Jawhar as-Siqilli nasceu, provavelmente, entre 911 e 913 na Sicília, Itália, no período de transição do domínio bizantino para a conquista islâmica.

Durante o período do califa fatímida al-Mansur, Jawhar foi trazido como escravo militar, ou ghulam, à Qayrawan, na Tunísia, e apresentado perante a corte xiita. Percebendo o seu potencial, ele foi feito assistente pessoal de al-Mansur, e logo alcançou proeminência.

Em 932, o sucessor de al-Mansur, seu filho, al-Muizz, nomeou-o como seu vizir ou “katib” e, desde então, ele ficou conhecido como Jawhar al-Katib. Em 958, ele foi nomeado comandante chefe das forças fatímidas e foi designado para subjugar as partes remanescentes do Magrebe africano.

As conquistas de Jawhar

Em 958, Jawhar liderou as forças fatímidas para o oeste e derrotou a resistência perto de Tahrat, que havia se rebelado contra os fatímidas. Ele prosseguiu em direção a Sijilmasa, então governado pela tribo Midrar e matou seu chefe, Muhammad bin al-Fath, em uma luta feroz.

Jawhar marchou contra Fez, depois de passar um ano no leste do Marrocos. Em 960, ele sitiou a fortaleza mais forte dos omíadas. Ele tomou posse de Fez e prendeu seu governador omíada. Jawhar prosseguiu em direção ao extremo oeste e continuou conquistando uma após outra cidade até chegar ao oceano Atlântico.

Ele ordenou que alguns peixes fossem colocados em um recipiente com água, e enviou-os ao califa al-Muizz para que ele soubesse, simbolicamente, que quaisquer que fossem as cidades que ele cruzou, ele os conquistou até o oceano Atlântico.

Al-Muizz, com uma política abrangente e mais cautelosa no Mediterrâneo e no mundo muçulmano, foi capaz de ter sucesso onde seus antecessores falharam. Tendo submetido completamente o Magrebe ao seu controle, ele foi capaz de reunir a tribo Katama sob a liderança capaz de Jawhar para uma iminente expedição contra o Egito.

O Egito estava sob o domínio dos turcos Iquíxidas entre 935 e 969 antes do advento dos fatímidas. Era uma dinastia turca sob a suserania abássida. Muhammad Ikhshid, o fundador da dinastia, morreu em 966, e seus dois filhos menores, Abu Kassim e Ali, governaram após ele em sucessão como os governantes nominais, e a autoridade virtual foi mantida por um sevo militar etíope chamado Abul Misk Kafur.

Ele foi um governador capaz e morreu em 968. A morte de Kafur deixou o Egito em estado de confusão. A fome estourou como resultado da escassez de água no Nilo e também foi seguida por peste. Os soldados tiveram seus salários diminuídos, suas gratificações estavam em atraso.

O governo inteiro não conseguiu aliviar o povo do sofrimento devido à falta de um governador capaz. Kafur foi sucedido por Abul Fawaris Ahmad, de doze anos de idade. Sob o seu governo, começou uma animosidade entre o vizir Abu Jafar bin Furat e Yaqub bin Killis, o tesoureiro.

Yaqub foi preso, mas logo foi aliviado pela intervenção de Sharif Muslim al-Hussain. Yaqub bin Killis foi até  al-Muizz no Magrebe e informou a condição caótica do Egito. Ele também pediu ao imã que tomasse posse do Egito.

Por outro lado, os abássidas também negligenciaram o Egito por causa de suas guerras internas. O cenário agora estava convidativo aos fatímidas. De acordo com Ibn Khallikan (5: 226):

Os preparativos para a expedição contra o Egito são um testemunho justo da eficiência da logística fatímida.

A Marcha pela tomada do Egito

Quatro meses de provisões foram pacientemente acumuladas no Qasr al-Ma, perto de Mansuria. Poços foram cavados e casas de repouso construídas ao longo da rota entre a Tunísia e o Egito, em 966.

Al-Muizz confiou a invasão do Egito a seu general, Jawhar, que já havia provado sua eficiência na conquista das províncias ocidentais, mas desta vez, Jawhar ficou doente, e nenhuma esperança foi recebida de sua recuperação.

Neste estado, ele foi visitado por al-Muizz, que de acordo com Ibn Khallikan (1: 341) declarou que Jawhar não só escaparia da morte, mas também faria a conquista do Egito.

