Hayreddin Barbarossa (Khizr Reis), nascido em meados do século XV (1466/1478), foi mais uma das lendárias figuras na história islâmica e que hoje ainda é relembrado na cultura popular ocidental.

Oriundo da ilha de Lesbos, na Grécia otomana, a sua jornada começou com a influência de seu irmão mais velho, Oruç Reis. Sendo o mais novo de quatro irmãos, Hayreddin iniciou seu caminho de forma simples através de viagens comerciais entre Lesbos, Tessalônica e Eubeia com um barco que ele mesmo construíra.

Um retrato de Hayreddin Barbarossa

Os Cavaleiros Hospitalários, também conhecidos como Cavaleiros de Rodes por estarem estabelecidos na ilha de Rodes (Grécia), não raramente estragavam os negócios dos  irmãos. Certa feita em um dos ataques piratas dos cavaleiros, seu irmão Ilyas foi morto e Oruç capturado e levado como prisioneiro para o castelo de São Pedro, ou Castelo de Bodrum como é mais conhecido. Oruç ficou sob domínio Hospitalário por três anos, até que Khizr soubesse de seu paradeiro no castelo de Bodrum e fosse para lá salvá-lo. Após ser resgatado, Oruç, Barbarossa e os demais irmãos sobreviventes juraram lealdade ao Império Otomano para combater as piratarias e investidas dos Cavaleiros de Rodes. Assim, os irmãos que outrora tinham sua renda com o comércio marítimo, agora se viam aliados ao Império Otomano contra os invasores de suas terras.

Castelo de São Pedro dos Cavaleiros Hospitalários em Bodrum, onde Oruç foi mantido em cativeiro por quase três anos até ser resgatado por seu irmão mais novo, Khizr.

Em 1492, Oruç Reis ajudou os muçulmanos e judeus expulsos da Espanha após a queda do último reduto islâmico na Península Ibérica, o Emirado de Granada. Conta-se que ao ajudar esses refugiados desesperados a ingressarem no Norte da África, Oruç Reis era chamado de Baba (Pai) Oruç, sendo ouvido como “Barbarossa” pelos cristãos, que em italiano significa “Barba-Ruiva” (futuramente, após a morte de Oruç, o novo Baba seria Hayreddin, que então ficaria  conhecido como Barbarossa).

As expedições marítimas de Oruç em geral obtiveram grandes sucessos contra as embarcações cristãs, principalmente contra as da ordem de São João (Hospitalários). Em uma época foi incumbido por Şehzade Korkut (irmão de Selim I) a batalhar contra os membros da ordem, uma vez que estavam infligindo sérios danos nos navios otomanos, chegando inclusive a prejudicar o comércio marítimo do Império. Dessa maneira foi concedido a Oruç 18 galés na cidade de Antália, onde Korkut governava. Mais tarde, conforme Korkut foi avançando na hierarquia otomana e alçando cargos cada vez mais importantes, foi fornecendo a Oruç frotas cada vez maiores. Quando se tornou governador da província de Manisa, Korkut concedeu 24 galés a Oruç, ordenando que com elas o corsário participasse de uma expedição otomana na costa italiana. Novamente obtendo sucesso nos mares, Oruç conseguiu capturar novos navios durante a expedição, e mais algumas galés no caminho de volta para casa.

Ocorre que em 1503, Korkut se exilou no Egito para evitar ser morto pelo seu irmão, Selim I, nos famosos fratricídios do Império Otomano. Uma vez que Oruç estava diretamente associado ao príncipe exilado, decidiu ir até o Egito com medo de que também sofresse represálias. Com ele também estava seu irmão, Hayreddin, e do Egito fariam diversas expedições marítimas pela costa da Sicília e na região norte da Itália. Os irmãos chegariam inclusive a capturar galés do próprio papa próximo à ilha de Elba, na Itália, juntamente com outras embarcações de menor porte.

