Os leitores podem estar familiarizados com as famosas incursões do Islã na Europa: o rápido movimento para a Península Ibérica e, em seguida, para a França (onde as forças muçulmanas foram finalmente detidas na batalha de Tours em 732); e muito, muito mais tarde, a última tentativa otomana de tomar Viena em 1683. Talvez, menos conhecida, seja a presença árabe-muçulmana na Sicília nos anos 900, o emirado subsequente da Sicília (que fazia parte do califado Fatímida, cuja capital era o Cairo), e então a retomada cristã da Sicília pelos normandos entre 1060 e 1090. Essa Reconquista levou à presença anômala de um enclave muçulmano no sul do continente italiano na cidade de Lucera.

É justo dizer que quando os normandos retomaram a Sicília, seguiu-se um período de tolerância relativa. Os muçulmanos pagavam um imposto extra para ter “liberdade de religião”, o mesmo que os cristãos pagavam quando o Islã governava a ilha – mas aquela era a extensão da “opressão” religiosa dos normandos. A tolerância prolongou-se por um tempo, e subsistiu mesmo no período da dinastia germânica dos Hohenstaufen, subsequente a dos normandos. Mas por esse tempo, o Ocidente cristão estava às voltas com a terceira ou quarta cruzada, e a intolerância religiosa estava ganhando um impulso que ainda não havia diminuído visivelmente. Frederico II de Hohenstaufen (1194-1250), o jovem rei da Sicília, ainda não era o poderoso imperador romano-germânico, cruzado diplomático, sequestrador de monges, invasor de Roma e Todo Poderoso feroz inimigo do Papado. O jovem Frederico não resistiu aos pedidos cristãos para reprimir os “infiéis” do Islã em sua ilha natal na Sicília.

A repressão na forma de aumento de impostos levou a uma revolta dos muçulmanos por toda a Sicília em 1224. No ano seguinte, entretanto, as forças muçulmanas rebeldes se renderam a Frederico. A proximidade da ilha com a África do Norte e a verdadeira ameaça de intervenção árabe armada a partir dessa região fez com que Frederico exilasse a maior parte da população muçulmana para as cidades do continente: Girofalco na Calábria (bem no interior e a sudoeste da moderna cidade de Catanzaro), Acerenza em Lucania (cerca de 50 milhas acima do “Sola” da bota, espremida no que ainda é o meio do nada , a nordeste de Potenza), e Lucera (no interior da ”espora” da bota, perto da moderna cidade de Foggia, cerca de 75 milhas a leste de Nápoles). Os dois primeiros locais eram tentadoramente próximos da Sicília e por alguns anos, os muçulmanos exilados simplesmente vagavam e se estabeleciam pela estra de “casa” vindos da Sicília. Isto parou em 1239, quando Frederico fechou Girofalco e Acerenza e decretou que todos os muçulmanos (incluindo a maioria dos que permaneceram na Sicília) seriam confinados a Lucera. Os exilados também incluíram algumas das populações muçulmanas da ilha de Malta, então parte do Reino da Sicília (como, anteriormente, havia sido parte do Emirado da Sicília).

O exílio não era tão draconiano como podia parecer. Frederico tinha agora atrás de si um período como o bem sucedido líder diplomático da sexta cruzada (1228-29), e tinha claramente se tornado o hábil adversário dos papas. (ele foi excomungado uma vez em 1228 pelo Papa Gregório IX, que chamou Frederico de “Anticristo”). Ele era o poderoso stupor mundi (“maravilha do mundo”) – um apelido ganho enquanto ainda estava vivo. Taylor (bibliografia abaixo) argumenta bem que Frederico não estava interessado em perseguir muçulmanos, mas em experimentar a formação de um império multiétnico baseado em considerações econômicas, militares e sociais (Tons de Alexandre, o grande!). Seja qual for o caso, por volta de 1240, a população de Lucera era de aproximadamente 60.000 pessoas. Cerca de 25.000 desses eram muçulmanos exilados. Seguiu-se um período de cerca de 60 anos de coexistência entre cristãos e muçulmanos, quase como se estivessem revivendo os tempos tolerantes dos normandos na Sicília. A cidade era conhecida como Lucaeria Saracenorum [Lucera Sarracena,  “sarraceno” sendo um sinônimo comum para muçulmanos.]

A população muçulmana de Lucera incluía cerca de 8000 ou 9000 soldados, que serviam fielmente o seu rei cristão, Frederico. Frederico os usou em várias batalhas, incluindo o cerco de Roma em 1239. O resto dos muçulmanos em Lucera construiu uma boa reputação na agricultura, medicina, artesanato e pecuária (incluindo a criação de animais exóticos, como leopardos e ursos). Os esforços muçulmanos ajudaram Lucera a tornar-se o local de uma das sete grandes feiras comerciais sancionadas por Frederico em seu reino todos os anos.

