lei. Naquela época, este direito não era garantido àqueles que estivessem fora do círculo dominante em nenhum outro lugar do mundo. Sendo muçulmano ou não, todos os povos que reconhecessem a soberania do Império Otomano eram súditos seus. Em troca, era esperado que Estado protegesse esse povo. Quando os muçulmanos que viviam em outros países queriam imigrar para o Império Otomano, visto por eles como o “Dar al-Islam” (Morada do Islã), onde os muçulmanos desfrutam de paz e segurança no país sob domínio islâmico), o império se sentia na responsabilidade de permitir que os imigrantes se tornassem súditos. Não importava em que país vivessem, o Império Otomano tratava todos os muçulmanos do mundo como seus súditos.
Após a invasão russa da Crimeia em 1784 e do Cáucaso em 1864, muçulmanos que viviam nessas regiões imigraram para a Anatólia, seja por via marítima, seja por rotas terrestres. Milhares morreram ao longo do caminho. Os muçulmanos que conseguissem chegar ao império, que consideravam sua terra natal, estabeleciam-se nas aldeias e cidades. Quando o domínio otomano retrocedeu na Europa Central e nos Bálcãs no final do século XVII, os muçulmanos migraram para a Anatólia e encontraram asilo. Esta grande imigração e onda de refugiados continuou até pouco antes da queda da Cortina de Ferro.
Ao longo da história, não apenas muçulmanos, mas também indivíduos e grupos não-muçulmanos, expostos à discriminação por causa de sua religião, raça ou estilo de vida, recorreram ao abrigo do Império Otomano. Eles foram gentilmente recebidos pela sociedade otomana, que costumava ter uma cultura bastante diferente. Eles também encontraram a chance de continuar suas vidas como desejassem, sem medo. O governo otomano garantiu que refugiados não-muçulmanos se tornassem súditos sem esperar nada em troca. Isso porque as tradições oguzes (de Oghuz Khan, lendário imperador turco que é aceito como ancestral da dinastia otomana no período pré-islâmico), um dos alicerces da cultura otomana, ordenavam hospedar convidados e não os entregar aos seus inimigos, independentemente de quem fossem. Havia muitos proprietários de terra que até pegavam em armas para vigiar suas casas à noite toda para proteger seus hóspedes. O Império Otomano chegou ao ponto de assumir o risco de uma guerra por conta disso. Princípios semelhantes também existem na cultura islâmica.
No início do século XV, Qara Yousuf, o sultão do Estado de Kara Koyunlu que governou o que hoje é o Iraque, noroeste do Irã, leste da Turquia, Azerbaijão e Armênia, e Ahmad Jalayir, sultão do Iraque e sul do Azerbaijão, ambos fugiram de Timur (Tamerlão) e se refugiaram com o sultão otomano Bayezid I. Timur escreveu uma carta pedindo para entregá-los, pedido que foi rejeitado por Bayezid e que significava assumir o risco de lutar contra o maior exército do mundo. Vivendo em nome de sua honra, Bayezid foi derrotado, perdeu seu trono e uma certa parte dos seus domínios.
Dezenas de milhares de judeus que viviam na Espanha foram perseguidos por cristãos invasores depois de estarem sob oito séculos de domínio islâmico, sendo forçados a escolher entre a conversão ao cristianismo ou a morte. A partir de 1492, quase todos se refugiaram no Império Otomano. Os navios otomanos viajavam entre a Espanha e as costas otomanas para transportá-los. Os refugiados se estabeleceram em cidades portuárias ricas como Constantinopla, Esmirna e Tessalônica. Além disso, Constantinopla foi mencionada como a cidade com o maior número de judeus no mundo durante anos. Os livros sobre história judaica afirmam claramente que o Império Otomano foi a terra onde os judeus oprimidos foram mais aceitos como refugiados e onde viveram mais confortavelmente.
Quando Elkas Mirza, que se rebelou contra seu irmão Tahmasp I, o xá persa, foi derrotado, ele também encontrou asilo com sua escolta graças ao sultão Suleiman, o Magnífico, em 1547. Embora criticasse o sultão por sua política no Império Persa, ele foi hospedado no palácio otomano com protocolo de alto nível. Alguns ministros otomanos se opuseram à atitude do sultão em relação ao príncipe, mas Suleiman disse: “Fazemos o que a reputação e a dignidade do império exigem”. Durante seu reinado, houve muitos refugiados que se abrigaram no Império Otomano por conta de sectarismos e sua subsistência foi fornecida pelo império.
