“Eles dizem que a [atual] situação do Chipre começou em 1974”, diz o prefeito da parte turca de Nicósia Semi Bora, “mas eles não podem me dizer isso. Meu pai foi levado pelos gregos em 26 Dezembro de 1963, quando os problemas começaram. Eu nunca mais o vi. Eu era apenas um garoto.”

O Chipre, paradisíaca ilha mediterrânea é uma ilha habitada, principalmente, por histórias. Desde a antiguidade, foi povoada por povos de culturas elaboradas, sendo posteriormente colonizada pelos gregos, inicialmente os aqueus e os micênicos, na segunda metade da Era do Bronze. Tida como o local de nascimento da deusa Afrodite, o Chipre ao redor de séculos transformou-se numa legítima parte da Hélade, conservando até os dias de hoje, uma população majoritariamente grega. Na Idade Média, foi possessão bizantina e depois passou para as mãos dos cruzados, que usavam a ilha como base e a transformaram num reino independente. Nessa época, foram levadas à ilha comunidades de católicos latinos, maronitas e armênios, enquanto o grosso esmagador da população, nativa, era de gregos ortodoxos; essas comunidades foram aumentadas em imigrações posteriores (de armênios e latinos, sendo estes últimos, atualmente, descendentes de venezianos que se assentaram na ilha). Após uma guerra com Veneza, o Império Turco-Otomano assumiu o controle da ilha, extirpando a elite latina que antes a governava e instituindo um programa de conversão e assentamentos na região, com o envio de camponeses turcos da Anatólia à ilha, pela primeira vez em 1571, formando as primeiras comunidades cipriotas turcas. Dentre os muçulmanos, havia uma comunidade de cripto-cristãos conhecida como linobambaki; também durante o período otomano, muitas igrejas católicas erguidas séculos antes pelos senhores cruzados da ilha, agora sem utilidade, foram transformadas em mesquitas, como é o caso da Mesquita “Paxá Lala Mustafá”.

A mesquita “Paxá Lala Mustafá”, antiga Catedral Católica de São Nicolau, localizada em Famagusta, capital da República Turca do Chipre do Norte.

Os otomanos concordaram em respeitar a Igreja (Ortodoxa) do Chipre e em conceder aos cipriotas gregos certa autonomia, contanto que respeitassem a autoridade do Sultão e os impostos; devido aos altos impostos, rebeliões, às quais se juntavam até mesmo cipriotas turcos, não eram raras.

O Chipre sozinho nunca teve forças para lutar por sua independência, mas mesmo séculos de dominação franca e turca não estremeceram os laços culturais, étnicos, linguísticos e religiosos que havia entre a ilha e a Grécia. No florescer dos nacionalismos no século XIX, surgiu entre os intelectuais cipriotas gregos a ideia da enosis, literalmente “união”, isto é, a união do Chipre à recém independente pátria grega. Em 1878, quando o Chipre foi tomado pelo Império Britânico após a Guerra Russo-Turca de 1877-1878, durante o começo do eclipse do “homem doente da Europa”, como Nicolau II da Rússia chamava a Sublime Porta, já estava enraizado um nacionalismo cipriota grego permeado pela ideia da enosis, enquanto a comunidade cipriota turca mantinha-se fiel a Istambul.

Os britânicos, em troca do Chipre, prometeram aos otomanos ajuda militar para repelir futuras invasões por parte do Império Russo. Um acordo extremamente benéfico aos britânicos, não apenas pela natural e histórica importância estratégica da ilha no Mediterrâneo, mas ela serviria como base para o recém-construído Canal de Suez, logo abaixo, no Egito. A mudança de mãos foi, inicialmente, bem recebida pelos cipriotas gregos e pela Igreja Ortodoxa do Chipre; esperavam eles que a dominação britânica (um Império cristão, ao menos) fosse ser temporária e pavimentaria a estrada em direção à enosis. A enosis não era, inclusive, uma ideia isolada, antes, ela era parte de uma “Grande Ideia”, ou como os gregos chamavam, a Megáli Idea, um projeto pan-helênico que visava unir numa mesma grande nação todos os gregos, do Épiro à Ásia Menor, da ocupada Constantinopla até o Chipre. A Megáli Idea foi um dos norteadores da política grega, especialmente em círculos republicanos e nacionalistas, como os seguidores de Elefthérios Venizelos (1864 – 1936), desde o final do século XIX até os anos 1920 e 1930, quando a Grande Ideia sofreu um baque e humilhação com a catastrófica derrota grega na Guerra Turco-Grega (1919 – 1922), que viu a tentativa helênica de concretizar a Grande Ideia às custas do cadáver do Império Otomano frustradas por uma resistência patriótica de oficiais turcos, liderados por Mustafa Kemal Paxá, o futuro Atatürk (“pai dos turcos”). Da resistência turca nessa guerra, nasceu a atual República Turca, declarada por Atatürk.

