Nascido em 930 em Ahwaz, no sudoeste do atual Irã, Ali Ibn al-Abbas ‘’al-Majusi’’ ou “o Zoroastrista’’, conhecido no ocidente pela latinização de seu nome como ‘’Haly Abbas’’, cresceu em uma tradicional família de origem persa, daí sua alcunha “majusi’’ que em árabe significa ‘’o zoroastrista’’, mas que porém não se relaciona com sua orientação religiosa, que era islâmica, adquirida em sua família desde a conversão de seus bisavós ao Islã. Estudando enquanto jovem com o erudito Shaikh Abu Maher Musa ibn Sayyār, ele foi considerado um dos três maiores médicos do califado abássida de seu tempo e tornou-se médico do emir Adud al-Daula Fana Khusraw, da dinastia Buída, que governou de 949 a 983. O emir Fana Khusraw foi um grande patrono da medicina e fundou um hospital em Shiraz, na Pérsia, e em 981 o Hospital Al-Adudi, nomeado em sua homenagem, em Bagdá no Iraque, onde al-Majusi trabalhava.
 
Ele entraria para história através da publicação de seu livro, o Kitāb Kāmil aṣ-Ṣināʿa aṭ-Ṭibbiyya ‘’A Arte Completa da Medicina’’, que ele concluiu por volta de 980. Ele dedicou o trabalho ao seu patrono, o emir buída, e partir de então o livro ficou mais popularmente conhecido como Kitāb al-Malakiyy ou “O Livro Régio’’. O seu diferencial de outros tratados mèdicos islâmicos da época, é que seu livro é uma enciclopédia mais sistemática e concisa do que o Hawi de al-Razi, e mais prático do que o Canon de Avicena, pelo qual foi substituído ao longo do tempo, principalmente no Ocidente medieval.
 
O Livro Régio é dividido em 20 discursos, dos quais os dez primeiros tratam da teoria médica e os dez da segundos tratam da prática da medicina. Alguns exemplos de tópicos abordados são dietética e matéria médica, uma concepção rudimentar do sistema capilar, observações clínicas interessantes e prova dos movimentos do útero durante o parto (por exemplo, contradizendo o conceito anterior de que a criança ‘’saia’’, corrigindo-o pelo fato de que é empurrada para fora).
 
O trabalho enfatizou a necessidade de uma relação saudável entre médicos e pacientes e a importância da ética médica. Ele também forneceu detalhes sobre uma metodologia científica semelhante à pesquisa biomédica moderna. Neurociência e psicologia também foram discutidas em seu livro. Ele descreveu a neuroanatomia, neurobiologia e neurofisiologia do cérebro e primeiro discutiu vários distúrbios mentais, incluindo a doença do sono, perda de memória, hipocondria, coma, meningite quente e fria, vertigem epilepsia, doença do amor e hemiplegia. Porém, apesar de recomendar o uso de drogas no tratamento de certas doenças, Ali deu mais ênfase à preservação da saúde por meio da dieta e da cura natural do que com medicamentos, que considerava um último recurso.
 
Ali ibn Abbas al-Majusi foi um pioneiro em psicofisiologia e medicina psicossomática. Ele descreveu como os aspectos fisiológicos e psicológicos de um paciente podem afetar um ao outro. Ele encontrou uma correlação entre pacientes que eram física e mentalmente saudáveis ​​e aqueles que não eram saudáveis ​​física e mentalmente, e concluiu que "alegria e contentamento podem trazer uma condição de vida melhor para muitos que de outra forma estariam doentes e infelizes devido à tristeza, medo desnecessários preocupação e ansiedade.’’ Ele faleceu em 994 em Xiraz, na Pérsia.
 
No entanto, o legado das pesquisas e descobertas de Ali Ibn al-Abbas não morreriam com ele ou mesmo no mundo islâmico. Na Europa, uma tradução latina parcial de seu trabalho foi adaptada como ‘’Liber pantegni’’ pelo famoso plagiador e monge católico Constantino, “O Africano’’, (m. 1087), através da qual que se tornou um texto fundador da Escola Médica Salernitana em Salerno na Itália, a primeira e mais importante instituição de medicina medieval da Europa em seu tempo, vindo a influenciar a prática médica em todo continente por três séculos. Outros textos médicos vindos do mundo islâmico que influenciaram grandemente a escola foram o tratado de oftalmologia do árabe cristão Hunayn bin Ishaq e o Viático, de ibn al Jazzar. As traduções árabes dos textos de médicos gregos como Hipócrates, Galeno e Dioscórides também encontravam seu caminho aqui, com as devidas notas e correções feitas pelos eruditos muçulmanos, onde eram traduzidas do árabe para o latim. Uma outra tradução posterior do Livro Régio de Ali Ibn al-Abbas, muito mais completa e melhor, foi feita em 1127 por Estêvão de Antioquia, e foi editada e impressa em Veneza em 1492 e 1523. Na ficção, o livro de ‘’ Haly Abbas’’, como Ali ficou conhecido no Ocidente latino, é mencionado em Os Contos de Cantuária, publicado em 1392 por Geoffrey Chaucer.

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