A Pérsia, hoje chamada de Irã, é uma das civilizações mais antigas e refinadas da História. Por séculos, o povo pérsico contribuiu com sucessivas dinastias que, revezando-se no domínio político da região – encabeçado pela elite étnica persa –, criaram uma sucessão de impérios, cada qual com novos contornos e nuances culturais e tecnológicas. Os Aquêmenidas, os Partas e os Sassânidas, os três grandes impérios persas da antiguidade, eram unidos por uma coisa em comum além da etnia (até pelo fato de os partos serem de origem indo-iraniana, mas não serem exatamente persas em si): a religião.

A religião zoroástrica, fundada pelo profeta Zoroastro, ou Zarathustra ou Zardosht, era o principal pilar das instituições imperiais e nobiliárquicas persas; o Shahanshah, o “Rei dos reis”, seus nobres e funcionários públicos, todos trabalhavam lado-a-lado dos mobads, os sacerdotes zoroastras. O Zoroastrismo não apenas era instrumento de legitimidade do regime dos Xás sobre o povo, mas também era a cola social do império: o Zoroastrismo era difundido – e muitas vezes imposto – sobre as populações não-persas dominadas pelos Xás para que, assim, pudessem eles aumentar a coesão social e o seu poder estatal, minando dissidências e secessões étnico-religiosas em torno do persocentrismo. Neste artigo, falaremos das três principais e mais recentes dinastias: os Safávidas, os Cajares e os Pahlevis.

Antecedentes imperiais

A dinastia dos Sassânidas (224–651) foi a última a implantar o ‘Zoroastrismo de Estado’. Em 636, nas planícies de Al-Qadissiyah, no Iraque, o comandante persa (spahbod) Rustâm Farrôkhzad enfrentou o sahaba (companheiro do Profeta Muhammad) Sai’d ibn Abī Waqqās, culminando na derrota dos sassânidas e iniciando a tomada da Pérsia pelos muçulmanos árabes, antes tributários dos persas.

Em 651, com a derrota dos últimos lealistas sassânidas na região da Báctria, no extremo Leste do Império Sassânida, a conquista islâmica da Pérsia estava completa, com os sassânidas sendo substituídos pelo Califado Rashidun, além de algumas dinastias persas locais que aproveitaram para encastelarem-se e declararem autonomia, mais tarde negociando com os Rashidun e tornando-se, geralmente, tributários do Califado em troca da manutenção de sua autonomia política (e também religiosa).

Os Rashidun foram sucedidos pelos Álidas e Omíadas e estes últimos, espancados até a morte na Revolução Abássida (não é uma piada), foram sucedidos pela dinastia homônima que, por sua vez, continuou e expandiu tremendamente a cultura islamo-persa, bem como a própria religião islâmica. Os Abássidas, muçulmanos sunitas, levaram os persas a uma era de ouro de inventos, produção intelectual, cultural e misticismo religioso. Eles foram sucedidos pelos Safáridas (869–903, não confundir com os Safávidas, que falaremos mais tarde) e os Samânidas (819–999), bem como pelos Búidas (934–1062), que foi a primeira dinastia reinante xiita em solo persa. Os futuros ataques de nômades da Ásia Central como os turcos seljúcidas, os mongóis e os turcomanos timúridas (povos que viriam a se estabelecer em diversas regiões da Ásia Menor, incluindo no Noroeste do que hoje é o Irã) viriam a minar consideravelmente todos os poderios dinásticos persas que sucederiam estes, pavimentando cada vez mais para a ascensão de um novo poder que seria o primeiro em séculos a unificar as terras do “Grande Irã”.