A saúde de Jawhar seria restaurada em breve. Al-Muizz compareceu com sua corte para se despedir e, de acordo com Makrizi (1: 378), ele disse:

Estamos precisando de seus corpos e mentes. Se você agir de acordo com o que dizemos, podemos esperar que Deus facilite nosso ataque aos países orientais, como fez com as partes ocidentais com sua cooperação.

[…] Por Deus, se Jawhar for sozinho para conquistar o Egito, ele poderá toma-lo. Vocês entrarão no Egito dentro de seus véus, sem ofender, e pousarão nas ruínas dos Tulúnidas, onde edificar-se-á uma cidade cujo nome será al-Qahira (o Cairo), que dominará o mundo. (Ibidem)

Assim, al-Muizz fez seu discurso de despedida às tropas de Jawhar na véspera de sua partida do Magrebe, no qual enfatizava muito a política religiosa a ser seguida no novo domínio. Ele advertiu suas tropas que “a justiça era a base do Estado, não a opressão”.

Se este princípio fosse observado por todos, ele pensou, os guerreiros Katama acabariam por conquistar o Oriente facilmente, assim como conquistaram o Ocidente. Com a conclusão de seu sermão, al-Muizz ordenou formalmente que Jawhar partisse e ordenou aos seus príncipes que desmontassem e dessem a Jawhar a saudação de partida.

Isso também obrigou os grandes oficiais do império a desmontarem. Jawhar beijou a mão de al-Muizz, montou em seu cavalo e pôs seu exército em marcha. A marcha de Jawhar começou em Qayrawan com um enorme exército no dia 4 de fevereiro de 969.

O exército de Jawhar consistia de árabes, eslavos, gregos e tribos berberes, dos quais os Katama eram os maiores. Ibn Khallikan (5: 377) estimou em mais de cem mil homens, e Nuwayri (d.1332) escreve em Nihayat al-Arab (ed. M. Jabir A. al-Hini, Cairo, 1984, p. 44 ) que duzentos mil homens depois se juntaram a eles.

O custo da expedição também é dado por volta de 24 milhões de dinares. Mais de mil toneladas de ouro no lombo de camelos também foram colocadas sob Jawhar para atender a despesas extras. Com todas as suas forças, Jawhar chegou a Barqa, cujo governador, Aflah, o recebeu com honrarias.

Jawhar dirigiu suas forças para Alexandria e a conquistou sem muita oposição. Quando o povo de Fustat, próximo ao que viria ser o Cairo, ficou sabendo da queda de Alexandria, eles enviaram sua delegação, que encontrou Jawhar em uma aldeia, chamada Taruja,  em junho de 969.

Jawhar prometeu a eles por salvo conduto. Em 30 de junho de 969, Jawhar dominou a última resistência fraca das forças iquixidas perto de Gizé e entrou em Fustat atravessando o Nilo.

Ele desembarcou nas ruínas da dinastia Tulúnida (868-905) no dia 4 de julho de 969, onde foi recebido com homenagens. No mesmo ano, Jawhar despachou um mensageiro em direção a Tunísia para al-Muizz, com as boas novas de que o Egito havia caído para os fatímidas.

O desenvolvimento de Cairo

Parece que Jawhar preferiu seguir muito de perto a política projetada por al-Muizz. Em sua proclamação (ahd al-aman) à população egípcia, em 969, Jawhar delineou uma sagaz política de tolerância religiosa, reforma, justiça, tranquilidade, segurança e paz. Ele estava lá para executar a política fatímida, que visava pacificar o Egito para que pudesse servir como um centro potencial.

Seria mais preciso descrever o local de Fustat como um banco de baixa altitude que consiste em uma planície e uma série de terraços aluviais que se estendem até as pontas avançadas do Jabal al-Muqattam, conhecido também como Jabal Yashkur. O nome ”Fustat” significa  tenda militar ou, mais provavelmente, ”trincheira”.

Jawhar acampou seu exército na planície norte de Fustat, quase longe das partes apinhadas da cidade. O Prof. Hitti escreve em Capital Cities of Arab Islam (Londres, 1973, p. 111) que:

O vencedor não perdeu tempo em lançar as bases de sua nova capital. O local que ele escolheu superou o de Bagdá em números e na importância de seus precursores, e a região ao redor do lugar competia com a da capital anterior.

No dia 6 de julho de 969, Jawhar desenhou as linhas da nova cidade, e na mesma noite, ele lançou as bases de al-Qahira al-Muizia (”Cairo de al-Muizz”). A nova cidade foi construída em um plano retangular. Sua largura era de cerca de 1200 metros e se espalhava por 340 acres de terra, dos quais o grande palácio ocupava 70 acres.