A administração inglesa da ilha, declarada uma colônia da Coroa Britânica em 1925, levou ao apagamento dos vestígios da administração e dominação otomana da ilha, ao mesmo tempo que promovia o florescimento de escolas e jornais para as comunidades cipriotas turcas e gregas. O ressentimento por altos impostos, a contínua existência dos cipriotas turcos como uma elite econômica e as negativas da Coroa em satisfazer os anseios cipriotas gregos de união com a Grécia (durante a Primeira Guerra Mundial, os britânicos ofereceram ao Reino da Grécia a posse da ilha, em troca de uma declaração de guerra às Potências Centrais, ao que o primeiro-ministro Venizelos aceitou, entusiasmado, apenas para ser decepcionado pelo veto do rei Constantino I, que não desejava se envolver na guerra; a Grécia entraria na guerra 2 anos mais tarde, em 1917) levaram ao crescimento da oposição entre os gregos ao domínio britânico, culminando na fundação da milícia EOKA na década de 50 para lutar, à mão armada, contra a administração de Londres. Em 1931, após uma insurreição popular de cipriotas gregos, as autoridades coloniais instituíram censura, baniram partidos políticos e a bandeira grega – símbolo amplamente usado como uma associação à “Hélade” e símbolo do desejo pela enosis -.

Em 15 de Janeiro de 1950, o Conselho da comunidade cipriota grega, encabeçado pela Igreja Ortodoxa, realizou um referendo não-oficial sobre a enosis: 96% disseram “sim” à ideia. Nessa mesma década, o governo grego começou a responder de volta os flertes do Chipre para com Atenas e, por volta de 1954 (não se sabe ao certo), o Marechal-de-Campo do Exército Helênico Alexandros Papagos deu o aval para o coronel reformado, cipriota de nascimento e grego continental por serviço militar, Giorgios Grivas para estabelecer uma milícia para lutar pela enosis à força. Assim foi formada a EOKA (Εθνική Οργάνωσις Κυπρίων Αγωνιστών - Ethniki Organosis Kyprion Agoniston, “Organização Nacional dos Guerreiros Cipriotas”). Em 1955, começaram a serem contrabandeadas armas através de barcos de pesca, principalmente, da Grécia para o Chipre; apesar de haverem alertas de uma possível insurreição na ilha, as autoridades britânicas só deram atenção à questão quando um barco recheado de armamentos e munições foi apreendido na costa da ilha, mas já era tarde demais. Em 1 de Abril de 1955, a EOKA detonou bombas em prédios públicos da administração colonial, dando início à Emergência Cipriota.

A Emergência Cipriota

Uma verdadeira insurgência tomou conta do Chipre: combatentes do EOKA organizavam atentados contra postos e oficiais de segurança tanto da polícia cipriota (identificada como um agente colaborador com o inimigo) quanto contra o Exército Britânico e bombardeando repartições públicas. Seja por medo de retaliações ou por simpatia à causa insurgente, os cipriotas gregos começaram um êxodo da polícia cipriota, leal aos britânicos; à esse movimento, somou-se o ingresso cada vez maior de cipriotas turcos às fileiras leais ao mandato da Coroa, uma vez que era preferível viver sob jugo britânico à arriscar viver, na melhor das hipóteses, sob a Grécia; a memória da expulsão dos turcos cretenses entre 1898 e 1923 ainda era recente e, apesar do EOKA afirmar (inclusive através de panfletos em turco) que nada tinha contra a comunidade cipriota turca, nada garantia que após uma possível união, não fossem também eles massacrados e expulsos, assim como foi na união de Creta com a Grécia em 1903. Temendo por suas vidas e uma possível enosis, os cipriotas turcos fundaram uma milícia secreta, a Volkan, para proteger sua comunidade; mais tarde, com o patrocínio da Turquia, a organização foi renomeada Türk Mukavemet Teşkilatı (“Organização de Resistência Turca”), o TMT, que viria a apoiar inicialmente as forças britânicas mas adotaria, mais tarde, a ideologia do taksim, isto é, da “separação” da ilha em duas partes: uma grega, a outra turca.