Os Safávidas

Apesar do nome engraçado, logo veremos que os Safávidas não estavam para brincadeira. Essa dinastia xiita duodecimana surgiu no século XVI como um poderio político-militar no Noroeste do Irã, área previamente populada por imigrantes/invasores turcomanos da Ásia Central, o que explica o fato deles, embora não fossem necessariamente turcomanos em origem étnica e sim, em sua maioria, curdos, com persas e outros entre eles, falassem uma língua túrquica conhecida como Azeri Velho, um ancestral direto da atual Língua Azeri (ou ‘azerbaijana’). Suas origens, no entanto, estão no século XIII: os Safaviyye, eram, originalmente, uma ordem sufi (tariqa) muçulmana sunita, da jurisprudência Shafi’i, encabeçada pelo místico Sufi ad-Din al-Ardabili (1252–1334), que a herdou de seu pai espiritual, Zahed al-Gilani sob o nome de “Zahediyyah” e a renomeou e reformou. A Ordem Safávida logo ganhou grande influência na cidade nativa de Sufi ad-Din, Ardabil, no Noroeste do Irã. Dois dos sucessores de Sufi, Sheykh Junayd e Sheykh Haydar Safavi foram os responsáveis pelo “desvio” da ordem: foi a partir de Sheykh Junayd que a ordem adotou o xiismo enquanto crença e secto do Islã. Antes, fosse apenas isso, mas o xiismo que Junayd Safavi adotou não era nenhum xiismo ortodoxo, mas sim um crença ghulat (exageradora) messiânica, sincrética e heterodoxa, que começou a ver nele uma manifestação divina (assim como os xiitas ismailitas viam no Califa Fatímida Al-Hakim uma manifestação divina, também); não apenas isso, mas Junayd, não satisfeito com o “poder espiritual” começou a perseguir o poder material: transformou a ordem de uma tariqa de dervixes sufi em uma ordem militar (tal qual a ordem dos Assassinos) A situação se repetiu com Sheykh Haydar até que o Ismail Safavi – o futuro Xá Ismail I – assumiu o controle da ordem.

Com Ismail no controle, a ordem estava realmente sob nova direção: Ismail, um xiita fanático, lançou-se numa série de empreitadas militares contra a então dinastia reinante na maior parte da Pérsia e do Iraque, os turcomanos sunitas de Aq-Qoyonlu (“O rebanho branco” em turco antigo), aliando-se até mesmo a velhos inimigos do Islã como os georgianos e os gregos pônticos (etnias das quais ele curiosamente era descendente, além de curdos e turcos) para circundar e derrubar os Aq-Qoyonlu. Seus soldados, conhecidos como qizilbash (os “chápeus-vermelhos”) o adoravam como um deus. Em 1500, Ismail Safavi invadiu a cidade vizinha Shirvan para vingar a morte de seu pai, Sheik Haydar, que havia sido assassinado em 1488 pelo governante de Shirvan, Farrukh Yassar. Depois de uma triunfada entrada na cidade, Ismail fez uma campanha de conquista, capturando a capital dos Aq-Qoyonlu, Tabriz, 1501, onde depôs o Khan dos Aq-Qoyonlu e se entronizou o Xá do Azerbaijão, proclamando-se, numa festa regada a álcool, fornicação e outras coisas vetadas pela religião islâmica, o Shahanshah do Irã, fundando então oficialmente a Dinastia Safávida.

Umas vez no poder, controlando o território que hoje é todo o Irã, Azerbaijão e partes do Iraque, o Xá Ismail I começou uma verdadeira caça às bruxas no país: seu objetivo era varrer quase meio milênio de Islã sunita. O Xá começou, então, uma campanha de disseminação forçada do xiismo duodecimano – já purgado de suas loucuras heréticas, uma vez que, reconhecendo sua total falta de erudição e prática religiosa básica, importou ulemás xiitas ortodoxos do Líbano e da Síria para reformar sua própria religião –, com xeiques sunitas sendo substituídos por xeiques xiitas formados em tempo de fast-food para atender a demanda, dergas sufis sunitas sendo destruídas e seus dervixes, quando não expulsos, mortos (a única ordem sufi que se safou foi a Nimatullahi que logo após a ascensão safávida, mudou seu credo para o xiismo), com sua propriedade sendo também confiscada. Foram feitos decretos para tornar mandatória a maledicência pública dos três primeiros califas do sunismo; antes de assumir um cargo público, tal maledicência era obrigatória, por exemplo. Os ulemás sunita tinha de escolher entre a conversão, o exílio ou a morte. Foi instituído um feriado nacional no dia 26 de Dhu’l-Hijjah, comemorando o assassinato do Califa Omar pelo seu escravo persa zoroastra Peroz Nahavandi.