Uma grande área foi reservada para jardins e parques, e cerca de 200 acres foram distribuídos entre os soldados. A cidade foi fortemente fortificada por todos os lados com portões de ferro para proteger dos invasores. Em seu norte ficava a Portão Nasr, ao sul o Portão Zwella, a leste o  Barqiya e O Mahruk, e a oeste estavam os portões Saadat, Faraj e Khokhal.

John J. Pool escreve em Studies in Mohammedanism (Londres, 1892, p. 165) que:

No Cairo, no tempo de sua grandeza real, nos dias em que os fatimitas governavam, deve ter sido uma capital a se orgulhar. E a cidade não era apenas famosa por sua situação e grandeza únicas, mas ganhou notoriedade no Oriente, como Córdova fez no Ocidente, por seu incentivo ao aprendizado.

Dr. T.J. De Boer escreve em A História da Filosofia no Islã (Nova York, 1967, pp. 5-6) que:

Por um curto tempo Alepo, a sede dos Hamdanidas, e por um longo tempo o Cairo, construído pelos Fatímidas no ano 969, tem uma reivindicação melhor para ser considerada como a casa do esforço intelectual do que a própria Bagdá.

Jawhar ordenou que todas as menções ao califa abássida nas orações das sextas-feiras fossem expurgadas de todos os registros oficiais e que o sermão fatímida fosse recitado. Ibn Khallikan (1: 344) escreve que estas palavras foram adicionadas nos sermões de cunho agora xiitas:

Ó meu Deus, abençoe Muhammad o Escolhido, Ali o Aceito, Fátima a Pura, e al-Hasan e al-Hussain, os netos do Apóstolo que tu livraste de qualquer mácula e completamente purificaste, ó meu Deus, abençoe os imames puros, antepassados ​​do Comandante dos fiéis.

Ibn Khallikan (1: 345) ainda escreve que:

Jawhar desaprovou, contudo, de que as orações (de sexta-feira) fossem lideradas por si, e disse que tal não estava nas instruções dadas por seu mestre.

Um dos primeiros atos de Jawhar no Egito foi cunhar as moedas fatímidas, com o nome de al-Muizz. Ele enviou um saco de moedas para Imam al-Muizz em Mansuria como um símbolo de sua conquista.

O primeiro passo de Jawhar depois de estabelecer a muralha da cidade com quatro portões foi começar dois grandes projetos: o palácio do califa e a mesquita. O complexo do palácio ocupava a área central de 116.844 jardas quadradas.

Era grande o suficiente para acomodar a casa imperial e os funcionários e para fornecer escritórios para oficiais do governo e oficiais do exército. Com o passar do tempo, chegou a ter 4.000 quartos.

Perto do palácio erguia-se a mesquita, estendendo-se até o pé do Jabal al-Muqattam, chamada Jam-i Azhar, no dia 4 de abril de 970, onde uma grande biblioteca e escola foram erguidas, sendo assim, ainda disputada pela Qahrawiiyin, a primeira universidade da história.

Al-Muizz deixou Alexandria e, no sábado, 6 de junho de 973, parou em Mina, o berço do Egito. Jawhar em Jazira cumprimentou-o calorosamente. O califa entrou no Cairo, que daí em diante, tornou-se a capital dos fatímidas.

A capital foi marcada com o nome de al-Muizz e préstimos a memoria de Ali. As pessoas, que lotaram sua primeira audiência pública, o aclamaram. Conta-se que ele foi presenteado com preciosos presentes pelos proeminentes nobres, em que o presente oferecido por Jawhar era esplêndido e atraente.

Embora a Palestina fosse ocupada após a conquista do Egito, a Síria não pode ser tomada, após uma derrota nas mãos dos qarmatas em Damasco. No entanto, quando os qarmatas invadiram o Egito, Jawhar conseguiu derrotá-los ao norte do Cairo em 22 de dezembro de 970, embora a luta continuasse até 974. Para garantir a fronteira sul do Egito, uma legação foi enviada para a terra cristã da Núbia.

Após o estabelecimento da residência no Cairo, Jawhar caiu em desgraça com al-Muizz. Sob o seu sucessor al-Aziz (975-996), no entanto, em cuja ascensão ao trono Jawhar desempenhou um papel importante, ele foi reabilitado. Ele foi regente novamente até 979, mas foi finalmente destituído do poder depois que uma campanha contra a Síria foi novamente derrotada perto de Damasco. Jawhar morreu em 1 de fevereiro de 992.

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