Os irmãos fariam juntos ainda várias expedições ao longo dos anos: em 1510 investiriam na Sicília e defenderiam a Argélia de ataques espanhóis; ainda no mesmo ano atacariam a costa de Andaluzia e tomariam uma galeaça de uma influente família de Gênova. Esse ano foi de grande sucesso para os irmãos Hayreddin e Oruç, pois ainda iriam capturar um castelo na costa de Menorca, de onde partiram para capturar outras galés genovesas. Os genoveses bem tentaram se defender das investidas dos corsários, mas sem êxito: os irmãos Reis tomariam mais de 20 navios em menos de um mês.

Um retrato de Barbarossa por Nakkaş Nigari.

Após o grande sucesso na região da costa espanhola e genovesa, partiram para a Tunísia, onde aumentaram a sua frota construindo novos navios e produzindo pólvora para suas embarcações. Em 1513 eles voltariam a assolar os espanhóis, e fariam isso novamente em 1514 e 1515. Já em 1516 houve o feito que provavelmente é o maior destaque na vida de Hayreddin: a conquista de Argel, hoje capital da Argélia.

Até 1516 Argel estava sob domínio espanhol, porém novamente a hegemonia hispânica seria colocada em cheque pelos lendários corsários otomanos. Carlos V tentou recuperar o território argelino perdido para Hayreddin, porém sem sucesso. Novamente os irmãos levariam a derrota até as portas da Coroa espanhola.

Nos anos subsequentes, Hayreddin ainda iria realizar outras conquistas importantes, dentre elas expulsar os Cavaleiros Hospitalários da ilha de Rodes em janeiro de 1523. Esse fora o motivo pelo qual Hayreddin havia jurado lealdade ao príncipe otomano, e agora finalmente conseguiu expulsar os invasores que haviam matado um de seus irmãos.

Solimão, o Magnífico, recebendo Barbarossa em Istambul

Durante todos esses anos de conquistas, ataques e defesas, Hayreddin continuava auxiliando os muçulmanos, judeus e mudéjares que tentavam cruzar o estreito de Gibraltar para escapar do jugo da Coroa Espanhola e da Inquisição. Só em 1529 ele fez sete viagens para Argel para transportar 70 mil mudéjares.

Carlos V sem dúvidas não iria deixar barato essas vitórias maciças de Barbarossa. Em 1531 o rei espanhol ordenaria o famoso Andrea Doria a recapturar as terras perdidas na Argélia. Apesar dessa aliança espanhola-genovesa, Barbarossa conseguiria repelir um forte ataque de mais de 40 galés, partindo com um contra-ataque que também iria acabar atingindo novamente os Hospitalários.

Bandeira de Barbarossa

Em 1534 Barbarossa partiria de Costantinopla com 80 galés para recuperar algumas cidades gregas que foram capturadas pelos espanhóis. No mesmo ano ainda viria a capturar Túnis. É curioso observar que a reação de Carlos foi enviar um agente para Túnis, oferecendo à Barbarossa o “senhorio sobre a África do Norte”1. Entretanto, o Imperador ordenou que caso Barbarossa recusasse a oferta, então o agente deveria mata-lo envenenado ou cortar sua garganta, o que fosse possível para liquidar com a ameaça do corsário otomano.

Um modelo da galera de Barbarossa durante sua campanha na França em 1543, no Museu Naval de Istambul

A resposta de Barbarossa veio como um golpe no pescoço do agente imperial, literalmente, decapitando o mesmo, respondendo o rei espanhol da forma mais ríspida e direta possível. Carlos V novamente não iria aceitar calado outra derrota, decidindo conquistar Túnis a qualquer custo, proclamando assim a sua mais nova cruzada.

