Durante os meados dos séculos XVI e XVII, o Império Otomano teve em sua constituição nobiliárquica e política o protagonismo de uma série de mulheres, esposas do Sultão, que tiveram além de uma posição de proeminência junto a seus maridos, o quase de facto controle das rédeas do Império no ocaso destes, assumindo o poder através de sua posição privilegiada e personalidade forte.

Estas mulheres geralmente ostentavam o título de Haseki Sultan. O que significa? Bom, o leitor já deve saber que, no Império Otomano, o Sultão tinha à sua disposição um literal harém de concubinas, grande parte delas sendo mulheres geralmente capturadas em territórios cristãos europeus durante campanhas militares, ou vendidas por mercadores magrebinos, tártaros, judeus e também europeus para o Império. Como era de esperar, sempre havia uma concubina em especial que capturava o olhar e, não raramente, o coração do Sultão. Tão extasiado era o soberano turco pela mulher, que com ela se casava e lhe concedia, então, o título de Consorte Imperial, ou, em turco-otomano, Haseki Sultan. Hürrem Sultan, principal consorte e esposa legal de Suleyman, o Magnífico, foi a primeira detentora deste título. Todavia, o título perdeu sua exclusividade sob Ibrahim I, que o concedeu a nada menos que oito mulheres simultaneamente (haja coração e olhos para tantas!). Ele foi usado até o fim do século XVII. Depois disso, kadınefendi tornou-se o título de maior classificação para consortes imperiais, embora este título não fosse tão prestigioso quanto o anterior.

Como foi dito, a grande maioria (senão a quase absoluta maioria) eram mulheres capturadas, vendidas como escravas e que, de um modo ou outro, faziam seu caminho até o paço imperial de Istambul. Elas, além de serem capturadas em campanhas de guerras ofensivas, também o eram em teatros de guerra de domínios otomanos, mas que eram contestados por forças que lá tentavam se inserir, como era o caso dos venezianos na Grécia, que viam nas ilhas do Egeu um ponto estratégico vital para sua frota e domínio marítimo, ameaçado pela Sublime Porta.

É neste exato contexto acima citado que temos a ascensão na história de uma figura nata e ‘criada’ nessa situação: estamos falando de Cecelia Venier-Baffo, uma vêneto-italiana da nobreza veneziana, sobrinha do Doge Sebastiano Venier. Nascida na ilha grega de Paros, então parte da República de Veneza, terra cobiçada pelos otomanos, durante a ocasião da Terceira Guerra Vêneto-Otomana, fora capturada junto da ilha por Hayreddin Barbarossa em 1543. Sendo uma garota bonita, deve ter chamado a atenção de alguém importante, pois acabou sendo levada para o palácio e colocada no harém do então príncipe, futuro sultão Selim II, em Istambul. Ela foi convertida ao Islã e recebeu o nome de Afife Nur-Banu. Existem outras histórias sobre suas origens, de modo que diferentes historiadores pontuam conflitantes origens para Nurbanu (com alguns dizendo que ela seria grega, e não italiana), mas esta é provavelmente a mais comum e aceita.

Enquanto Selim ainda era príncipe, Nurbanu tornou-se a chefe de seu harém principesco. Uma vez que ele se tornou sultão, Selim deixou sua esposa favorita, a haseki Nurbanu, permanecer no Palácio Topkapi durante todo o seu reinado, como seu antecessor Suleyman havia feito com sua haseki, e mãe de Selim, Hurrem. Mesmo depois que Selim começou a ter outras concubinas, Nurbanu persistiu como sua favorita por sua beleza e também sua inteligência. Como mãe do herdeiro aparente, o príncipe Murad, que se tornaria o sucessor de Selim, Murad III ela atuou como conselheira do marido. Embora estivesse longe de ser normal na época, Selim II costumava pedir conselhos a Nurbanu sobre vários assuntos por causa de seu respeito por seu bom senso, além do fato dela ser uma esposa devotada e leal a seu marido e à sua família.

Selim, para enfatizar que havia apenas uma mulher para ele – Nurbanu –, casou-se legalmente com ela. Relatos da Embaixada datam o casamento no início de 1571 e trazem a notícia com a observação de que Selim queria expressar por casamento o quanto amava Nurbanu e que seu único herdeiro legítimo era o filho deles, Murad. Nesse meio, Murad foi enviado para Manisa para atuar como governador da região, assim como fora seu pai enquanto príncipe. Em 1574, o sultão Selim II faleceu. Sua morte foi mantida em segredo por Nurbanu, que colocou o corpo de Selim numa caixa de gelo e a dividiu apenas com seu Grande-Vizir, Sokollu Pasha, para que ninguém pudesse se aproveitar da situação e tentar tomar o poder à força até que Murad chegasse a Topkapi, uma vez que não era nada incomum que, à ocasião da morte de um sultão, forças ocultas palacianas se manifestassem e tirassem dos legítimos sucessores sua sucessão, também não raramente desembocando no massacre da família inteira pelos golpistas.

A morte de Selim não foi divulgada publicamente até doze dias depois, quando Murad chegou e Nurbanu entregou o corpo de Selim. Como tudo está bem quando termina bem, seu filho tornou-se o sultão, sob o nome de Murad III, e Nurbanu tornou-se valide sultan, (sultana mãe) a posição mais alta que uma mulher poderia ocupar no Império Otomano. A verdadeira influência de Nurbanu começou justamente nessa época, que durou de 1574 a 1583, embora aparentemente não fosse residente no Palácio de Topkapi após a morte de Selim II. Embora no passado ela também tivesse influência sobre muitas coisas como haseki, como valide, ela imediatamente começou a trabalhar ainda mais ativamente na governança do Império e colocou suas próprias pessoas de confiança em posições cada vez mais altas para fortalecer a si mesma e a seu filho através delas. Ela foi reverenciada como Valide-i Atik Sultan ("a primeira mãe forte do sultão reinante") durante o reinado de seu filho até sua morte. De todos os sultões, Murad era o mais dedicado à mãe. No entanto, o monopólio e a superioridade de Nurbanu ainda estavam ameaçados, por outra mulher. Murad não mantinha muitas cônjuges e estava comprometido com uma única mulher, Safiye. Safiye Sultan recebeu o posto de haseki assim que Murad se tornou sultão e, assim, tornou-se uma sultana influente, embora muito menos do que Nurbanu. Todavia, a falta de sororidade e a disputada por poder levaram a choques constantes entre as duas, num típico casos de família á lá turca.

Nunca esquecendo de suas origens venezianas, Nurbanu teve uma política diplomática parcial e enviesada para com Veneza: procurou, a todo modo, manter a paz e estabelecer boas relações com a República Mercantil italiana e dirigindo uma áspera e inimiga política contra os rivais mercantis de Veneza, os genoveses. Nurbanu também era conhecida por suas doações de caridade e seu patrocínio a projetos de construção, especialmente a construção de um magnífico complexo de edifícios que incluía uma mesquita e madrassa (Mesquita Atik Valide), um banho público (Cemberlitas Hamami), dentre outras coisas. Ela era uma figura amada e respeitada quando morreu em seu palácio em Istambul em 1583, presumivelmente de causas naturais, embora alguns (provavelmente relatos venezianos) especulem que ela foi envenenada por um assassino genovês, descontentes com sua política “tigresa” contra Gênova e “tchutchuca” com Veneza. Ela foi enterrada ao lado de Selim II em seu türbe (mausoléu) no pátio da mesquita de Ayasofya (Hagia Sophia), tornando-se assim a primeira esposa de um sultão a receber a honra de ser sepultada ao lado de seu cônjuge.

Bibliografia