Nascido no sultanato de Adal em 1548 sob o nome de Chapu (ou Wako), não tardaria muito até que tivesse seu nome mudado para Ambar por um de seus senhores, Mir Qasim Al Baghdadi, após conseguir converter Chapu, agora Ambar, para o Islã.  

Malik Ambar nasceu no sul da Etiópia cristã, mais especificamente na região de Khambata, provavelmente na tribo Oromo. É debatido se quando criança ele foi vendido como escravo pelos próprios pais devido à pobreza severa que os assolava, ou se foi capturado por mercadores de escravos. Ao que parece, o que é mais comumente aceito é a primeira hipótese, de que Ambar foi de fato vendido como escravo pelos pais.

De qualquer forma, após ser comprado na Etiópia, Malik Ambar foi parar em al-Mukha no Iêmen. Lá ele foi vendido mais uma vez, agora pelo preço de 20 ducados. Seu novo senhor, Qadi al-Qudat, oriundo de Meca, o levou para o mercado de escravos localizado em Bagdá, onde vendeu Malik para o já mencionado Mir Qasim al-Baghdadi, que o levaria para o Decão, no sul da Índia. De lá ele foi um de centenas de escravos comprados por Mirak Dabir, ele mesmo um abissínio assim como Ambar, porém um ex-escravo.

Depois que o dono de Ambar morreu, ele foi libertado pela esposa do mesmo. Ele se casou e, após ser libertado, Ambar serviu brevemente ao Sultão de Bijapur e foi nessa ocasião que ganhou o título de “Malik”. Mas Ambar desistiu desse serviço após alegar apoio insuficiente, antes de entrar no serviço no Exército Nizam Shahi.

Nessa época, os governantes do Decão estavam comprando muitos habshis1, principalmente devido a sua lealdade e força física. Devido a isso, era extremamente comum que os habshis fossem enviados para servir no exército, e isso não foi diferente com Ambar, que se viu no meio militar.

Malik Ambar começou sem muito prestígio entre os soldados de Dabir. Quando o exército mogol se tornou triunfante sobre os reinos de Khandesh, Berar e Daulatabad, Ambar entrou no serviço de Ibrahim ‘Adil Shah. Malik Ambar integrou um grupo que perambulava pelas fronteiras, punia os assaltantes e ladrões, realizavam incursões em todos os lados, assim os bandidos daquele país eram duramente pressionados e muitos escolheram segui-lo.

Malik Ambar foi o regente da dinastia Nizamshahi de Ahmednagar2 de 1607 a 1627. Durante este período, ele aumentou a força e o poder de Murtaza Nizam Shah II e formou um grande exército. Ele levantou uma cavalaria que cresceu de 150 para 7.000 em um curto período de tempo e revitalizou o sultanato de Ahmadnagar, nomeando sultões “fantoches” para repelir os ataques mogóis que na época provinham do Norte.

Já em 1610, seu exército cresceu para incluir 10.000 Habshis e 40.000 habitantes de Decão. Ao longo da próxima década, Malik Ambar lutaria e derrotaria as tentativas do imperador mogol Jahangir de assumir o reino.

Na época do primeiro cerco3, ele tinha menos de 150 cavaleiros sob seu comando e se juntou a um senhor Habshi em melhores condições. Mas enquanto a guerra despedaçava a nobreza e desafiava a lealdade de um grande número de homens, em um ano Ambar manteve sob seu controle 3.000 guerreiros; em 1600, esse número subiu para quase 7.000, agora incluindo Marathas e outras Dakhnis – uma “força multirracial e multiétnica que compartilhava amplamente uma identidade regional distinta dos mogóis do norte” (PILLAI, 2018, p.123).

Ele serviu como comandante militar sênior e, quando a dinastia entrou em um período turbulento depois que sua capital foi capturada pelos Mogóis, Malik Ambar reuniu suas forças e conseguiu elevar um novo membro da dinastia ao trono. Apoiado por outros soldados e administradores escravos etíopes, Malik Ambar permaneceu como o poder por trás do trono pelo resto de sua vida.

Sua técnica favorita era lançar guerrilheiros contra os lentos exércitos Mogóis, aprimorando uma técnica militar que os maratas iriam levar até os níveis de perfeição. Em 1610, Ambar desceu repentinamente sobre os Mogóis com 50.000 cavalos e saqueou Surat, o principal porto do império Mogol, dando inspiração para o famoso ataque de Shivaji naquela cidade cinco décadas depois. Claro, Ambar nem sempre teve sucesso. Como escreveu um historiador mogol, “Malik Ambar às vezes foi derrotado e às vezes vitorioso, mas não deixou de se opor.” Jahangir, no ápice de sua fúria, até encomendou uma pintura na qual exibia um tiro de flecha na cabeça decepada do habshi “Rica em simbolismo, a pintura associa repetidamente o imperador com luz e justiça, enquanto a cabeça de Malik Ambar, rodeada de corujas mortas e vivas, é associada à noite, escuridão e usurpação.” Os Mogóis eram, de fato, obcecados com a cor da pele do inimigo, isso pode ser visto tanto na representação da pintura a respeito de Ambar quanto em escritos furiosos do próprio Jahangir. Mas “acima de tudo, o retrato revela a profunda frustração do imperador com seu fracasso em derrotar Ambar: ele fantasiou na arte o que não poderia realizar no campo de batalha.”