Com sua política agressiva, que foi mais ou menos mantida por seus sucessores, o Xá Ismail I conseguiu dar um duro golpe contra o sunismo persa, outrora tão próspero. Com o tempo, todavia, o Império Safávida, que chegou no seu apogeu no século XVI até o início do XVII, foi ficando cada vez mais minado por guerras dirigidas contra o Império Otomano (seu rival sunita) e o Império Russo (seu rival cristão), este último lhe impondo pesada derrota em 1723. Após essa derrota, a dinastia dos Safávidas teve um breve período de exílio, quando Nader Shar tomou de assalto toda a região da Pérsia e substituiu os Safávidas por sua própria dinastia, os Afsháridas. Nader era um exímio estrategista e corajoso conquistador; sob seu comando, a Pérsia pela primeira – e última – vez conseguiria retornar próxima a suas maiores fronteiras, durante as dinastias zoroástricas. Nader também tentou unir o sunismo e o xiismo, não obtendo muito sucesso, enfrentando a oposição das ulemás xiitas e sunitas de seu império. Após a morte de Nader, sua dinastia declinou e foi substituída de fato, novamente, pela Safávida. Seus dias, todavia, estavam contados: ela, reinstalada pouco depois do assassinato de Nader em 1747, durou até 1760, quando Karim Khan Zand depôs seu governante fantoche ao qual era vizir, Ismail III, e se coroou Xá.

A dinastia que se seguiu aos Safávidas, a dos Zands, pouco durou e sua queda foi prevista por astrólogos zoroastras da cidade de Kerman. Os astrólogos também previram que a dinastia que os sucederia, sendo vitoriosos sobre os Zands, seria aquelas dos Qajar, uma tribo turcomena que habitava nas terras do Azerbaijão e Armênia. Os cajares (ou qajares, quajares) logo se tornaram os inimigos dos Zands, liderados Agha Mohammad Khan, avançando rapidamente contra o reino Zandem declínio. Em 1789, Lotf’Ali Khan, sobrinho-neto de Karim Khan, declarou-se o novo (e último) Xá. Seu reinado (até 1794) foi gasto principalmente em guerra com o Cã Cajar. Ele foi finalmente capturado e brutalmente morto na fortaleza de Bam, pondo fim à dinastia Zand.

Os Cajares

Após destronar os Zands e pôr um fim oficial aos Afsháridas (que ainda reclamavam o título de Xás da Pérsia, mesmo não obtendo controle real sobre o território), confirmando a previsão dos zoroastras, os cajares, uma tribo turcomena da família Oghuz Türk tornariam-se a segunda grande dinastia da história recente persa, além de serem aqueles que lançariam as bases fundamentais do Irã moderno. Apesar de durante seu domínio a Pérsia, em virtude das mudanças dos séculos XIX e XX terem se debilitado e sofrido perdas territoriais (espcialmente nas mãos dos russos que, tomaram a atual Geórgia oriental, Daguestão, Azerbaijão e Armênia), a Dinastia Cajar reinventou a noção irano-persa de “realeza” e manteve relativa independência política, mesmo enfrentando grandes desafios à sua soberania, predominantemente dos impérios russo e britânico. Conselheiros estrangeiros tornaram-se poderosos na corte e no exército e eventualmente dividiram o a Pérsia em duas zonas de influência na Convenção Anglo-Russa de 1907.

No início do século XX, houve a Revolução Constitucional Persa, que desestabeleceu o absolutismo do Xá e criou um parlamento eleito (o Majilis), e buscou o estabelecimento de uma monarquia constitucional, depondo Mohammad Ali Shah Qajar em prol do mais liberal e flexível Ahmad Shah Qajar, mas muitas das reformas constitucionais foram revertidas por uma intervenção liderada pelo Império Russo. Os Cajares tentaram modernizar o Irã, mas de maneira conservadora: xiitas devotos, tentavam seguir o mesmo caminho do Império Otomano: progresso com segurança. Enquanto modernizavam suas instituições, sua realeza e exército, mantinham as tradições consigo. A integridade territorial do Qajar Irã foi ainda mais enfraquecida durante a campanha persa da Primeira Guerra Mundial e a invasão do Império Otomano. Quatro anos após o golpe de estado persa de 1921, Reza Shah assumiu o poder em 1925, formando o Estado Imperial da Pérsia, conhecido também por Dinastia Pahlevi.