Quando Frederico morreu em 1250, a colônia muçulmana de Lucera apoiou seu sucessor natural Hohenstaufen, Manfred. Mas a continuação do reinado Hohenstaufen  não aconteceu, e todo o Reino da Sicília (que significava todo o sul da Itália) foi varrido pelas lutas entre os Guelfos e os Gibelinos, que são, respectivamente, o poder do papado e do Sacro Império Romano. Durante 15 anos, os exércitos dos sucessores Hohenstaufen combateram os exércitos angevinos franceses pelo controle do Sul. Todo o peso do papado estava contra os Hohenstaufens e  por trás das reivindicações angevinas à coroa da Sicília. Os Hohenstaufens foram derrotados e o Reino foi tomado pela dinastia Angevina, governado primeiramente por Carlos I (rei de entre 1266-85) e depois por Carlos II (1285-1309).

Os muçulmanos em Lucera tinham apoiado ativamente Manfred. Lucera, por si só, tinha até servido como base de operações de Manfred, e foi militarmente tomada pelos exércitos Angevinos em 1268. Apesar de tudo isso, a comunidade muçulmana aceitou os novos governantes, e a população não foi imediatamente afetada pela mudança de dinastia. Ou seja, existiram 14 (!) papas entre a morte de Frederico e o ano de 1300, e três cruzadas foram travadas na Terra Santa naquele mesmo período; no entanto, não parece ter havido qualquer pressão papal para incentivar o angevinos a expurgarem os muçulmanos em Lucera. Eles foram grandes produtores de receitas para o Reino Angevino (com sua capital agora em Nápoles) e não representavam nenhuma ameaça física real. A colônia continuou a prosperar e os soldados muçulmanos na Comunidade viram mesmo o serviço nos exércitos Angevinos. Pode ser também que outras considerações históricas tenham desempenhado um papel em atrasar os movimentos Angevinos contra Lucera; ou seja, Charles II estava muito ocupado em outro lugar tentando manter a integridade de seu novo reino na esteira do que é chamado de Vésperas Sicilianas, uma revolta anti francesa na Sicília em 1282, cujo resultado final foi a perda de toda a ilha para os aragoneses. Essa situação hostil diminuiu em 1290 quando os governantes Angevinos do continente e os novos governantes aragoneses da Sicília estiveram ligados pelo casamento real.

O fim veio em 1300 durante o Papado de Bonifácio VIII, talvez o maior representante da supremacia papal sobre os assuntos temporais dos homens, na história católica romana. O ano de 1300 foi o ano do grande Jubileu, o ápice do poder papal. Não há unanimidade entre as fontes a respeito do motivo pelo qual as forças de Carlos II finalmente caíram sobre Lucera em 24 de agosto de 1300. Se procurarmos uma razão religiosa, talvez tenha sido, certamente, o zelo gerado pela ideia de que o Papa Católico devesse governar a terra, e que simplesmente não se deveria deixar uma comunidade muçulmana sobreviver em um reino cristão. Medo da rebelião? Não parece provável que os muçulmanos em Lucera estavissem prestes a se revoltar. Eles tinham construído uma comunidade próspera ao longo de duas gerações, e foram relativamente bem tratados pelo angevinos. (tão tarde como em 1295, Charles II enviou um emissário a Lucera para olhar para investigar as reclamações muçulmanas de que seus impostos eram muito altos.) Ganância? Isso é possível, mas teria sido uma matança míope do ganso que coloca ovos de ouro, simplesmente entrar e tomar tudo o que os muçulmanos tinham.

No entanto, por qualquer razão, isto foi o que aconteceu. A Lucera islâmica foi saqueada por Charles II em 1300. Toda a riqueza, propriedade e gado foram levados. As mesquitas foram destruídas e aqueles que haviam orado nelas foram exilados (alguns fugiram pelo Adriático) ou vendidos como escravos. Os líderes sociais e políticos da Comunidade foram aprisionados em Nápoles. Alguns da Comunidade foram atacados e assassinados enquanto fugiam de Lucera. A Catedral de Lucera foi construída sobre as ruínas de uma mesquita destruída. O Museu cívico em Lucera moderno retém alguns fragmentos de evidência, como cerâmica com inscrições árabes, que recordam este breve período de presença muçulmana.

Bibliografia

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http://www.meridiano16.com/Appunti_e_libri_gratis.htm   Retrieved April 30, 2009.

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—Goodwin, Stefan. Malta, Mediterranean bridge. Greenwood Publishing Group, 2002.

—Johns, Jeremy. Arab Administration in Norman Sicily: The Royal Diwan. Cambridge University Press, Cambridge (UK), 2002.

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— Runciman, Steven. The Sicilian Vespers: a history of the Mediterranean world in the later thirteenth century. Cambridge University Press, 1958.

—Taylor, Julie. Muslims in Medieval Italy: The Colony at Lucera. Lexington Books, 2005 and review of same by William Granara in The Journal of Religion, Chicago Journals, University of Chicago Press, Oct 2005.

—Sedgwick, Henry Dwight. Italy in the Thirteenth Century. Houghton Mifflin Company. Boston and New York. 1912.

Fonte:  https://iqaraislam.com/lucera-uma-colonia-muculmana-na-italia-medieval/