Texto de: Pedro Henriques

Corria o ano de 1018, quando Abu Ali Hasan (mais tarde denominado honorificamente como “Nizam al-Mulk”) havia nascido na pequena povoação de Radkan (actual Irão). Poucos foram os dados que conseguimos recolher sobre a sua juventude. Sabemos, pelo menos, que durante alguns anos, havia servido o Império Gaznévida, estado muçulmano sunita que vigorou no antigo território do Khorasan (Coração) entre os anos de 977 e 1186. Neste contexto em específico, o nosso biografado terá desempenhado funções de natureza governativa na capital Ghazni, embora desconheçamos mais detalhes a esse respeito. No ano de 1043, Abu Ali Hasan deixa de servir aquela dinastia para começar a trabalhar directamente para os turcos seljúcidas que se estavam a afirmar na região. No ano de 1059, torna-se administrador da influente província do Khorasan, e no decurso da crise de sucessão vivida entre os anos de 1063 e 1064, não hesitará em apoiar as pretensões de Alp Arslan ao trono seljúcida.

Busto de Nizam al-Mulk

Este último será bem sucedido e afirmará inequivocamente o seu poder, abafando quaisquer revoltas ou manifestações populares de descontentamento. Naturalmente, a lealdade de Abu Ali Hasan para com o seu senhor foi tida em consideração neste delicado processo, e por isso, acabaria por ser nomeado vizir, isto é, ministro ou principal conselheiro do sultão. Tratava-se dum cargo prestigiante normalmente reservado àqueles que revelassem elevadas competências e que, em simultâneo, provassem ser dignos de merecer a confiança total do responsável máximo do sultanato. Abu irá usufruir desta benéfica posição administrativa durante os reinados de Alp Arslan (1063-1072) e Malik Shah I (1072-1092). Será neste âmbito que receberá o título honorífico de “Nizam al-Mulk” (“Ordem do Reino”), designação que o identificaria para a posterioridade.

Nizam al-Mulk provou ser um estadista ou um homem de elevada visão política que tutelou e reorganizou a máquina administrativa. O vizir destacou-se em vários campos de acção. No âmbito belicista, promoveu a criação de feudos militares destinados a servir de suporte aos soldados seljúcidas e a favorecer, em simultâneo, uma tradição agrícola persistente nesses territórios. Assim sendo, os militares, ao assumirem um poder autónomo em certos espaços, retirariam os dividendos necessários inerentes à produção das comunidades sedentárias que passariam agora a controlar, o que representava, em contrapartida, um alívio das despesas estatais para com o seu próprio exército. Por outro lado, e sempre que fosse necessário, o sultanato turco continuava a garantir às suas tropas o abastecimento em comida e o financiamento necessário que advinha dos fundos recolhidos através da cobrança de impostos sobre o sector comercial. Deste modo, era assim possível manter o esforço de guerra que permitia aos seljúcidas expandir o seu território.

De acordo com o escritor Amin Maalouf, Nizam idealizava um Estado próspero, poderoso e estável, onde se denotaria igualmente uma rigorosa disciplina das elites administrativas e religiosas. Por isso, não hesitará em sugerir um policiamento mais apertado, recorrendo aos preciosos serviços de alta espionagem e a sanções severas para os potenciais infractores. Por outras palavras, o vizir tencionava impedir eventuais levantamentos ou golpes de estado que pudessem colocar em causa a ordem no território.
No entanto, a obra do nosso biografado ultrapassa, em muito, a esfera política. Dentro deste contexto, Nizam promoveria a construção de diversas “madrasas“, isto é, escolas ou colégios destinados ao ensino da religião muçulmana. O estabelecimento académico mais conceituado seria erguido em Bagdade e ficaria sob a tutela do afamado filósofo e teólogo al-Ghazali. De facto, este centro cultural foi dotado dos melhores professores do seu tempo e ainda disponibilizava instalações em condições bastante aceitáveis, favorecendo assim a transmissão de conhecimentos superiores aos seus estudantes. É provável que, enquanto seguidor do credo sunita, Nizam al-Mulk estivesse apreensivo com o crescimento duma seita que ele julgava ser herética e inclusive perigosa para o Islão – o Ismaelismo que, na altura, parecia recuperar preponderância através do seu pregador temível Hassan Sabbah. Por isso, as “madrasas” que foram criadas por quase todo o território persa serviriam igualmente para aplacar o crescimento dessa minoria religiosa, cujo radicalismo da altura suscitava a máxima desconfiança das altas estruturas do sultanato.

Além da famosa Madraça Nizamiyya construída em Bagdá em 1065, numerosas outras escolas foram estabelecidas pelo famoso vizir Nizam al-Mulk em todos os domínios do Império Seljúcida. Exemplos notáveis foram as de Nishapur, Isfahan, Balkh, Mosul, Basra, Herat, Merv, Jerusalém, Alepo, Damasco e Konya.