Barbarossa confiou suas defesas para ninguém menos que Sinan Reis, o grande corsário judeu do Império Otomano, juntamente com 5 mil dos seus melhores homens, que conseguiram segurar os ataques de Carlos e seu exército por 24 dias. Sinan avançou 3 vezes em direção aos ataques inimigos para tentar afasta-los da cidade, porém foi repelido em todas as tentativas até que finalmente os atacantes espanhóis conseguissem derrubar uma parte da muralha e adentrar na cidade juntamente com seus aliados italianos e alemães. Com a captura do forte da cidade, Carlos havia dominado toda a baía e também adquirido para si 87 galés dos corsários inimigos. Em 21 de julho de 1535 o exército de Carlos adentra na cidade e estima-se que durante os próximos três dias 70 mil pessoas foram mortas e outras 40 mil capturadas, que não faziam parte do exército de Barbarossa e Sinan Reis, mas sim habitantes da cidade, que inclusive haviam se aliado aos cristãos no passado. Judeus também não foram poupados do massacre, afinal de contas os mesmos já eram perseguidos na Espanha, quem dirá em território inimigo onde um corsário judeu infligiu grandes derrotas e vergonhas à Coroa.

Esse, porém, não seria o fim da atuação de Barbarossa e nem de Sinan Reis. Nos anos subsequentes eles teriam outros sucessos militares, principalmente contra Veneza, que se viu obrigada a pedir a ajuda do papa Paulo III. O papa por sua vez formou uma Liga que incluía (além do próprio papado) a Espanha, Sacro Império Romano-Germânico, Veneza e os Cavaleiros Hospitalários. Novamente Andrea Doria apareceria em cena para combater os Otomanos, porém as forças de Barbarossa eram comandadas por ninguém menos que Sinan Reis, que mais uma vez estragou com os planos europeus. Essa batalha ficou conhecida como a Batalha de Preveza (1538), talvez a mais importante batalha da história de Sinan Reis.

Barbarossa Hayreddin Pasha derrota a Santa Liga de Carlos V sob o comando de Andrea Doria na Batalha de Preveza em 1538

Nesse conflito os Otomanos possuíam uma grande desvantagem numérica, onde a frota otomana consistia em 122 galés e 82 galeotes, enquanto a Aliança possuía 300 galés e galeões. Tal batalha ocorreu pois um ano antes, Barbarossa havia capturado uma parte significativa das ilhas do Mar Egeu e do Mar Jônico, anexando assim o Ducado de Naxos para o Império Otomano. Porém o corsário otomano não pararia por aí: em 1539 ele tomaria outras ilhas gregas dos espanhóis, ao ponto de em 1540 Carlos V voltar a contatá-lo com uma nova oferta: Barbarossa se tornaria o almirante-chefe de sua frota e também o governante de todo o território espanhol no Norte da África. Barbarossa, naturalmente, recusou a proposta do rei católico. Vingativo, Carlos tentou dar o troco mais uma vez em 1541, liderando ele mesmo uma frota em direção a Argel, porém foi uma investida infrutífera devido às más condições meteorológicas da época.

Nos anos que viriam Barbarossa continuaria suas campanhas, obtendo grande sucesso em praticamente todas. Já em 1545 seria o fim de sua trajetória, se aposentando em Constantinopla e morrendo no ano seguinte em 1546, sendo sucedido pelo seu filho, Hasan Pasha. E assim foram os últimos dias de vida do lendário almirante otomano, que além de ficar eternizado na história, hoje é representado nos cinemas na franquia Piratas do Caribe com uma adaptação  no personagem Hector Barbossa.

Bibliografia:

-BRADFORD, Ernle. The Sultan's Admiral: The life of Barbarossa. Tauris Parke Paperbacks. 2009.

-BILGIÇ, Büşra Nur. Barbaros Hayrettin Pasa: First admiral of Ottoman navy. Anadolu Agency, 2009.

-KRITZLER, Edward. Jewish Pirates of the Caribbean: How a Generation of Swashbuckling Jews Carved Out an Empire in the New World in Their Quest for Treasure, Religious Freedom–and Revenge. JR Books. 2009.

-STEVEN, Plaut. Putting the Oy Back into ‘Ahoy’. Jewish Press. 2008.

-CASALE, Giancarlo. The Ottoman Age of Exploration. Oxford University Press. 2010.

-KONSTAM, Angus. Piracy: the complete history. Osprey Publishing. 2008.