Os Pahlevis

Em 1925, Ahmed Shah Qajar foi deposto num golpe militar encabeçado pelo comandante de cavalaria e primeiro-ministro Mohammed Reza Pahlevi. Treinado pelos cossacos russos, Mohammed Reza aproveitou a turbulência e inércia dos Qajar, em declínio, para tomar de assalto o poder: logo após tomar a capital e afugentar os Qajar, o Majilis o declarou como Xá da Pérsia. Mohammed Reza Shah, como foi chamado após sua ascensão, originalmente queria fazer da Pérsia uma República laica e moderna, tal qual fizera Mustafá Kemal Atatürk apenas alguns anos antes, nos escombros do Império Turco-Otomano. Reza Shah era um homem de pensamento progressista, pouco apegado às tradições iranianas e islamo-xiitas do seu país, encarando-as mesmo com aberta hostilidade. Reza Shah deu início a uma agressiva campanha de modernização não apenas da economia (definitivamente abrindo as portas para as petrolíferas estrangeiras, especialmente a Anglo-Iranian Oil Co., que monopolizou o mercado iraniano de petróleo durante décadas), mas também nos aspectos sociais e institucionais: além de reformar as instituições (exceto a sua própria, uma vez que pegou gosto por ser um monarca autocrata e tirânico), estabeleceu decretos para minar a influências das tradições culturais e religiosas na sociedade irano-persa, como o Kashf-ê Hêjab, que proibia as mulheres de usarem o véu islâmico.

Por causa de suas medidas, acabou tornando-se impopular e sinônimo de governante tirânico, enfrentado diversas rebeliões, que sempre sufocou com violência, como a rebelião de clérigos e devotos que em 1935 se insurgiram no Santuário do Imã Reza (o oitavo Imame do xiismo duodecimano), proferindo sermões contra o herético Xá e gritando palavras de ordem. Após a chegada de militares despachados pelo Xá, rebelião foi sufocada, resultando na morte de cerca de 500 pessoas, incluindo mulheres e crianças. Reza Shah foi forçado a abdicar em 1941, após uma invasão conjunta de britânicos e soviéticos tomar o Irã (que foi oficialmente renomeado de “Pérsia” para “Irã” por ele), em consequência de posicionamentos pró-Eixo por parte do Estado Pahlavi no meio da Segunda Guerra Mundial. Foi sucedido por seu filho, Mohammed Pahlevi. O governo do Xá Mohammed foi menos “agressivo” socialmente, mas bem mais “agressivo” repressivamente: a polícia secreta do Xá, a SAVAK, liquidava os opositores do Xá e torturava possíveis dissidentes sem dó. Na década de 50, o primeiro-ministro nacionalista Mohammed Mossadegh instituiu uma monarquia institucional com o apoio do Majlis. Como ele representava uma pedra no sapato das potências anglo-americanas, foi deposto pelo próprio Xá num autogolpe, com ajuda da CIA, que reinstitucionalizou o absolutismo do Xá.

A crescente insatisfação com o governo na reta final do governo de Mohammed, dos anos 60 para os 70, foi acentuada pelo impopular reconhecimento do Estado de Israel na década de 50, ainda, e pelas extravagâncias da família real enquanto os indicadores socioeconômicos das camadas médias e baixas do país só pioravam. Na metade da década de 70, eclodiram protestos contra o Xá, que foram duramente reprimidos. A repressão, porém, não extinguiu a chama dos Aiatolá Ruhollah Khomeini, saíram em massa às ruas em 1979 e derrubaram o Xá, concretizando assim a Revolução Islâmica do Irã, que levou Khomeini e os cleros ao poder na República Islâmica do Irã, onde lá estão até hoje.

Bibliografia:

LOCKHART, Laurence; JACKSON, Peter, eds. (1986). The Cambridge History of Iran – Cambridge University Press.

AMANAT, Abbas (2017). Iran: A Modern History. Yale University Press.

MATTHEE, Rudi - "Safavid dynasty", Encyclopædia Iranica.

ABRAHAMIAN, Eryand (2008). A History of Modern Iran. Cambridge University Press.