A atuação de cipriotas turcos na polícia da ilha causou ressentimento na comunidade grega. Por um lado, acusavam (parcialmente corretos) os britânicos de usarem a estratégia de “dividir e conquistar” para manter sua dominação na ilha; do outro, acusavam os turcos de se juntarem às tropas coloniais na opressão do país. Uma das figuras que despontam neste contexto é a do Arcebispo da Igreja Ortodoxa do Chipre Makarios III, à época ligado (como boa parte da Igreja do Chipre) à EOKA e à insurgência. Esforços foram feitos para um cessar-fogo, em vão e a luta reinou sem trégua. Em 1956, Makarios foi exilado nas Ilhas Seychelles, o contingente britânico foi aumentado para 30 mil soldados e novas tentativas de negociações foram feitas, porém rejeitadas; o motivo era que todas as propostas britânicas envolviam autodeterminação da ilha e não união com a Grécia, sendo então sumariamente rejeitadas por Atenas e pela EOKA. Em 1958, quarto ano da insurreição, nada havia ainda sido acordado e um conflito entre EOKA e TMT parecia inevitável. Uma guerra civil entre as comunidades cipriota grega e turca poderia se escalar em uma guerra entre Grécia e Turquia, dois países-membros da recém-formada OTAN e aliados ideológicos dos Estados Unidos, com consequências graves para o Bloco Ocidental. Em 1959, numa decisão conjunta entre Atenas e Ankara, o Acordo Zurique-Londres estabeleceu a independência do Chipre e a organização de uma república representativa composta por ambas as comunidades. A Constituição Cipriota de 1960 estabeleceu que o presidente do país seria um membro da comunidade grega, que no caso, acabou sendo do retornado Arcebispo Makarios, e o vice-presidente, da turca (cargo que coube a Adnan Menderes), com um Conselho de Ministros composto por 7 gregos e 3 turcos; a constituição previa também o hasteamento das bandeiras turcas e gregas ao lado da cipriota e a proibição tanto da enosis quanto da taksim; além disso, ela também estabelecia uma demanda da comunidade cipriota turca: municípios separadas, uma pequena taksim. Para a maioria dos cipriotas gregos, a independência foi uma grande derrota; para a maioria dos turcos, era um alívio: não eram parte da Turquia, nem constituíam uma entidade separada, mas também não eram parte da Grécia. Havia, no entanto, uma incerteza no ar: o que garantiria que, no futuro, uma união não ocorresse? A constituição? O que é a constituição perto das armas do inimigo?

 O “Natal Sangrento”: colapso do projeto de nação integrada

Em 1963 o Arcebispo Makarios, numa atitude típica de um clérigo arrogante, deliberadamente ignorou um tribunal cipriota que o advertiu de sua incapacidade – proposital ou não, visto que aos gregos interessava a mistura com os turcos, para poder controlá-los e neutralizá-los numa eventual rebelião -, levando Makarios a declarar que ignoraria o despacho judicial. No mesmo dia, membros do TMT entraram em confronto com a polícia.

A gota d’água foi quando em 21 de Dezembro de 1963, uma patrulha policial de cipriotas gregos detiveram um casal cipriota turco no limite do bairro turco de Nicósia (capital do Chipre). Uma multidão se formou, junto de um tumulto e tiros foram disparados, com dois cipriotas turcos mortos.

Alguns extremistas gregos diziam que os turcos deveriam ser "empurrados ao mar". Os gregos acreditavam que os turcos queriam causar uma verdadeira guerra étnica para legitimar uma intervenção turca (que veio a se concretizar). Independentemente se os massacres foram planejados por grupos paramilitares, esses mesmos grupos tomariam parte neles. Em 23 de dezembro, mesmo após uma trégua assinada entre Makarios III e os líderes da comunidade turca, Nikos Sampson junto de paramilitares gregos atacaram, passando através do fogo de metralhadoras instaladas no alto de minaretes, o bairro misto de classe média com grande população turca de Omorphita, nos subúrbios de Nicósia, matando homens, mulheres, idosos e crianças sem nenhuma discriminação. O imã de Omorphita e seu filho, um garoto cego, foram crivados de balas em suas camas. Após os fatídicos eventos, os bairros misturados deixaram de existir: os turcos fugiram para enclaves, especialmente no norte da ilha e Nicósia foi cortada por uma linha de barricas, arame farpado e ruínas. Muitos cipriotas turcos fugiram para a Turquia e para o Ocidente, também. O saldo de mortos na comunidade turca, que se estimava na casa dos 130, foi, com a posterior descoberta de mais e mais valas comuns, aumentado para mais de 300 pessoas. Nos dias que se seguiram, houveram ataques em, além de Omorphita, Kumsal e Kaimakli e outros bairros e vilas turcas das redondezas. Ameaças, ataques com armas de fogo e incêndios criminosos foram feitos pelos gregos para expulsar os turcos de suas casas. Os turcos, para se protegerem, se enfunaram em enclaves, especialmente na porção norte da ilha, onde eram mais numerosos.