Com o surgimento da Igreja Unitária na Itália, que nega a Trindade, os Unitaristas fugiram para a Europa Oriental por causa da pressão vinda de outros cristãos. O príncipe Segismundo Báthory da Transilvânia, um súdito do Império Otomano, também negou a Trindade. Isso ocorre porque os cristãos contra a concepção trina de Deus encontraram ali asilo para continuar suas vidas. Da mesma forma, o padre siciliano Sozzini, que escreveu um livro negando a Trindade, fugiu para Cluj-Napoca – conhecido como Kolozsvar em húngaro – em 1577.
O rei Carlos XII da Suécia refugiou-se no Império Otomano depois de ser derrotado pelos russos em Poltava. De 1709 a 1714, viveu na cidade de Bender, dentro das fronteiras europeias do Império Otomano. A notificação de um embaixador russo sobre a transferência imediata do rei para a Rússia não foi aceita. Além disso, o governo otomano entrou em guerra contra o czar russo Pedro, o Grande, por esses motivos. O rei não regressou ao seu país mesmo depois de os otomanos terem vencido a guerra. As despesas do rei e de sua comitiva de 600 membros foram cobertas pelo governo otomano. O rei também recebeu ajuda quando voltou às suas terras, muito depois de a paz ter sido mantida.
No século XVIII, os russos rejeitaram veementemente a proibição de barbas imposta por Pedro, o Grande. Isso acontecia porque as barbas eram um símbolo de ser um membro piedoso da Igreja Ortodoxa. No entanto, o louco czar não mostrou piedade a ninguém e não hesitou a matar até mesmo seu próprio filho. Afinal, quem não quisesse raspar a barba deveria deixar a Rússia. Por esta razão, os cossacos encontraram asilo no Império Otomano e foram estabelecidos no distrito de Manyas, em Balıkesir. Os molokans, que diferem dos ortodoxos russos em algumas crenças como a cruz de três pontas e o costume de beber leite em certos dias de jejum, refugiaram-se na cidade fronteiriça de Kars, no Império Otomano. A convite do Império Russo, a maioria dos cossacos e dos molokans regressaram à Rússia tempos depois. Embora a Rússia tenha oferecido dinheiro e terras a cada cristão que imigrasse da Anatólia no século XIX, a quantidade de imigrantes que iam para Rússia parecia bastante insignificante em comparação com o número de imigrantes que saíram de lá e rumaram para a Anatólia. Patriotas húngaros e polacos que foram derrotados na guerra de independência após as revoluções de 1848 fugiram dos impérios austríaco e russo e se assentaram em terras otomanas. Embora esses refugiados tenham colocado o governo otomano – A Sublime Porta – numa posição política muito difícil, não era sua intenção devolver esses refugiados a todo custo. Essa atitude foi muito apreciada pela Grã-Bretanha e pela França, que apreciavam a noção de independência. Além disso, alguns jovens londrinos soltaram os cavalos da carruagem de um embaixador otomano e tentaram puxar a carruagem sozinhos para mostrar o seu entusiasmo. Alguns dos refugiados se converteram ao Islã e começaram a servir o governo otomano. Entre eles estavam muitos estadistas e soldados famosos que desempenharam papéis no processo de modernização otomana. Polonezköy, uma pequena vila perto de Istambul, recebeu seu nome de refugiados poloneses que se abrigaram no Império Otomano.
Após a Revolução Russa de 1917, eclodiu uma guerra civil entre os apoiadores do czar e os comunistas. Quando o Exército Branco czarista perdeu a guerra, os russos anticomunistas encontraram asilo no Império Otomano, que sofria com grandes dificuldades em razão da Primeira Guerra Mundial. Entre 1917 e 1921, quase 200 mil refugiados foram transportados em navios. Estabelecidos em Istambul e Galípoli, esses refugiados viviam com o apoio do governo otomano, da população civil e das Forças Aliadas, que ocupavam Istambul nessa época. Eles foram inicialmente instalados em campos de refugiados montados em terrenos e praças vazias e depois em casas e edifícios disponíveis. Chegaram a trabalhar em pequenos empregos e a maioria deles posteriormente migrou para a Europa e América do Sul, outros fizeram estada permanente na Turquia. Alguns anos mais tarde, Leon Trotsky, um dos fundadores da União Soviética, foi deportado por Stalin e refugiou-se na Turquia em 1929, vivendo em Istambul durante algum tempo.
Texto original: The Ottoman Empire: A shelter for all kinds of refugees | Daily Sabah