Como mencionado acima, Malik Ambar foi o regente do Sultanato de Ahmednagar de 1607 a 1626. Durante este período, ele elevou a força e o poder de Murtaza Nizam Shah e criou um grande exército, que soube comandar com grande maestria, afinal, desde o começo de sua carreira ele esteve envolvido no meio militar, antes mesmo de ganhar sua liberdade. Assim, Depois de expulsar brevemente os Mughals de Ahmadnagar, e até mesmo ocupar Daulatabad (antigo Devagiri), Ambar estabeleceu uma nova capital para o reino Nizam Shahi em um lugar conhecido como Khirki em 1610, enchendo-a de palácios, fontes, avenidas e todos os outros marcos que poderiam conferir ao local um ar de nobreza – a cidade acabou se tornando o lar de até 200.000 pessoas, habitando em 54 bairros. Maliki mudaria a capital de Paranda para Junnar e fundou uma nova cidade, Khadki da qual foi mudada novamente para Aurangabad pelo imperador Aurangzeb quando ele invadiu o Decão. Malik Ambar cultivou fortemente a habilidade e amor pela arquitetura. Aurangabad foi sua obra arquitetônica e criação.

Em outas ocasiões de conflitos com os Mogóis, Malik Ambar derrotaria diversas vezes o general Khan Khanan. Muitos líderes do império Marata receberam grande prestígio e poder nessa época, e por sinal haviam sido homenageados por Malik Ambar na construção da cidade acima, nomeando alguns subúrbios da cidade através de seus nomes, como Paraspura, Vithapura, Khelpura e assim por diante.

Devido à grande proeminência dos chefes Maratas, principalmente Lakhuji Jadhavrao, Maloji Bhosale, Shahaji Bhosale e outros, Malik Ambar capturou o Forte Ahmednagar e a cidade dos Mogóis. Porém, em uma das batalhas, Malik Ambar foi derrotado pelos Mogóis e teve que render o forte de Ahmadnagar. Muitos chefes Maratas, especialmente Lakhuji Jadhavrao e Ranoji Wable juntaram-se aos Mogóis depois disso, provando que sua lealdade variava conforme o lado vencedor: uma hora ao lado de Malik Ambar, porém, caso o mesmo perdesse, estariam ao lado dos Mogóis.

Shah Jahan mais uma vez deu um golpe esmagador em Malik Ambar em uma das batalhas e diminuiu ainda mais seu poder. Anteriormente, Malik havia ajudado o Shah a assegurar o seu domínio em Deli em uma disputa com sua madrasta, Nur Jahan. Após isso, Malik Ambar seria derrotado quando Shah Jahan levou um imenso exército para Ahmednagar. Mais tarde, Malik Ambar ofereceu controle total de Berar e Ahmadnagar para o Mughal como um sinal de rendição.

Apenas posteriormente que Malik Ambar viria a se aliar com os Maratas, mas vindo a sofrer outra derrota nas mãos de Jahan.

Ambar morreria em 1626 aos 77 anos, deixando para trás dois filhos: Fateh Khan e Changiz Khan, assim como duas filhas, Shahir Bano e Azija Bano.

Fateh Khan sucedeu a seu pai como regente dos Nizam Shahs. No entanto, ele não possuía as proezas políticas e militares do pai e o sultanato caiu nas mãos do Império Mogol apenas dez anos após a morte de Malik.

Não obstante, Malik Ambar deixaria um amplo legado na arquitetura: seria o responsável pela construção do canal de Aurangabad, cidade essa que ele mesmo fundou. Indo mais além, foi o responsável pelo magnífico forte Janjira, que até mesmo para os padrões da arquitetura militar moderno é minimamente impressionante.

Malik Ambar, além de vitórias militares e ter ocasionado a fúria de figuras importantes de sua época (como Jahangir), ou ainda importantes construções arquitetônicas para a Índia, legaria algo mais interessante ainda para a história: o fato de um escravo ascender ao trono, se tornando uma das pessoas mais poderosas do subcontinente indiano. Tal ascensão não foi tão incomum no mundo islâmico, havendo exemplos de pessoas que se tornaram ainda mais poderosas do que Malik Ambar e que possuíam descendência escrava, como o famoso califa abássida al-Mamun (r.813-833), e as dinastias escravas do Egito mameluco e eslavas de al-Andalus.

Notas

[1] Termo usado para se referir a membros de várias comunidades étnicas dos planaltos da Abissínia.

[2] Por vezes também chamado de Sultanato de Ahmednagar.

[3] Isto é, cerco Mogol.

Bibliografia

BROWN, Jonathan A.C. Slavery and Islam. Oneworld Academic Publications, 2019.

PILLAI, Manu S. Rebel Sultans. Juggernaut Books, 2020.

BEG, Sahil M. Malik Ambar: The African slave who built Aurangabad and ruined the game for Mughals in the Deccan. Indian Express, 2020.

EATON, Richard. A Social History of the Deccan, 1300–1761: Eight Indian Lives. Cambridge University Press, 2008.