Temendo a iminência de uma guerra civil e uma invasão turca, Makarios pediu arrego aos britânicos, que outrora foram seus inimigos (ó, a ironia!)  e às Nações Unidas que ajudassem a manter a ordem, ao que 2.400 soldados britânicos liderados pelo militar Peter Young, já presentes no Chipre (o país acabara de se tornar independente do Reino Unido), fizeram um cordão de isolamento em Nicósia, Limassol e entre o norte, majoritariamente turco, e o sul, majoritariamente grego

Makarios tentava posar como um líder de um país não-alinhado: flertava com a União Soviética e defendia lutas anticoloniais ao mesmo tempo que era conservador no seu próprio país, uma espécie de Jânio Quadros de batina. Era, porém, visto pelo mundo como o representante das duas comunidades cipriotas; o que, no entanto, não correspondia de fato à realidade: os turcos, especialmente após os eventos de 1963 – 64, foram ostracizados pela força das terríveis circunstâncias; não havia diálogo e qualquer "resolução" das Nações Unidas sobre a questão cipriota era motivo de piada entre os turcos. Mais tarde, o governo cipriota iria convidar um dos líderes do antigo EOKA, o ultranacionalista grego Nikos Sampson, para a chefia de tropas cipriotas gregas e gregas continentais, a fim de eliminar os bolsões de resistência turca, especialmente no enclave de Kokkina, no nordeste da ilha, a fim de consolidar a autoridade do governo de Makarios na ilha. Ao tentar tomar de assalto o enclave, no entanto, os carcamanos de Sampson foram feitos de churrasco kebab döner por aviões da Força Aérea Turca que despejaram napalm e bombas sob as tropas cipriotas gregas e gregas continentais. O apoio turco e as ameaças de intervenção contantes de Ancara, no entento, impediram que medidas mais "drásticas" fossem tomadas pelos paramilitares. No começo de 1964, uma intervenção turca em preparação só foi parada por avisos ásperos do presidente Lindon Johnson.

Os cipriotas deslocados - sejam gregos ou turcos - esperavam voltar para suas casas em poucos meses, mas à altura de agosto de 1964, as suas casas já tinham sido saqueadas e a situação não era segura. O Chipre estava, de fato, dividido. Yiannis Papadakis, antropólogo da Univerisade do Chipre, diz: “Na memória coletiva dos cipriotas turcos, 1963 é o principal ‘trauma nacional’, assim como é 1974 (o golpe pró-enosis e a seguinte invasão turca) para os cipriotas gregos. Os turcos se lembram de 1963 como Kanli Noel (Natal Sangrento) enquanto os gregos ‘não se lembram’ da data.”.

1974: golpe de estado e invasão

Tropas turcas avançam no Chipre, rumo ao Sul.

Em 1971, Giorgios Grivas retornou ao Chipre e fundou o EOKA-B (literalmente “EOKA 2”) e iniciou uma campanha terrorista pró-enosis contra a administração independentista de Makarios, bem como contra cipriotas turcos do governo. Grivas morreu em 1974 e a chefia do grupo passou para o ditador da Junta Militar Grega, que à época governava a recém-declarada República Helênica, Brigadeiro Dimitrios Ioannidis. Makarios, cheirando o fedor de um iminente golpe, escreveu para Atenas “pedindo” a saída das tropas gregas continentais da ilha. Ioannidis negou e ordenou a derrubada do governo de Makarios, a fim de começar o processo de união do Chipre com a Grécia. Em 15 de Julho de 1974, tropas gregas cercaram e abriram fogo contra o palácio presidencial de Nicósia. De maneira suspeita, Makarios escapou ao cerco e se refugiou na base da Força Aérea Real (britância) de Akrotiri, onde foi evacuado para Londres e, posteriormente, chegou às Nações Unidas em Nova York. Nikos Sampson foi declarado presidente da ilha e iniciou o tão esperado processo de enosis com a Grécia.