A Madraça Nizamiyya de Nishapur na Pérsia fora administrada pelo grande jurista al-Juwaynī al-Shāfi’ī, que lecionava para 300-400 estudantes. Dentre eles o próprio al-Ghazālī, que mais tarde seria mestre na Nizamiyya de Bagdá.

Na imagem: As ruínas da Madraça al-Nizamiyya de Khargird, Irã, século XI.

No seu tempo, o Estado Seljúcida testemunharia ainda a construção de hospitais, hospícios, mesquitas, caravançarais, cidadelas e palácios do governo. Também poderemos destacar o facto do poeta e astrónomo Omar Khayyam ter usufruído dum observatório que lhe permitiu analisar os fenómenos do Universo. Podemos rematar que o florescimento cultural foi, de certa forma, uma realidade que não foi descurada pelo vizir e seu sultão.
Todavia, a conjuntura estava longe de ser paradisíaca. Além do perigo ismaelita, as intrigas na corte turco-persa eram frequentes e minavam a credibilidade e a posição dos visados. Como veremos, Nizam al-Mulk acabaria também por ser, mais tarde, vítima destas jogadas de bastidores, pese o prestígio que já havia adquirido e que lhe granjeara até uma falange de seguidores leais.

Segundo Amin Maalouf, o vizir Nizam al-Mulk redigiu um importante livro – o “Siyaset Nameh” (“Tratado de Governo”) o que na altura constituiu uma obra inovadora, uma espécie de equivalente para o Oriente Muçulmano do que será para o Ocidente, quatro séculos mais tarde, a obra “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel, embora com uma diferença incontornável – “O Príncipe” é a obra de um desiludido que foi frustrado do exercício do poder político, enquanto que o tratado do vizir é fruto da insubstituível experiência de um edificador de um império. Efectivamente, os escritos de Nizam não se resumem exclusivamente às exortações moralistas reservadas aos príncipes, mas também abordam a organização da administração (vertente institucional), a composição e a manutenção da armada real, a promoção da ideologia sunita e a contenção do movimento xiita (o sectarismo ismaelita é mesmo repudiado na sua obra), entre outras matérias.

Durante o seu vizirato, Nizam al-Mulk promoveu a empregabilidade dos turcomenos (nómadas que poderiam ocasionar quezílias na região), afirmou o poderio político e bélico do sultão, imprimiu alguma estabilidade e ordem no estado seljúcida, confiou a gestão das províncias a familiares do sultão e desenvolveu ainda relações diplomáticas com o Califado Abássida.
O estadista ainda participou em algumas expedições militares. No reinado de Alp Arslan (1063-1072), alinhou ao lado deste último em campanhas na Arménia Bizantina (onde conseguiram apoderar-se de Ani, além de submeterem vários chefes locais) e no Cáucaso. Nizam também liderou, por conta própria, uma ofensiva belicista que culminaria na conquista de Estakhr (província de Fars, sul do actual Irão). No entanto, Nizam não estará presente na batalha decisiva de Manzikert (26 de Agosto de 1071), onde as tropas de Alp Arslan trucidarão o exército bizantino.

O assassinato inesperado de Alp Arslan em 1072 (foi apunhalado por um oficial capturado que velava pela defesa duma fortaleza e que havia sido sentenciado, naquele preciso momento, a uma morte cruel por parte do sultão), abriu as portas do poder ao seu filho Malik Shah I (1072-1092) que teve ainda de suportar uma rebelião do seu tio Kavurt. De modo a zelar pelos interesses do jovem sultão, Nizam irá conter os gaznévidas na região do Coração, obterá vitórias diante dos fatímidas na Síria, invadirá novamente a Geórgia (reduzida então a um estado tributário) e manterá a submissão dos governos regionais bem como eliminará determinados focos rebeldes.

Todavia, uma nova vaga de quezílias rebentaria a nível interno, no decurso da década de 1080, com Nizam e o seu próprio filho Jamal al-Mulk a serem alvo das duras críticas dos seus inimigos. Confrontados com inúmeras provocações, ambos respondem imediatamente através da via da repressão, gerando um ambiente tenso na corte. Como se não bastasse, Malik Shah recusou-se a arbitrar estes novos conflitos, cenário que favoreceu o aumento da escalada de ódios.

Apesar de procurar salvaguardar o seu estatuto privilegiado, o vizir sente a sua posição cada vez mais ameaçada e, nos seus últimos cinco anos de vida (1087-1092), despertará inclusive a inimizade de duas personalidades influentes – a princesa qarajanida Turkan Khatun e o líder ismaelita Hassan Sabbah. A primeira era esposa de Malik Shah, e desejava garantir os direitos de sucessão de seu filho Mahmud (nascido em 1087), pretensão recusada por Nizam al-Mulk e por muitos generais seljúcidas que tomaram o partido de Barkiyaruq, na altura, o filho mais velho de Malik Shah embora este fosse fruto dum outro relacionamento mantido com uma princesa seljúcida. Por seu turno, o segundo era um pregador do Ismaelismo (ramo dissidente do Xiismo) que lograra converter várias pessoas à sua ideologia e que fundara ainda a radical Seita dos Assassinos (centrada na imponente fortaleza de Alamut desde 1090) com o objectivo de semear o terror nos inimigos do seu credo. Como já referimos anteriormente, o vizir Nizam al-Mulk havia afrontado o Ismaelismo no decurso da sua governação, tendo ainda fomentado algumas perseguições, o que decerto irritou o Velho da Montanha que sempre ansiara pelo momento da vingança.

Com a sua posição diminuída na corte, muito graças à crescente influência da princesa Turkan nas decisões tomadas pelo sultão Malik Shah, e com a sua segurança exterior ameaçada pelos fanáticos ismaelitas, o vizir não irá preservar a sua vida por muito mais tempo. Além das conspirações que poderiam estar a ser preparadas, alguns autores acreditam que Nizam al-Mulk teria sido ainda vítima dum declínio profundo do seu estado de saúde, talvez provocado pela detecção dum grave tumor. O seu enfraquecimento em todos os sentidos materializaria o chamariz ideal para que os seus inimigos o neutralizassem de vez.

Miniatura do século XIV e sua reconstrução retratando o assassinato de Nizam al-Mulk por um membro da seita dos assassinos.

A 14 de Outubro de 1092, Nizam al-Mulk seria assassinado quando seguia numa rota que partia desde Ispaão até Bagdade. O vizir foi esfaqueado mortalmente por um membro da Ordem dos Assassinos, então disfarçado de dervixe, que teria sido então enviado pelo terrível Hassan Sabbah para concretizar o vil atentado. Fora assim a primeira grande personalidade a ser abatida por aquela seita fundamentalista. Todavia, e de acordo com Amin Maalouf, não é de descartar o envolvimento do sultão Malik Shah e da sultana Turkan Khatun neste conluio. No enredo do livro “Samarcanda”, da autoria daquele romancista libanês, o líder do sultanato desejaria livrar-se definitivamente do excessivo protagonismo que recaía no seu vizir. Assim sendo, e contando com o apoio incondicional da sua esposa, teria “encomendado” os serviços implacáveis da Seita do Assassinos.

Curiosamente, o sultão Malik Shah morreria cerca de um mês depois, em condições bastante controversas – durante uma caçada, sentira-se mal e caíra no chão, contorcendo-se de dores presumivelmente provocadas por um prévio envenenamento. As suspeitas deste crime foram atribuídas às hostes fiéis de Nizam al-Mulk que assim se vingariam da alegada perseguição que havia sido movida pelo sultão ao seu vizir nos derradeiros anos. No entanto, esta teoria não é consensual. Outros relatos apontam para a possibilidade do sultão ter sido envenenado a mando do Califado Abássida.

Os anos que se seguiram à morte do vizir serão pautados por uma enorme turbulência política que irá culminar numa desintegração interna irreversível dos domínios seljúcidas. Este novo ciclo de incerteza e indefinição iria coincidir com o sucesso estrondoso da Primeira Cruzada (1095-1102).

Nizam al-Mulk deixaria para trás uma vida de 74 anos, recheada de muita actividade e zelo, dinamizando os sectores político e cultural e estabelecendo uma aproximação entre turcos e “iranianos” que abundavam na região. Dotado de primorosas capacidades de organização administrativa, o vizir logrou assim elevar a mística e o esplendor do Império Seljúcida.

Fonte: http://oscarreirosdahistoria.blogspot.com/2015/10/nizam-al-mulk-o-grande-vizir-dos-persas.html

Bibliografia:

  • KOURIMA, Abderrahim – Théorie de l’Etat et du gouvernement en islam médiéval: « La siyaset nameh, ou traité de gouvernement” de Vizir Nizam al-Mulk”. Publicado no ano de 2015.
  • MAALOUF, Amin – Samarcanda. Edição posterior (a original é de 1988). Tradução de Paula Caetano. Barcarena: Marcador Editora, 2015.
  • https://archive.org/details/siassetnamhtra01nizauoft, (Site em que pode ser verificado o tratado do vizir Nizam al-Mulk que foi traduzido e estudado por Charles Schefer, consultado em 31-10-2015)
  • http://www.britannica.com/biography/Nizam-al-Mulk-Seljuq-vizier, (Consultado em: 31-10-2015).
  • http://www.muslimphilosophy.com/ei2/nizam.htm, (Consultado em: 31-10-2015).
  • Wikipédia (Encontramos aí algumas informações – devidamente citadas – que consideramos assumirem alguma relevância visto que se inserem no contexto da actuação política deste renomeado vizir).