“Tudo que é bom dura pouco” diz o ditado; o que era supostamente bom para os gregos, nesse caso, durou muito pouco mesmo: na manhã de 20 de Julho, a Força Aérea Turca cobriu os céus da ilha, realizando ataques cirúrgicos contra alvos militares. O primeiro-ministro da Turquia, Bülent Ecevit decidiu, após uma negativa britânica de ajuda na situação, deveria atuar por sua própria conta e risco para salvar a pele dos cipriotas turcos, desafiando até mesmo os EUA (uma vez que o secretário de estado americano Henry Kissinger era favorável à enosis, visto que ela traria o Chipre se sua posição de não-alinhado para o campo Ocidental; a URSS, por sua vez, apoiou a Turquia, na esperança de manter a neutralidade da ilha). Paraquedistas foram lançados nas montanhas de Kyrenia e, horas depois, barcos lotados de tropas turcas aportaram no norte da ilha e começaram a avançar, tentando fazer um corredor com a parte turca de Nicósia e liberando os enclaves turcos que alcançavam, sendo ovacionados e aplaudidos com entusiasmo pelos cipriotas turcos. A Guarda Nacional Cipriota ofereceu ínfima resistência; suas armas leves não eram páreo para o grosso calibre, blindados e tanques que corriam na sua direção. Em dois dias, todos os enclaves e uma porcentagem razoável do norte da ilha domínio turco estável.

A invasão turca foi fortemente condenada pelo Reino Unido, pelos Estados Unidos e pelas Nações Unidas, que também criticaram avidamente a Junta de Atenas pela sua atitude irresponsável. O sucesso turco e deposição de Sampson levou à queda da Ditadura Militar Grega em 23 de Julho, com o Regime dos Coronéis como era chamado sendo substituído por uma administração civil.

A Turquia notificou as Nações Unidas que apenas pararia seus avanços se uma fossem concretizadas as aspirações de seus irmãos cipriotas por uma separação federal. Um acordo não foi acertado e, em 14 de agosto, um segundo round da invasão começou, com o Exército Turco tomando quase metade da ilha. Os cipriotas gregos, em pânico, fugiram de suas casas para a porção sul da ilha. Quando um cessar-fogo foi firmado três dias depois, os turcos haviam tomado 36% da ilha e milhares de refugiados gregos se aglomeravam na parte sul.

Depois da tempestade

O objetivo da comunidade turca foi alcançado: a divisão do Chipre em duas partes perdura até hoje e segue inquestionável. Nicósia e seu muro – que corta a cidade em duas – são conhecidas como “o último muro da Europa”: após a derrubada da Cortina de Ferro e do Muro de Berlim, sobrou apenas a “Zona Verde” ou zona morta, que corta a ilha, sem nenhuma esperança de vislumbrar sua derrubada. A ilha vive duas realidades diferentes, dois mundos diferentes: a única vez que os prefeitos de Nicósia se juntaram para algo em conjunto, foi para criar um sistema de esgoto conjunto, para fazer a cidade toda parar de feder. Provocações de ambos os lados sãos comuns, e muitas vezes terminam em tragédia, como o caso de um jovem grego que mostrou as nádegas desnudas a policiais turcos na Zona Verde e levou um tiro bem no meio das costas. Na década de 80, a porção norte deixou de ser um protetorado turco e passou a ser independente, chamando-se “República Turca de Chipre do Norte”, entidade que apenas a Turquia reconhece. Independente apenas no papel, pois na prática, a Turquia sustenta o norte da ilha. Nenhuma possibilidade de solução é vislumbrada por nenhum dos lados, até porquê, afinal, apesar de uns incidentes e mortes aqui e ali, a situação está, acima de tudo, estável; porquê mexer com quem está quieto? Cada um no seu quadrado, como dizem aqui, na Terra Brasilis.

Referências

The Cyprus Problem: what you need to know, James Ker-Lindsay (2011).

Cyprus: Ottoman Rule, disponível em: http://countrystudies.us/cyprus/7.htm

Split For Infinity? The Guardian (1999).

Cyprus: A Troubled Island, Andrew Borowiec (2000).

1963 is still a historical minefield, Elias Hazou, CyprusMail (22 december 2013).